Acórdão nº 2670/18.4T8CSC.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 28-10-2020
Data de Julgamento | 28 Outubro 2020 |
Case Outcome | CONCEDIDA A REVISTA |
Classe processual | REVISTA |
Número Acordão | 2670/18.4T8CSC.L1.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Processo n.º 2670/18.4T8CSC.L1.S1 (Revista) - 4ª Secção
CM/PF/JF
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
I
Relatório:
1AA (A.) propôs contra Caixa Económica Montepio Geral, Caixa Económica Bancária (R.) a presente ação com forma de processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento e que teve início com a entrega pela trabalhadora do formulário a que se referem os artigos 98.°-C, n.°1,e 98.°-D do Código de Processo do Trabalho, opondo-se ao despedimento promovido pela respetiva entidade empregadora.
2. A entidade empregadora (R.) apresentou articulado para motivar o despedimento no qual concluiu pela verificação da justa causa de despedimento, tendo junto o procedimento disciplinar.
3. A trabalhadora (A.) contestou a licitude do presente despedimento, por exceção, invocando as exceções da prescrição das imputadas infrações disciplinares, da caducidade do direito de ação disciplinar e da nulidade do procedimento disciplinar, e, por impugnação, sustentando em síntese que os factos que lhe são imputados - cuja prática, objetivamente, admite no essencial - não causaram quaisquer danos ao empregador ou aos clientes, para além de que foram praticados em circunstâncias pessoais muito especiais, razão pela qual inexiste justa causa para o seu despedimento.
Deduziu pedido reconvencional pedindo que a R. seja condenada a:
a) Reconhecer a ilicitude do despedimento;
b) Reintegrá-la ao seu serviço no posto, categoria profissional, remuneração mensal efetiva reconhecida à data do despedimento e local de trabalho onde o exercia, salvo se optar pela indemnização em vez da reintegração (direito que se reserva exercer, ou não), com contagem de toda a antiguidade ao serviço de entidades bancárias;
c) Pagar-lhe as retribuições a que tem direito, desde a data em que produziu efeitos o seu despedimento e até à data do trânsito em julgado da decisão que ponha termo à lide e efetive a sua reintegração ao serviço, atualmente, à razão da retribuição mensal efetiva de € 2.150,27.
d) A manter o Crédito à Habitação que lhe foi concedido ao abrigo das normas do ACT, e o Crédito Pessoal (Auto), concedido ao abrigo de protocolo com os colaboradores, com as condições e taxas que vigoravam antes do despedimento, devolvendo-lhe tudo o que a mais lhe venha a cobrar, no âmbito do referido Contrato do Crédito à Habitação por causa do despedimento (diferença entre os valores que pagava antes de ser despedido e os valores superiores que venha a pagar, por causa do despedimento), a liquidar em execução de sentença;
e) A pagar-lhe uma indemnização por danos não patrimoniais não inferior a € 25 000;
f) A suportar uma sanção pecuniária compulsória no montante de € 1 000 por cada dia decorrido após a exequibilidade da sentença, sem que a R. a reintegre efetivamente;
g) Tudo acrescido das importâncias resultantes dos juros legais das dívidas em apreço, desde a citação até pagamento integral, a liquidar, se necessário, em execução de sentença, em conformidade com o estabelecido na lei e, em consonância, atualmente, com a Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril, à razão de 4% ao ano e em custas e tudo o mais que legal for;
4. A R. apresentou resposta na qual pugnou pela improcedência das exceções invocadas pela A. e contestou a reconvenção, concluindo pela improcedência da impugnação do despedimento, com o reconhecimento da licitude do mesmo.
5. Foi proferido despacho saneador, no qual foram julgadas improcedentes as exceções da prescrição e da nulidade do procedimento disciplinar e relegado para final o conhecimento da exceção da caducidade invocada pela trabalhadora.
Foi delimitado o objeto do processo e foram enunciados os temas de prova, tendo sido indeferida a realização de diligências probatórias requeridas pela Ré.
6. Inconformada, a A. interpôs recurso do despacho saneador na parte em que julgou improcedentes as exceções da prescrição e da nulidade do processo disciplinar.
7. A R. interpôs também recurso do despacho saneador na parte em que não admitiu a realização de diligência por esta requerida.
Posteriormente foi ordenada a realização dessas diligências, pelo que foi julgado extinto este recurso da R. por inutilidade superveniente do mesmo.
8. Por despacho de fls. 323 foi julgado inadmissível o recurso interposto pela Autora por carecer de recorribilidade autónoma.
9. Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença que declarou lícito o despedimento da A. promovido pela R. e, em consequência, absolveu esta de todos os pedidos contra si deduzidos pela A. (respeitantes à reintegração e/ou indemnização em substituição da reintegração e indemnização por danos não patrimoniais e à manutenção dos créditos)
10. Inconformada, a A. interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação que proferiu acórdão com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, acorda-se em revogar a sentença recorrida e, em sua substituição, julgando-se parcialmente procedente a ação:
a) declara-se ilícito o despedimento da Autora;
b) condena-se a Ré a:
1. reintegrar a Autora no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria profissional e antiguidade;
2. pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até à do trânsito em julgado da decisão pelo tribunal, a que há que deduzir o subsídio de desemprego que lhe tenha sido atribuído, devendo a Ré entregar essa quantia à Segurança Social, a liquidar em incidente de liquidação prévio a execução de sentença,
3. manter o crédito à habitação da Autora, ao abrigo das normas do ACT e o crédito pessoal ao abrigo do protocolo com os colaboradores, restituindo à Autora tudo o que lhe tenha sido cobrado a mais, em consequência do despedimento, a liquidar em incidente de liquidação prévio à execução de sentença;
4. a suportar uma sanção pecuniária compulsória no montante de €100,00, por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de reintegrar a Autora, após trânsito.
c) no mais, julga-se improcedente a ação.»
11. Inconformada com esta decisão, a R. interpôs recurso de revista, tendo formulado as seguintes conclusões:
«1.Vem o presente recurso de revista interposto do douto Acórdão que revogou a sentença proferida pelo tribunal de primeira instância, julgando parcialmente procedente a ação, declarou ilícito o despedimento e condenou a Ré a reintegrar a Autora, bem como a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até à do trânsito em julgado da decisão, manter o crédito à habitação da Autora, ao abrigo das normas do ACT e a suportar uma sanção pecuniária compulsória.
2. Nos presentes autos o que está em causa é a apreciação da licitude do despedimento de uma trabalhadora de uma Instituição Bancária, que alterou dados informáticos reportados à idade de clientes, de forma a que em 5 casos reunissem condições para os carteirizar (e assim dar cumprimento a objetivos comerciais – Cfr. Pontos 12 a 17, 18 a 22, 23 a 28, 29 a 34, 35 a 40 e 47 dos factos provados) e num outro caso, de forma a permitir que o cliente subscrevesse um produto, que face à idade real não poderia subscrever (cfr. Pontos 41 a 46 e 48 dos factos provados).
3. Tinha decidido a douta sentença de primeira instância – e bem - que os factos praticados pela trabalhadora consubstanciavam justa causa de despedimento, sendo crime de falsificação de documento. Isto é, que o comportamento da trabalhadora ao inserir informaticamente as referidas alterações reportadas à idade dos clientes é justa causa de despedimento, julgando lícito o despedimento e absolvendo totalmente a ora Recorrente de todos os pedidos.
4. O douto Acórdão recorrido, apesar de decidir – e bem - que não se verifica a prescrição das infrações disciplinares, nem a caducidade do procedimento disciplinar, nem a nulidade do processo disciplinar que é válido, veio todavia – mas salvo o devido respeito, mal - revogar a douta sentença de primeira instância, e apesar de decidir que os factos que a trabalhadora praticou, são infração disciplinar e que são suscetíveis de consubstanciar crime de falsidade informática, não são – no entendimento do Tribunal a quo, que é incompreensível desde logo no âmbito do exercício da atividade bancária ̶ justa causa de despedimento, preconizando antes a aplicação de sanção disciplinar conservatória do contrato de trabalho e julgando por isso ilícito o despedimento.
5. O Tribunal a quo, não só, ignorou em absoluto a profunda gravidade dos factos praticados pela trabalhadora (a alteração e viciação propositada e consciente no sistema informático de uma Instituição Bancária da idade de vários clientes, que produziu efeitos, permitindo a execução de atos com o pressuposto daquele requisito que a autora alterou, mas que era falso, e que se traduz na prática em crime de falsidade informática e documental, consubstanciando um comportamento não sério) como também, ignorou a circunstância de que tais factos foram praticados por um trabalhador bancário, no exercício das suas funções, sendo que o exercício de atividade bancária pressupõe um grau de confiança particularmente exigente e não é compatível com os comportamentos fraudulentos que ficaram provados nos autos.
6. Ficou provado que (cfr. Pontos 14 e 15 dos factos provados):
14. No dia 09-05-2017, às 13:36h, a trabalhadora processou em Sistema Transacional uma Manutenção aos Dados de Cliente, relativos aos dados de BB, nomeadamente no que concerne à Data de Nascimento desta, a qual constava como 1997-01-03 (portanto 20 anos de idade à data dos factos), alterando-a para 1992-01-03 (como se tivesse 25 anos).
15. Ainda em 09-05-2017, às 13:57h, a mesma Cliente foi associada à Carteira de Clientes Premium do Balcão Lisboa – …, Carteira n…., à data atribuída à Gestora AA ora trabalhadora. Tal carteirização foi possível atendendo à alteração da Data de Nascimento da Cliente, que tinha idade...
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