Acórdão nº 266/22.5SGLSB.L1.S1-A de Supremo Tribunal de Justiça, 25-09-2024

Data de Julgamento25 Setembro 2024
Case OutcomeREJEITADO
Classe processualRECURSO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (PENAL)
Número Acordão266/22.5SGLSB.L1.S1-A
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

Acordam, em conferência, na 3ª secção do Supremo Tribunal de Justiça:


1 - RELATÓRIO:

1.1. recurso:

1.1.1. AA, arguido no processo n.º 266/22.5SGLSB. L1.S1, interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, nos termos dos artigos 437.º, n.º 1 e seguintes do CPP, por haver oposição entre o acórdão do STJ de 17.04.2024, proferido nestes autos n.º 266/22.5SGLSB.L1.S1 e o acórdão do STJ de 18-09-2018, proferido no processo n.º 359/16.8JA FAR.S1, publicado em www.dgsi.pt e em www.dre.pt1, nos termos e com os fundamentos das alegações que junta.

1.1.2. Por requerimento datado de 09.07.2024, veio o arguido BB, requerer o seguinte: “BB, arguido melhor idetificado nos autos em epigrafe, notificado do despacho sob referência ......75, declara expressamente acompanhar o recurso de fixação de jurisprudências apresentado em juízo por AA, fazendo o mesmo seu, na sua plenitude.”

1.1.3. A final formula, o recorrente AA, as seguintes conclusões (transcrição):

“IV. CONCLUSÕES:

A. O Acórdão Recorrido decidiu confirmar integralmente o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa – 3ª Secção, na sequência de recurso do Arguido, no âmbito do processo n.º 266/22.5SGLSB.L1.S1, mantendo a condenação do Arguido na prática de um crime de homicídio qualificado, p.p pelos artigos 131.º, 132.º, n.º 1 e n.º 2, al. c) do CP, na pessoa de CC.

B. Segundo o entendimento do STJ expressado no Acórdão recorrido, os exemplos-padrão determinados na alínea c) do nº 2 do artigo 132º do CP são utilizados para determinar a "especial censurabilidade ou perversidade" do agente, sendo que a qualificação do homicídio decorre da verificação de um tipo de culpa agravado;

C. De maneira que, de acordo com os Senhores Conselheiros que julgaram o caso recorrido, a atuação conjunta dos acusados demonstrou uma especial censurabilidade e perversidade, especialmente ao explorarem uma situação de desamparo da vítima, o que independe de a vulnerabilidade da vítima ser pré-existente, ou não, à ação dos acusados.

D. Nesse sentido, por ser conduta dos acusados considerada violenta e demonstrativa de completo desprezo pela vida humana, o STJ entendeu no Acórdão recorrido afirmar a qualificação do homicídio.

E. Em contrapartida, em oportunidade anterior, proferido no processo nº 359/16.8JAFAR.S1, o mesmo STJ, frente à uma narrativa fáctica inegavelmente semelhante ao do Acórdão Recorrido, decidiu de forma diferente.

F. Note-se que os fatos considerados provados nos Acórdãos Recorrido e Fundamento são notavelmente semelhantes: em ambos os casos, a vítima foi agredida de forma traiçoeira, mesmo estando indefesa, e sofreu agressões subsequentes, incluindo pontapés na cabeça, mesmo após ter sido imobilizada ou incapacitada de reagir (ao que acresce no Acórdão fundamento ter sido violada sexualmente, entre a imobilização e a agressão física).

G. Enquanto no Acórdão Recorrido a vítima foi agredida pelo co-arguido do Recorrente e, posteriormente, quando já se encontrava ao solo, pelo Recorrente; no Acórdão Fundamento o agressor dirigiu-se à vítima enquanto ela dormia, desferindo-lhe socos, abusando sexualmente dela e continuando as agressões, mesmo após a impossibilidade de resposta da vítima.

H. Não obstante, contrariamente ao decidido no Acórdão Recorrido, no Acórdão fundamento, o Supremo Tribunal sustenta que, para que a qualificação seja aplicada, revela-se fundamental que, comprovadamente, o agente se tenha aproveitado conscientemente dessa situação de desamparo da vítima para cometer o crime;

I. Argumentando que a mera prostração da vítima no chão não é suficiente para caracterizar a situação como particularmente indefesa, conforme exigido pelo artigo 132.º, n.º 2, alínea c) do CP, enfatizando, ainda, que a violência do ataque estava mais voltada para causar sofrimento, do que para matar a vítima;

J. Nesse sentido, o STJ concluiu no Acórdão Fundamento que, embora as ações do agente sejam censuráveis, elas não atendem aos critérios necessários para serem consideradas como homicídio qualificado. Em vez disso, a gravidade dos fatos deve ser considerada como uma circunstância agravante ao determinar a pena para o crime de homicídio simples tentado, conforme previsto no artigo 71.º do CP.

K. Ora, diante disso, restam evidentes as contradições entre o Acórdão Fundamento e o Acórdão Recorrido, que dizem respeito ao preenchimento dos exemplos-padrão do artigo 132.º do CP, em concreto, da especial vulnerabilidade da vítima por motivo de doença, prevista na circunstância qualificadora da alínea c), do nº 2, do artigo 132º do CP.

L. Os acórdãos, claramente, discordam quanto aos fatos suficientes para configurar a especial censurabilidade, revelada pela particular vulnerabilidade da vítima, e bem assim sobre se a fragilidade da vítima tem de ser pré-existente à prática do crime ou não.

M. Enquanto o Acórdão recorrido considera suficiente o fato de a vítima ter sido atingida à traição e se encontrar inanimada ao solo; o Acórdão Fundamento exige elementos além dos constatados das agressões ocorridas para configurar a vulnerabilidade da vítima.

N. Inclusive, importa salientar que a conduta do arguido no Acórdão Fundamento era ainda mais condenável e censurável (tendo em vista o abuso sexual executado e a diferença de idade entre o Arguido e a vítima) do que a do arguido no Acórdão recorrido;

O. Ainda assim, no Acórdão Fundamento a conduta do Arguido não foi considerada suficiente para preencher o tipo qualificado e, no Acórdão recorrido, o Arguido foi condenado precisamente – e erradamente – por homicídio qualificado;

P. Pelo que é incompreensível como pode o mesmo Supremo Tribunal considerar preenchido o exemplo-padrão da circunstância qualificadora no Acódão recorrido, sem que se tenha, sequer, produzido qualquer prova relativamente à idade ou estado de saúde da vítima.

Q. Sendo assim, é inevitável reconhecer a contradição existente entre ambos os acórdãos, pela completa desconsideração no Acórdão recorrido da necessidade de que as circunstâncias qualificadoras sejam pré-existentes à atuação do arguido.

R. Sem contar que a referida contradição recai, inegavelmente, sobre realidades fáticas similares, o que justifica a apreciação do presente recurso para uniformização de jurisprudência;

S. Sendo de se frisar que, considerando os fatos apurados e os critérios extensamente fundamentados, lógicos e objetivos, expressos no Acórdão Fundamento, a solução alcançada pelo Acórdão Recorrido não é sustentável.

Termos em que se requer a admissão do presente Recurso Extraordinário para Uniformização de Jurisprudência, devendo ser proferida decisão de admissibilidade, confirmando-se a oposição existente entre o Acórdão Recorrido e o Acórdão Fundamento, prosseguindo os Autos notificando-se os sujeitos processuais para apresentação de alegações.

A final, deverá ser fixada jurisprudência no sentido constante do Acórdão fundamento, com todas as legais consequências no âmbito do processo em que o recurso foi interposto, a rever pelo próprio STJ (cfr. artigo 445.º, n.ºs 1 e 2, do CPP).” (fim de transcrição).

1.1.4. Juntou cópia do Acórdão fundamento, comprovativo do pedido de certidão de Acórdão Fundamento (certidão com trânsito), e protestou Juntar Certidão, o que se verificou a 06.06.2024.

1.2. Resposta do Ministério Publico:

1.2.1. O Digno Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal, apresentou resposta ao recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões (que se transcrevem):

… … …

“II. Em conclusão:

1) - O presente recurso foi deduzido prematuramente, antes do termo inicial do referido prazo legal, ou seja, previamente ao trânsito em julgado do Acórdão-Recorrido, pelo que é intempestivo, motivo por que deve ser rejeitado (cfr. arts. 414º/2, 420º/1-b), 438º/1 e 441º/1 do Código de Processo Penal).

2) - No respeito do modelo etiológico e processual-penal do recurso de

fixação de jurisprudência – que pressupõe, pois, naturalmente, a oposição de julgados – não é viável afirmar que num mesmo silogismo judiciário (sempre na dialéctica do Facto/Direito), foram seguidas duas vias divergentes de raciocínio – viabilizando que de duas séries de premissas iguais se tivessem alcançado conclusões (decisões) diversas – se os Acórdãos postos em confronto sindicaram juízos sobre a qualificação do homicídio assentes em factos relevantemente diversos (cfr, o art. 132º/2-c) do Código Penal).

3) - Concretamente, não é viável afirmar que a preexistência ou não da

indefensividade da vítima foi, per se, nos dois Acórdãos, o motivo da decisão tomada, e não apenas um dos seus fundamentos de facto, que no processo lógico-intelectual do julgamento atinente ao Acórdão-Fundamento – de desqualificação do homicídio, por ausência dessa preexistência –, diluindo-se, teve de concorrer com a valia...

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