Acórdão nº 2651/17.5T8CBR.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 19-01-2018
Data de Julgamento | 19 Janeiro 2018 |
Número Acordão | 2651/17.5T8CBR.C1 |
Ano | 2018 |
Órgão | Tribunal da Relação de Coimbra |
I – Relatório
A autora propôs contra o réu a presente acção com a forma de processo comum e emergente de contrato de trabalho, deduzindo os pedidos seguidamente transcritos:
“Deve a presente acção ser julgada procedente por provada e em consequência:
a) Deve ser reconhecido e declarado que o vínculo contratual estabelecido desde 1 de Janeiro de 2015 entre a A. e o Réu tinha a natureza de contrato de trabalho e não de contrato de prestação de serviços, sendo a A. titular de um vínculo por tempo indeterminado com o Réu;
b) Deve ser reconhecido e declarado que a cessação do contrato decretada unilateralmente pelo Réu, com efeitos a partir do dia 8 de Maio de 2017, é ilícita, representando um despedimento sem justa causa;
c) Deve o Réu ser condenado a reintegrar a A. ao seu serviço, para o posto de trabalho e para o exercício das funções para que foi contratada e com o vencimento constante do contrato;
d) Deve o Réu ser condenado a processar e pagar as retribuições que a A. deixe de receber desde a data do despedimento até à data da efectiva reintegração, acrescida dos juros de mora que sejam devidos à taxa legal;
e) Deve o Réu ser condenado a pagar à A. as remunerações devidas desde Janeiro de 2017 até à data do despedimento, no montante total de € 3.600,00, acrescido de IVA à taxa legal;
f) Deve o Réu ser condenado a indemnizar a A. pelos danos patrimoniais decorrentes do despedimento, no montante de € 2.829,00.”.
Alegou, como fundamento da sua pretensão, que foi trabalhadora subordinada do réu, apesar da aparência formal de prestação de serviço que vinha sendo conferida a tal relação profissional, sendo que o réu a despediu ilicitamente com efeitos reportados a 8/5/2017.
O réu contestou, pugnando pela improcedência da acção.
Com efeito, reconhecendo embora que a relação entre si e a autora era substancialmente de trabalho subordinado, o certo é que tal relação era nula desde o seu início, porquanto emergente de um contrato outorgado sem a competente autorização para recrutamento de trabalhadores para a constituição de vínculo de emprego público por parte da tutela governamental, para lá de que a autora não possuía o grau académico necessário para o desempenho funcional para que foi contratada.
Respondeu a autora para, no essencial, pugnar pela validade da relação de trabalho cujo reconhecimento peticiona e para concluir como na petição tinha efectuado.
O processo prosseguiu os seus regulares termos, acabando por ser proferida sentença de cujo dispositivo consta o seguinte:
“Por todo o atrás exposto, face à nulidade do contrato de trabalho, julga-se totalmente improcedente a presente ação, e em consequência:
Custas a cargo da A.”.
Inconformada com o assim decidido, apelou a autora, rematando as suas alegações com as conclusões seguidamente transcritas:
[…]
Contra-alegou o réu, pugnando pela improcedência da apelação.
Nesta Relação, o Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013, de 26/6 – NCPC – aplicável “ex-vi” do art. 87º/1 do Código de Processo do Trabalho – CPT), integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir:
1ª) se a sentença padece das nulidades que lhe são assacadas pela recorrente;
2ª) se deve ser ordenada a remessa dos autos à primeira instância a fim de que ali se discuta e apure se a contratação da autora foi ou não precedida de procedimento de selecção e de recrutamento;
3ª) se a matéria de facto deve ser aditada nos termos propugnados pela apelante;
4ª) se o contrato de trabalho entre a autora e o réu é nulo pela circunstância da contratação da autora pelo réu não ter sido precedida de qualquer procedimento de selecção e recrutamento;
5ª) se a autora tem direito à remuneração vencida desde Janeiro de 2017 e, na afirmativa, até que momento.
A) De facto
O tribunal recorrido enunciou como provados os factos seguidamente transcritos:
[…]
Primeira questão: se a sentença padece das nulidades que lhe são assacadas pela recorrente.
No caso em apreço, no próprio corpo das alegações da apelação (capítulo II, alínea A, nºs 1 a 4) e nas correspondentes conclusões (conclusões 1ª e 2ª), a apelante arguiu nulidades da sentença.
Independentemente de se saber se a sentença enferma dos vícios de nulidade que lhe são assacados pela recorrente, o certo é que a arguição desses vícios não teve lugar no requerimento de interposição do recurso, expressa e separadamente, tal como impõe o art. 77º/1 CPT.
Como se sabe, esse art. 77º/1 encontra a sua razão de ser na circunstância das nulidades serem, em primeira linha, dirigidas à apreciação pelo juiz do tribunal da 1ª instância e para que o possa fazer; radica no “…princípio da economia e celeridade processuais para permitir ao tribunal que proferiu a decisão a possibilidade de suprir a arguida nulidade.” – neste sentido, por exemplo, acórdão da Relação do Porto de 20-2-2006, proferido no processo 0515705, bem como demais jurisprudência aí invocada.
O acórdão do Tribunal Constitucional n° 304/2005, publicado no DR, II Série, de 05/08/2005, deixou consignado que em processo do trabalho, o requerimento de interposição de recurso e a motivação deste, no caso de arguição de nulidades da sentença, deve ter duas partes: a primeira dirigida ao juiz da 1ª instância, contendo essa arguição; a segunda, contendo a motivação do recurso, dirigida aos juízes do tribunal ad quem.
Como assim, uma vez que a recorrente não respeitou, relativamente à arguição das nulidades da sentença, o procedimento legalmente estabelecido para o efeito em processo do trabalho, não deve conhecer-se de tais nulidades, o que se decide.
Lidos os articulados oportunamente apresentados pelas partes, facilmente se percebe que neles nada se alegou sobre a (in)existência de procedimento de selecção e de recrutamento que tenha culminado com a contratação da autora.
Isso mesmo é reconhecido pela apelante no capítulo II, alínea A), nº 1, das suas alegações.
Ora, é sabido que por força do princípio do dispositivo compete às partes, designadamente, alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas, a significar que devem ser as partes a carrear para os autos os factos essenciais em que o tribunal se pode basear para decidir, alegando o autor os que são constitutivos dos direitos em que assentam as pretensões por ele formuladas, e alegando o réu aqueles em que assenta a sua defesa, sendo monopólio das partes, assim, a conformação da instância nos seus elementos objectivos e também subjectivos
– art. 5º/1 do NCPC, Montalvão Machado, O Novo Processo Civil, 2.ª ed., p. 26, e Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil (revisto), pp. 53, 128 e 129.
No caso em apreço, independentemente de saber a quem cumpria o correspondente ónus de alegação e prova, é seguro que a temática fáctica relativa à existência ou não de procedimento de selecção e recrutamento que tenha culminado com a contratação da autora é verdadeiramente essencial para a decisão deste litígio, pelo que se lhe aplica o citado art. 5º/1.
Por outro lado, inequívoco é que: i) não estão em causa factos notórios ou de que tribunal devesse ter conhecimento oficioso (art. 5º/2/c do NCPC); ii) não se trata, face ao supra exposto em matéria de essencialidade da temática fáctica em questão, de factos instrumentais ou complementares dos oportunamente alegados pelas partes (art. 5º/2/a/b NCPC); iii) tal temática não foi objecto de abordagem e contraditório no decurso da audiência de julgamento, uma vez que nesta as partes se limitaram a acordar quanto à matéria de facto que deveria considerar-se provada; iv) não foi feito uso do mecanismo legal previsto no art. 72º/1/2 do CPT e que permitiria conhecer de factos não alegados pelas partes com relevo para a decisão da causa.
Neste enquadramento, face à disponibilidade da relação material controvertida no concreto segmento em apreço, aos princípios da liberdade e da autonomia da vontade das partes, da auto-responsabilidade destas inerente ao princípio dispositivo, segundo o qual as partes sofrem as consequências jurídicas prejudiciais da sua negligência ou inépcia na condução do processo, existe impedimento legal absoluto a que este tribunal profira decisão da qual decorra actividade instrutória e decisória a incidir sobre matéria de facto essencial e que não foi oportunamente alegada pelas partes.
Como assim, respondemos negativamente à questão em apreço.
Terceira questão: se a matéria de facto deve ser aditada nos termos propugnados pela apelante.
Pretende a apelante que seja aditada à matéria de facto o seguinte:
- só por ofício de 2/5/2017, o réu notificou a autora da declaração de nulidade do contrato de trabalho entre ambos celebrado;
- o contrato de trabalho entre a autora e o réu manteve-se em execução para lá de 8/5/2017.
Na petição, contestação e resposta, datadas de 4/4/2017, 2/5/2017 e 16/5/2017, jamais se alegou que só por ofício de 2/5/2017 é que a autora foi notificada pelo réu da arguição por este da nulidade do contrato entre ambos celebrado.
Trata-se, assim, de facto que não foi oportunamente alegado pelas partes, que não é...
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