Acórdão nº 265/03.6TBRMR.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 21-06-2012

Data de Julgamento21 Junho 2012
Case OutcomeNEGADA A REVISTA
Classe processualREVISTA
Número Acordão265/03.6TBRMR.L1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

1.

A CAIXA AA, C.R.L., instaurou a presente acção de reivindicação, com processo ordinário, contra BB e “SOCIEDADE COMERCIAL CC, L.da”, pedindo a condenação dos réus a (i) reconhecerem o direito de propriedade da Caixa de AA, C.R.L. sobre o prédio que identificam; (ii) reconhecerem a legítima posse da Caixa de AA, C.R.L., sobre o mesmo prédio; (iii) restituírem o prédio à autora completamente livre de pessoas e bens; (iv) absterem-se de qualquer conduta que impeça a autora da normal fruição do seu direito de propriedade sobre o mesmo prédio.

Fundamentando a sua pretensão, alegou, em síntese, que é dona e proprietária do prédio identificado na petição inicial, advindo-lhe o direito de propriedade pelo facto de o ter adquirido por “dação em cumprimento”, para pagamento de uma dívida, conforme escritura pública outorgada no dia 30/06/1999, no Cartório Notarial de Rio Maior, escritura essa outorgada, entre outros, pelo réu BB, na qualidade de sócio gerente da Sociedade DD, L. da, entidade que, para pagamento daquele débito, deu o prédio em cumprimento à ora autora.

Outorgada a aludida escritura, o réu BB, sócio da ex-proprietária do imóvel, foi autorizado pela autora, a pedido daquele, a continuar a explorar, de forma gratuita, parte do imóvel dado em pagamento, tendo-se obrigado a desocupar o prédio, logo que solicitado para o efeito pela autora.

Entretanto, em Dezembro de 2002, a autora comunicou ao réu BB que estava a negociar a venda do prédio, razão pela qual pretendia que o mesmo cessasse a ocupação e exploração que dele vinha fazendo.

Foi assim que, em 27/12/2002, o réu restituiu à autora a posse do imóvel, tendo-o entregue completamente livre de pessoas e bens, tendo a entrega física do prédio sido acompanhada duma declaração subscrita pelo réu BB, confirmando tal entrega.

Na plena posse do prédio e na sequência das negociações que já vinha a desenvolver, a autora prometeu vender o prédio a EE, o que fez mediante contrato-promessa de compra e venda outorgado em 30/12/2002.

Entretanto, dias depois, mais precisamente em 6/01/2003, o réu BB enviou um fax à autora, informando-a que a referida propriedade se encontrava na posse titulada pela Sociedade Comercial “CC”, desde o ano de 1996.

Recebido o fax, a autora de imediato fez deslocar ao prédio um seu colaborador, o qual constatou que, efectivamente, o prédio tinha sido reocupado pelo réu, ou pela ré sociedade, estando no prédio vários animais (cães e cavalos) e utensílios agrícolas diversos.

Perante esta situação, tentou a autora, por várias vezes, reunir com o réu, tendo, após várias e infrutíferas tentativas, ocorrido uma reunião nas instalações da autora, em Rio Maior, na qual o réu, reconhecendo que agia de forma incorrecta, se comprometeu a voltar a abandonar o prédio até 31 de Janeiro de 2003.

Decorrido o aludido prazo, verificou a autora que o réu, uma vez mais, não cumpriu a obrigação por si assumida, mantendo-se na posse do prédio.

Os réus contestaram e deduziram reconvenção. Pugnam pela improcedência da acção, alegando, em síntese, que tanto o 1º réu quanto a 2ª ré se mantiveram no prédio objecto da dação, mas fizeram-no como até aí o tinham feito, isto é, o 1º réu, como proprietário da Sociedade DD e a 2ª ré, como comodatária de parte do referido prédio.

Ao contrário do alegado pela autora, o aludido prédio nunca foi objecto de qualquer pedido de autorização, por parte do 1º réu, para ali se manter, exercendo a sua exploração ou se obrigou a proceder à desocupação do mesmo, quando a autora o requeresse.

A escritura pública de dação em cumprimento não reflecte a totalidade dos contornos do negócio jurídico subjacentes, pois, na data da outorga da referida escritura notarial, o 1º réu explorava, há mais de 15 anos, o identificado imóvel, fazendo-o por si e através da Sociedade DD e o comodato estabelecido, então efectuado de boa-fé, não pressupunha qualquer prazo.

Por seu lado, desde Setembro de 1996, a 2ª ré recebeu de comodato parte do imóvel ora reivindicado e aí tem as suas instalações, exercendo a exploração de uma unidade agropecuária, sob a designação de “CC, L.da”, sendo certo que, à data da escritura, bem sabia a autora que aí se encontrava a laborar a referida sociedade, pelo que a dação efectuada não foi livre de ónus e de encargos, facto que o próprio acto notarial pode atestar.

Admitindo que à autora lhe assiste qualquer razão, o que no entanto não reconhecem, consideram que é devida uma indemnização ao 1º réu e à 2ª ré, pelos longos anos em que se encontram na posse legítima, quer do prédio, quer de parte dele, por força das diversas benfeitorias necessárias e úteis a que procederam.

Em reconvenção, pugnam pela condenação da autora em indemnização, por benfeitorias realizadas, em valor não inferior a 25.000 €, sem prejuízo daquela que se vier a liquidar em execução de sentença. Deve ainda ser reconhecido aos réus o direito de retenção sobre o aludido prédio, até cumprimento da prestação devida pela autora.

Respondendo ao pedido reconvencional, veio a autora, em sede de réplica, alegar, em síntese, que os réus nunca fizeram quaisquer benfeitorias no prédio e, ainda que o tivessem feito, o valor das mesmas foi determinante na avaliação que a autora fez ao prédio quando o aceitou em dação em pagamento, pelo que, virem deduzir um eventual direito de compensação pelas benfeitorias, seria um clamoroso abuso de direito. Por outro lado, o alegado direito de retenção do prédio só existiria se a detenção fosse lícita, o que não é o caso.

Os réus treplicaram, invocando terem sido efectuadas diversas benfeitorias, desde a data da outorga da escritura de dação até ao presente.

Saneado, instruído e julgado o processo, foi proferida a sentença, julgando a acção procedente e, declarando que a autora é dona e legítima possuidora do prédio identificado no artigo 1º da petição inicial, condenou os réus a reconhecerem tal direito de propriedade, abstendo-se de qualquer conduta que impeça a autora da normal fruição de tal direito de propriedade; e condenou, ainda, o réu a entregar à autora o mesmo imóvel, completamente livre de quaisquer pessoas e bens.

No que concerne à reconvenção, foi esta julgada totalmente improcedente e, em consequência, decidiu absolver a autora/reconvinda da totalidade do pedido reconvencional deduzido.

Inconformado, apelou o réu BB para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 6/12/2011, julgando improcedente a apelação, confirmou a sentença recorrida.

Inconformados, recorreram agora os réus para o Supremo Tribunal de Justiça, pretendendo a revogação do acórdão recorrido, devendo os recorrentes ser absolvidos dos pedidos deduzidos pela autora e esta condenada no pedido reconvencional.

Alegando, formularam as seguintes conclusões:

1ª - No acórdão recorrido, é feita errada aplicação das normas relativas ao contrato de comodato. Encontrando-se provada a existência de contrato de comodato entre a autora e o 1º réu e junto aos autos o contrato de comodato que legitima a ocupação do imóvel pela 2ª ré, alternativa não restava senão o reconhecimento desse contrato e a correcta aplicação do regime previsto nos artigos 1129º e seguintes do Código Civil.

2ª - A autora tem que se abster de praticar actos que impeçam ou restrinjam o uso do imóvel pelos réus, devendo ser reconhecido à 2ª ré os mesmos meios de defesa facultados ao possuidor.

3ª - As benfeitorias realizadas pelos réus no imóvel são benfeitorias necessárias nos termos do n.º 2 do artigo 216º do Código Civil, pelo que, nos termos dos artigos 1138º e 1273º do Código Civil, tem necessariamente que ser reconhecido o direito dos réus a serem indemnizados pelas benfeitorias necessárias que realizaram no imóvel.

A autora não contra-alegou.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2.

As instâncias consideraram provados os seguintes factos:

1º - Encontra-se inscrito a favor da autora o prédio misto, sito ou denominado por P… ou Quinta do P..., freguesia e concelho de Rio Maior, inscrito na matriz a parte rústica sob o artigo 12 da Secção AP-API e a parte urbana sob os artigos 6.687 e 6.263, descrito na Conservatória do Registo Predial de Rio Maior sob o nº ..., da dita freguesia, conforme inscrição G-3 (alínea A).

2º - O direito de propriedade da autora advém do facto de o ter adquirido por “dação em cumprimento”, para pagamento de uma dívida no valor de € 199.519,15, conforme escritura pública outorgada no dia 30 de Julho de 1999, no Cartório Notarial de Rio Maior, escritura essa outorgada, entre outros, pelo ora réu BB, na qualidade de sócio da sociedade DD, L.da, entidade que, para pagamento daquele débito, deu o prédio à ora autora (alínea B).

3º - Em 27 de Dezembro de 2002, o réu BB assinou uma declaração com os seguintes dizeres:

“BB, casado, natural da freguesia de …, concelho de Rio Maior, residente na Rua …, no lugar e freguesia de S. Sebastião, declara para todos os efeitos legais que na presente data entrega livre e devoluto, à legítima proprietária C.AA C.R.L., a parte que até hoje tem ocupado do prédio misto, sito em P... ou Quinta do P..., freguesia e concelho de Rio Maior, inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo 12 da secção APAP1 e na matriz urbana sob os artigos 6687 e 6263” (alínea C).

4º - A autora prometeu vender o prédio a EE, o que fez, mediante contrato-promessa escrito de compra e venda outorgado em 30 de Dezembro de 2002 (alínea D).

5º - Em 6 de Janeiro de 2003, o réu BB enviou à autora um fax, dirigido ao Presidente da Caixa de FF de Rio Maior, com o seguinte teor:

“Assunto: DD, L.da.

São Sebastião, 6 de Janeiro de 2003

Venho pelo presente informar V. Exc.ª que a propriedade, sita na Quinta do P..., encontra-se na posse titulada pela Sociedade Comercial CC, L.da, desde o ano de 1996” (alínea E).

6º - A Sociedade CC, L.da é uma sociedade comercial,...

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