ACÓRDÃO Nº 264/2023
Processo n.º 157/2023
3ª Secção
Relatora: Conselheira Joana Fernandes Costa
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. No âmbito dos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que são recorrentes A., B. e C. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (doravante, «LTC»), da decisão proferida por aquele tribunal no dia 12 de janeiro de 2023, que julgou intempestiva a arguição de nulidade do acórdão prolatado pelo mesmo tribunal, em de 11 de novembro de 2021, que negou provimento ao recurso interposto pelos ora recorrentes.
2. Através da Decisão Sumária n.º 132/2023, decidiu-se, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A, n.º 1 da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso.
Tal decisão tem a seguinte fundamentação:
«3. Admitido o recurso, cumpre antes de mais decidir se é de facto possível conhecer do seu objeto, visto que a decisão que o admitiu não vincula o Tribunal Constitucional (artigo 76º, n.º 3, da LTC). O presente recurso de constitucionalidade foi interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, pelo que deve preencher, designadamente, os seguintes pressupostos: para além de ter esgotado as vias de recurso ordinário admitidas, é necessário que o recorrente tenha suscitado durante o processo e de forma adequada uma questão de constitucionalidade que corresponda ao objeto do recurso e cujo conhecimento pelo Tribunal Constitucional possa repercutir-se sobre a decisão recorrida em termos de impor a sua reforma.
4. No caso em apreço não se acha verificada a condição de que uma eventual pronúncia por parte do Tribunal Constitucional sobre a norma indicada pelos recorrentes possa repercutir-se sobre a decisão recorrida em termos de impor a sua reforma. Esta condição constitui uma decorrência do caráter instrumental dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade conforme concebidos no nosso ordenamento jurídico: embora tais recursos se restrinjam à questão da invalidade da norma (vd. o artigo 280.º, n.º 6, da Constituição), a decisão que no seu âmbito for proferida não pode deixar de ter efeitos sobre a decisão recorrida, sob pena de não apresentar a referida instrumentalidade (cf. e.g. o Acórdão n.º 498/96). Um eventual juízo de inconstitucionalidade só pode repercutir-se na solução a dar a um caso quando houver perfeita coincidência entre o enunciado normativo cuja inconstitucionalidade se invoca e aquele que efetivamente foi aplicado pelo tribunal recorrido como ratio decidendi da sua decisão.
Isso não acontece nos presentes autos. A interpretação normativa que vem formulada pelos recorrentes é reconduzida ao artigo «105º nº 1, em conjugação com os artigos 380º e 411º nº 1 do Código [de Processo] Penal». Ora, o n.º 1 do artigo 411.º do Código de Processo Penal diz respeito, não à arguição de nulidade, mas à interposição de recurso. O tribunal recorrido não só não aplicou esse preceito, como excluiu expressamente a sua aplicabilidade, ao afirmar que «não se acompanha o entendimento defendido pelos arguidos de que o prazo para arguição de nulidade, por analogia com o prazo para interposição de recurso, se suspende com apresentação de pedido de retificação ou aclaração (entendimento que sustentam com base no decidido no supra referido Acórdão, que não goza de força obrigatória geral, que julgou inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, a interpretação do artigo 380.º, em conjugação com o artigo 411.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, segundo a qual o pedido de correção de uma decisão, formulado pelo arguido, não suspende o prazo para este interpor recurso dessa mesma decisão.» No intento de estabelecer uma identidade material entre a situação em causa nos presentes autos e a que estava em causa no Acórdão n.º 16/2010, e com vista a robustecer a sua pretensão no plano de mérito, os arguidos acabam por construir uma norma que não tem expressão bastaste na decisão recorrida.
Mesmo a aplicação do artigo 105.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, com o sentido que lhe vai imputado na pretensão recursiva em apreço, tem duvidosa expressão na lógica subjacente à fundamentação da decisão recorrida. O tribunal recorrido afirma inequivocamente que o prazo aí previsto se conta desde a notificação e independentemente de ser pedida a correção/aclaração da sentença, mas prossegue sugerindo a possibilidade de se entender que a lei processual penal não regula expressamente a questão da suspensão do prazo para arguir a nulidade, caso em que se aplicará supletivamente a lei processual civil, ex vi do disposto no artigo 4.º do Código de Processo Penal, e em que, portanto, a constelação de normas aplicável será perfeitamente diversa daquela que consta do recurso de constitucionalidade.
Por uma via ou pela outra, um eventual juízo de inconstitucionalidade proferido nestes autos pelo Tribunal Constitucional não poderia ter impacto sobre a decisão recorrida em termos de impor a sua reforma, razão por que este Tribunal Constitucional não pode conhecer o objeto do recurso».
3. Inconformados com tal decisão, os recorrentes reclamaram para a Conferência, invocando para o efeito os seguintes fundamentos:
«[…]
A., B. E C. arguidos e recorrentes nos autos acima indicados, porque estão em tempo, tem legitimidade, e tem interesse em agir, interpõe recurso para a CONFERÊNCIA do TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, ao abrigo do nº 3 do art.º 78-A da Lei nº 28/82, de 15 de novembro, com as alterações introduzidas pela Lei nº 13-A/98, de 26 de fevereiro, da aliás douta decisão sumária que decidiu não tomar conhecimento do objeto do recurso com os fundamentos seguintes:
1 - Refere a douta decisão sumária que: “No caso em apreço não se acha verificada a condição de quer uma eventual pronúncia pelo Tribunal Constitucional sobre a norma indicada pelos recorrentes possa repercutir-se sobre a decisão recorrida em termos de impor a sua reforma. Esta condição constitui uma decorrência do caracter instrumental dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade conforme concebidos no nosso ordenamento jurídico: embora tais recursos se restrinjam à questão da invalidade da norma (…). Um eventual juízo de inconstitucionalidade só pode repercutir-se na solução a dar a um caso quando houver perfeita coincidência entre o enunciado normativo cuja inconstitucionalidade se invoca e aquele que efetivamente foi aplicado pelo tribunal recorrido como ratio decidendi da sua decisão. Isto não acontece nos presentes autos. A interpretação normativa que vem formulada é reconduzida ao artigo 105º nº 1 do em conjugação com os artigos 380º e 411º nº 1 do Código Processo Penal
(…).
2 - Concluindo assim a douta decisão sumária que um eventual juízo de inconstitucionalidade não poderia ter impacto sobre a decisão recorrida em termos de impor a sua reforma.
3 - Na verdade, cinge-se a constatar que a decisão recorrida não só não aplicou o artigo 411º nº 1 do CPP, como a afastou, posto que o pedido de correção de uma decisão não suspende o prazo para interpor recurso.
4 - Contudo, e se assim foi, no entendimento, que as normas indicadas pelo recorrente, ora reclamante, pecam por excesso, então, salvo o devido respeito por superior opinião, devia ter lançado mão do disposto no n.º 5 do artigo 75.º -A da LTC.
5 - Na verdade, refere essa disposição, que se o requerimento de interposição de recurso não indicar algum dos elementos, mormente a indicação da norma ou princípio constitucional ou legal que se considera violado, deve o juiz convidá-lo a aperfeiçoar o mesmo no prazo de 10 dias.
6 - Ora, salvo o devido respeito por superior, e entendimento contrário, devia ter sido proferido douto despacho nos termos sobreditos, sem prejuízo de entendermos que a procedência da constitucionalidade sempre teria repercussões na decisão recorrida.
7 - Ora, a questão colocada, e, independentemente, do prazo referido no artigo 411º nº 1 do CPP, o certo é que, o entendimento que o pedido de esclarecimento corre simultaneamente com a arguição de nulidade, implica a preclusão do direito ao recurso.
8 - Direito esse constitucionalmente garantido que é postergado com a dita interpretação do artigo 380º do CPP.
9 - Afinal, com essa interpretação que foi intempestiva a arguição de nulidade, pelo recorrente, após o pedido de esclarecimento no prazo geral de 10 dias, colide também com o direito ao recurso para este mais Alto Tribunal, e não só como parece ter entendido a decisão ora reclamada com o direito ao recurso ordinário que, no caso concreto, não estava, nem está em causa.
10 - Na verdade, o direito ao recurso previsto no artigo 32º nº 1 da CRP, não é só os recursos ordinários mas também o recurso para este Douto Tribunal, nos termos e no prazo de 10 dias previsto no artigo 75º nº1 da LTC.
11 - Donde a jurisprudência constante do Acórdão deste tribunal nº 16/2010 que decidiu: “Julgar inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, a interpretação do artigo 380.º, em conjugação com o artigo 411.º, n.º 1, ambos...