Acórdão nº 264/22.9YRCBR.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 30-04-2024
Data de Julgamento | 30 Abril 2024 |
Case Outcome | REVISTA IMPROCEDENTE. |
Classe processual | REVISTA |
Número Acordão | 264/22.9YRCBR.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Processo n.º 264/22.9YRCBR.S1
Revista (em 2.ª instância: art. 985º, 1, CPC) – Tribunal recorrido: Relação de Coimbra, ... Secção
Acordam na 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça
I) RELATÓRIO
1. AA, solteira e maior, intentou a presente acção especial de revisão e confirmação de sentença estrangeira contra BB, solteiro e maior, visando a confirmação da sentença para todos os efeitos legais, designdamente para a regulação do exercício das responsabilidades parentais, alegando em síntese: (i) Autora e Réu são os progenitores de CC, menor, nascido em .../.../2017, em ..., Suíça; (ii) por sentença proferida pelo competente Tribunal de Comarca de ..., transitada em julgado, com efeitos desde 30/10/2018, atendendo a que Autora, Réu e o sobredito menor ali residiam àquela data, foi estabelecida a regulação do exercício das responsabilidades parentais referentes a este último, juntando certidão; (iii) impõe-se rever e confirmar aquela decisão judicial, nomeadamente para efeito de averbamento ao respectivo Assento de Nascimento do aludido menor, nos termos do preceituado na alínea f) do artigo 1.º do Código do Registo Civil, de modo a que produza plenos efeitos jurídicos em Portugal; (iv) a decisão em causa consta de documento cuja autenticidade e inteligência não merecem quaisquer dúvidas, havendo a mesma e sido objecto da necessária Apostila (Doc. 2); (v) provém de Tribunal estrangeiro cuja competência não foi provocada em fraude à lei, nem versa sobre matéria da exclusiva competência dos Tribunais Portugueses; (vi) acresce que não se poderá invocar excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a Tribunal português, na justa medida em que não foi proferida, até ao presente, qualquer decisão judicial pela jurisdição portuguesa, com trânsito em julgado, sobre a mesma matéria, havendo a douta sentença sub judice sido proferida em momento anterior à instauração de qualquer acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais junto de qualquer outro Tribunal; (vii) foram plenamente respeitados os princípios do contraditório e da igualdade das partes no processo que correu termos junto do Tribunal de Comarca de ..., referindo-se que a sentença proferida homologou um acordo alcançado entre Autora e Réu em sede do mesmo, subscrevendo ambos, pelo seu próprio punho, o documento que o corporizou (Doc. 2); (viii) a sentença em apreço não contém decisão contrária aos princípios de ordem pública internacional do Estado Português.
2. Citado, o Requerido apresentou Contestação e pugnou pela insusceptibilidade e indeferimento da revisão e confirmação pretendidas, alegando em suma: (i) a sentença estrangeira não procede a qualquer regulação das responsabilidades parentais, por um lado, como pelo outro, tal matéria já foi objecto de decisão, transitada em julgado, por parte de tribunais portugueses; (ii) a decisão que aqui se pretende rever e confirmar foi proferida por um tribunal suíço no dia 9 de outubro de 2018; (iii) a decisão em causa debruça-se única e exclusivamente sobre a obrigação alimentícia ao menor CC e em nada se confunde com algo muito mais abrangente como é o exercício da regulação das responsabilidades parentais contemplada pela legislação portuguesa, nomeadamente no RGPTC; (iv) no dia 31/12/2019, o menor e a requerente regressaram definitivamente a Portugal onde passaram a residir com carácter habitual e permanente desde então até à data presente; (v) desde o referido dia 31/12/2019 requerente e menor, ambos de exclusiva nacionalidade portuguesa, deixaram de ter qualquer ponto de contacto com o ordenamento jurídico suíço; (vi) o requerido (também ele de exclusiva nacionalidade portuguesa) também já abandonou, há sensivelmente um ano, definitivamente a Suíça, já não mais ali residindo ou trabalhando, deixando, assim, de ter qualquer ponto de contacto com aquele ordenamento jurídico; (vii) em face dos inúmeros desentendimentos entre requerente e requerido e pelo facto de as responsabilidades parentais quanto ao menor CC não se mostrarem reguladas (quer seja na Suíça, quer seja em Portugal), o aqui requerido instaurou no dia 2/9/2022, no Juízo de Competência Genérica de ... do Tribunal Judicial da Comarca ..., um processo de regulação das responsabilidades rarentais quanto ao referido menor, processo esse que viria a ser autuado sob o n.º 145/22.6...; (viii) a conferência de pais a que alude o disposto no art. 35º do RGPTC viria a ser realizada naqueles autos no dia 2/9/2022; (ix) no dia em que o presente processo de revisão e confirmação de sentença estrangeira deu entrada em juízo [25-10-2022], já aqueloutro, o único a debruçar-se efetivamente sobre o exercício e regulação das responsabilidades parentais, se mostrava pendente nos tribunais portugueses; (x) no dia 11/5/2023, em sede de conferência de pais quanto à regulação das responsabilidades parentais realizada no âmbito daquele processo n.º 145/22.6..., requerente e requerido lograram alcançar acordo quanto a todos os aspetos relacionados com a regulação das responsabilidades parentais do menor CC, à exceçpão do que diz respeito à prestação de alimentos, porque a aqui requerente a isso se opôs; (xi) requerente e requerido já acordaram naqueles autos quanto à regulação das responsabilidades parentais do menor; (xii) o referido acordo viria ali a ser homologado por sentença, transitada em julgado; (xiii) atenta a oposição manifestada pela requerente em fixar por acordo o valor de uma prestação alimentícia ao menor CC, foi, por douto despacho proferido naqueles mesmos autos no dia 2/6/2023, fixado um regime provisório quanto a alimentos devidos ao menor, despacho transitado em julgado, cujo regime nele previsto está em vigor e a ser cumprido; (xiv) a decisão que aqui se pretende rever e confirmar em nada se confunde com aquilo que é uma verdadeira regulação do exercício das responsabilidades parentais e resolução de questões conexas, como aquela que já se mostra parcialmente decidida pelo Juízo de Competência Genérica de ... do Tribunal Judicial da Comarca ... no âmbito do processo de regulação das responsabilidades parentais sob o n.º 145/22.6..., onde apenas falta fixar o regime definitivo quanto a alimentos; (xv) a decisão proferida pelo tribunal suíço tem por pressuposto a residência do menor e da requerente naquele país, pressuposto esse que já deixou de estar verificado há mais de 3 anos e meio quando a requerente e o menor abandonaram definitivamente aquele país e há um ano atrás quando também o requerido o fez; (xvi) a requerente pretende que seja revista e confirmada uma sentença proferida por um tribunal suíço num momento em que nem requerente, nem requerido, nem menor têm qualquer elemento de contacto com aquele país, e assumidamente nem nenhum deles pretende vir a ter (pelo menos num futuro próximo), bem como num momento em que um tribunal português já decidiu precisamente a concreta matéria objecto daquela sentença estrangeira; (xvii) a requerente alega que se impõe rever e confirmar a decisão do tribunal suíço para efeito de averbamento no assento de nascimento do menor, nos termos do preceituado na alínea f) do art. 1.º do Código do Registo Civil, para que a mesma produza plenos efeitos jurídicos em Portugal, sendo que esta alínea f) tem por objeto a regulação do exercício do poder paternal, sua alteração e cessação – o que manifestamente não é o caso dos autos, onde apenas se pretende e rever e confirmar uma sentença que se debruça única e exclusivamente sobre um acordo quanto à obrigação alimentícia e não sobre a regulação do exercício do poder paternal, sua alteração e cessação em sentido amplo, pelo que o referido desiderato também não poderia alcançar pela presente via; (xviii) não assiste razão à requerente na justa medida em que os aqui requerente e requerido já acordaram na regulação das responsabilidades parentais do menor (à excepção da obrigação alimentícia porque a aqui requerente a isso se opôs), tendo tal acordo sido homologado por sentença já transitada em julgado; (xix) o sistema português de revisão de sentença estrangeira não se destina a um reexame do mérito da causa, mas tão só à verificação do preenchimento dos requisitos previstos nas diversas alíneas do art. 980.º do CPC; daquele elenco consta, nomeadamente, a alínea d), segundo a qual, “Para que a sentença seja confirmada é necessário [...] que não possa invocar-se a exceção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afeta a tribunal português, exceto se foi o tribunal estrangeiro que preveniu a jurisdição”; nos termos do disposto no art. 983º n.º 1 do CPC, “O pedido só pode ser impugnado com fundamento na falta de qualquer dos requisitos mencionados no artigo 980.º (...)”; até à concessão do «exequatur», a sentença estrangeira é desprovida de efeitos no ordenamento jurídico nacional; as sentenças estrangeiras só relevam no nosso ordenamento jurídico após um processo de acolhimento interno; até à prolação da decisão de revisão e confirmação, a decisão proferida pelo tribunal estrangeiro configura-se apenas como um acto jurídico, com eficácia pendente, até que se mostre preenchida a condição requerida, ou seja, aquela decisão de revisão e confirmação proferida por tribunal português; admitir a revisão e confirmação da sentença estrangeira como pretende a requerente seria admitir a violação do caso julgado quanto às decisões entretanto já proferidas pelo Juízo de Competência Genérica de ... do Tribunal Judicial da Comarca ... no âmbito do processo de Regulação das Responsabilidades Parentais sob o n.º 145/22.6..., quer quanto à regulação (definitiva) das responsabilidades parentais do menor, quer também quanto ao regime provisório já fixado a título de pensão de alimentos, processo esse que já se mostrava pendente à data em que foi instaurado o presente processo de revisão; (xx) sem...
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