Acórdão nº 261/06.1BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 19-06-2024

Data de Julgamento19 Junho 2024
Número Acordão261/06.1BESNT
Ano2024
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:
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I - RELATÓRIO
A S... – ..., S.A (ora recorrente) deduziu recurso, dirigido a este Tribunal, tendo por objeto a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Sintra em 13.07.2020, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra a liquidação de IRC de 2002 no valor de € 625.133,39, incluindo juros compensatórios no montante de € 58.433,70.
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A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, com as seguintes conclusões:
1. A douta sentença recorrida julgou improcedente a presente impugnação judicial referente ao ajustamento positivo efetuado no âmbito da aplicação do regime de preços de transferência previsto no artigo 58.º do Código do IRC, na redação vigente à data dos factos, e na Portaria n.º 1446-C/2011, de 21 de dezembro;


2. A Recorrente não se conforma com a decisão de improcedência por entender que a sentença se encontra inquinada de erro de julgamento de direito;


3. O Tribunal a quo decidiu por um lado, que, não obstante o parecer junto aos autos como prova pericial, nos termos do artigo … do CPC, não estavam em confronto operações comparáveis e, por outro lado, que o procedimento a adotar é diferente consoante estejamos perante internas ou internacionais;


4. Em primeiro lugar, entende a Recorrente que a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito na interpretação e aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 58.º do Código do IRC, na redação aplicável à data, uma vez que o que se prevê expressamente que sejam analisadas várias operações em conjunto – “séries de operações” – e que o que é exigível é que as operações sejam comparáveis em substância, como o são na situação em apreço;


5. No caso vertente nos presentes autos temos, de um lado, uma alienação de participação social conjugada com uma cessão de créditos e, de outro lado, uma incorporação dos créditos no capital social seguida da transmissão da participação social – não obstante a natureza e forma das operações em confronto serem distintas, os seus efeitos finais são substancialmente os mesmos, pois ambas as séries de operações tiveram como resultado a transmissão de créditos e a transmissão de participação social;


6. O Tribunal a quo, ao não reconhecer na sentença ora recorrida que as operações são substancialmente idênticas e, nessa medida, comparáveis para efeitos de aplicação do regime previsto no artigo 58.º do Código do IRC vigente à data e, bem assim, na Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de dezembro (tal como decorre, aliás da prova pericial produzida), por não considerar de modo integrado as séries de operações que consubstanciam cada uma das situações em comparação, incorreu manifestamente em erro de julgamento da matéria de direito devendo, por esse motivo, a mesma sentença ser revogada;


7. Ao arrepio do que sucedeu na sentença recorrida, impunha-se a conclusão de que a séries de operações realizadas entre a S... Engenharia, S.A. e a A... e a série de operações realizadas entre a A... e Y..., por originarem resultados idênticos são semelhantes na sua substância e, nessa medida, efetivamente comparáveis, pelo que deve a sentença recorrida ser revogada;


8. Os efeitos fiscais das operações em apreço não têm, necessariamente, de ser os mesmos, pois tal não é exigido pelo n.º 2 do artigo 58.º do Código do IRC, vigente à data, uma vez que o que se pretende assegurar é a plena concorrência, e, para isso, o que é relevante é o impacto externo das operações e não necessariamente o impacto que essas operações têm nos impostos devidos pela empresa;


9. O juízo que convoque a apreciação do impacto fiscal dessas operações já será um juízo a posteriori, independente do regime dos preços de transferência, e que se prende com aplicação ou não da cláusula geral anti-abuso ínsita no n.º 2 do artigo 38.º da LGT. Todavia, tal apreciação não deve ser efetuada no caso sub judice, pois a administração tributária não aplicou a cláusula geral anti-abuso às operações objeto de correção, pelo que, não poderá nesta sede o Tribunal vir substituir-se à administração tributária, pelo que é manifesto o erro de direito de que padece a sentença recorrida devendo a mesma ser revogada;


10. Por outro lado, no que respeita ao procedimento a adotar, e à conclusão do Tribunal a quo de que tal será diferente consoante se reporte a operações internas ou internacionais, entende a Recorrente que, nesta parte, a sentença recorrida padece igualmente de erro de julgamento de direito por assentar numa errada apreensão do regime jurídico aplicável;


11. Estão em apreciação o n.º 8 do artigo 58.º do Código do IRC e o n.º 2 do artigo 3.º da Portaria n.º 1446-C/2001, não obstante, apesar de serem várias as razões específicas que levaram o legislador a estabelecer procedimentos específicos nestas duas situações, de nenhuma disposição legal resulta um tratamento diferenciado das operações nacionais e internacionais, pelo contrário, a própria Portaria n.º 1446-C/2001 regula os preços de transferência nas operações efetuadas entre um sujeito passivo de IRS ou de IRC “(…) e qualquer outra entidade”, sem discriminar com base no critério da residência;


12. Também a doutrina segue este entendimento: “Não há dúvidas que o regime dos preços de transferência se aplica às entidades sujeitas a IRC nas suas relações com quaisquer outras pessoas físicas ou jurídicas, quer sejam residentes ou não-residentes, posto, necessariamente, que se encontrem em relações especiais” (Bruno Santiago e António Queiroz Martins, ob. cit., p. 23; o destaque é nosso), pelo que, terá de se concluir que na teleologia do regime de preços de transferência (quer a nível nacional, quer internacional), houve apenas a necessidade de reforçar o procedimento a adotar em determinadas situações;


13. A especificidade de procedimentos para a administração tributária não impõe, no entanto, que a aplicação do princípio da plena concorrência seja um exclusivo seu, uma vez que é também do interesse do Estado que os próprios sujeitos passivos procedam ao correto pagamento do imposto que se mostrar devido. Logo, não pode a Recorrente deixar de concluir que, apesar de ter sido expressamente estabelecido o procedimento a adotar, as correções fiscais aplicáveis em operações vinculadas com entidades não residentes – positivas e negativas –, bem como da possibilidade da administração tributária atuar e efetuar idênticas correções no caso de operações vinculadas entre entidades residentes –positivas e negativas – não existe, nem deve existir, um tratamento diferenciado para a atuação dos sujeitos passivos que têm a obrigação de pagar o imposto com base no correto apuramento da sua base tributável e de acordo com o princípio da plena concorrência;


14. Não se pode assumir que a ausência das disposições acima referidas obste à aplicação do princípio da plena concorrência, limitando-se apenas as existentes a reforçar determinadas condições e procedimentos da sua aplicação, pelo que a interpretação que o Tribunal a quo realiza das disposições legais que preveem o procedimento a adotar em caso de não se verificar o principio da plena concorrência, segundo a qual tal procedimento aplicável a operações internas é semelhante ao procedimento aplicável a operações internacionais incorre em erro de julgamento de direito devendo, por esse motivo, a mesma sentença ser revogada;


15. Atendendo a que o Tribunal a quo decidiu que não estavam em confronto operações comparáveis e que o procedimento a adotar é diferente consoante estejamos perante operações internas ou internacionais, não foram conhecidas algumas das questões suscitadas pela ora recorrente, o que ora se impões, nos termos do artigo 665.º, n.º 2, do CPC aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT, ou, caso assim não se entenda, deverá ser ordenada a baixa à 1.ª instância para que sejam apreciadas as questões não conhecidas, e nessa medida, seja determinada a anulação da liquidação sub judice nos termos peticionados;


16. O ajustamento compensatório é o pilar estruturante da aplicação prática do princípio de plena concorrência, previsto no n.º 1 do artigo 58.º do Código do IRC, não existindo no ordenamento jurídico-tributário português, como acima se expôs, qualquer previsão legal que o afaste expressamente, pelo que admitir a impossibilidade do ajustamento compensatório por iniciativa do sujeito passivo é aceitar que as normas de preço de transferência são autênticas limitações ao princípio da liberdade contratual, uma vez que tal limitaria as opções dos agentes relativamente às condições a praticar nas transações por si realizadas, nomeadamente, para outros efeitos que não os fiscais;


17. Ao não se admitir a realização do ajustamento compensatório no âmbito das operações vinculadas entre entidades residentes, por iniciativa do sujeito passivo, como defende a Administração Tributária, condiciona-se a aplicação prática do princípio da plena concorrência, em primeira instância, à ação dos serviços da Administração Tributária, o que certamente não estaria no espírito do legislador, razão pela qual, também com este fundamento, se impõe a anulação da correção sub judice;


18. A Administração Tributária deveria ter procedido à prévia correção do ajustamento compensatório na esfera da A..., o que, tanto quanto é do conhecimento da Recorrente, não ocorreu. Logo, sem aquela prévia anulação, a correção sub judice, encontrando-se na dependência direta daquela, será sempre ilegal;


19. Atento o disposto no n.º 1 do artigo 17.º da Portaria 1446-C/2001, de 21 de dezembro, e no n.º 11 do artigo 58.º do Código do IRC, é para a Recorrente evidente que, caso a Administração Tributária detete, no decurso de uma inspeção fiscal, que as regras de preços de transferência não foram cumpridas relativamente a uma qualquer...

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