Acórdão nº 2609/22.2T8STR-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 23-04-2024

Data de Julgamento23 Abril 2024
Número Acordão2609/22.2T8STR-A.E1
Ano2024
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 2609/22.2T8STR-A.E1 (Apelação em Separado)
Tribunal recorrido: TJ C...- Juízo Local Cível ... – J...
Apelante: AA
Apelados: BB e CC

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora

I – RELATÓRIO
No inventário facultativo aberto por morte de morte de DD, falecido em ../../2018, no estado de casado com BB, no qual exerce as funções de cabeça de casal a viúva, e são interessados os filhos do casal, CC e AA (requerente do inventário), após ter sido dada forma à partilha, foi de seguida proferido despacho que, constatando que a relação de bens apresentada a fls. 85v a 88 não contemplava um legado de um imóvel[1], por conta da quota disponível, com dispensava de colação, instituído no testamento outorgado pelo falecido e mulher, à filha AA, ordenou a notificação da cabeça de casal para «(…) juntar aos autos relação de bens completa, em tudo idêntica à relação de bens de fls. 85v a 88, aditando-se, a final, o bem legado (respetiva descrição e valor) sob a designação «Legado».

A cabeça de casal veio dar cumprimento ao ordenado juntando uma nova relação de bens nos termos mencionados no despacho supra, mas também, como se refere no despacho proferido nos autos, e que vem a ser o recorrido, «(…) aproveitando o ensejo, a cabeça-de-casal aditou à relação de bens uma doação de quantia monetária, no valor de € 31.081,09, pretensamente efetuada pelo Inventariado a favor do Interessado CC. Alegou para tanto que, em 1992, ela, cabeça-de-casal, e o Inventariado doaram àquele Interessado o referido montante (6.231.200,00$00) para construção da habitação deste e que o legado efetuado a favor da Interessada AA foi realizado no intuito de colocar ambos os Interessados “em paridade”».

O interessado CC opôs-se ao referido aditamento à relação de bens.

Foi então, proferido despacho que, apreciando o aditamento, se pronunciou nestes termos:
«Salvo em situação de superveniência, que in casu não foi alegada, a cabeça-de-casal deveria ter relacionado a invocada doação quando, citada para o efeito, deu cumprimento ao disposto no art. 1102.º do Cód. Proc. Civil (ex vi art. art. 1100.º, n.º 2, alínea b) do mesmo Código). Por seu turno, o meio adequado e o momento próprio para a Interessada AA acusar a falta de relacionação da aludida doação seria através da reclamação contra a relação de bens, a intentar no prazo estabelecido no art. 1104.º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil.
Não tendo sido deduzido nenhum dos incidentes a que alude este preceito legal, passaram os autos à fase processual seguinte prevista no art. 1110.º, n.º 1, alínea b) do Cód. Proc. Civil. Após, foi proferido despacho que deu forma à partilha (cfr. art. 1110.º, n.º 2, alínea a) do Cód. Proc. Civil).
Encontra-se, pois, precludida a possibilidade de se fazer renascer a discussão de questões cujo lugar próprio seria o incidente de reclamação contra a relação de bens anteriormente apresentada.
Sublinhe-se, a este propósito, que o regime do processo de inventario previsto nos arts. 1082.º a 1135.º do Cód. Proc. Civil, introduzido pela Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro, veio instituir um novo paradigma face ao pretérito regime regulado pelo Cód. Proc. Civil de 1961: o processo de inventário passou a nortear-se pelos princípios da concentração, da preclusão dos atos respeitantes a cada fase processual e da auto-responsabilidade dos interessados na gestão do processo. E o objeto é cristalino: imprimir maior celeridade e eficácia à tramitação processual do inventário.
Nessa esteira, veja-se, a título de exemplo, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 15.06.2021 (cfr. processo n.º 556/20.1T8CHV-A.G1, relatora Conceição Sampaio, in www.dgsi.pt), cuja posição perfilhamos:
«I - Com a Lei n.º 117/2019 de 13 de setembro procurou-se instituir um novo paradigma do processo de inventário, com o objetivo de assegurar uma maior eficácia e celeridade processuais, evitando o carácter arrastado, sinuoso e labiríntico da anterior tramitação.
II - O novo modelo procedimental adotado parte de uma definição de fases processuais relativamente estanques, assentando num princípio de concentração, em que determinado tipo de questões deve ser necessariamente suscitado em certa fase processual (e não nas posteriores), sob pena de funcionar uma regra de preclusão para a parte.
III - Esta estruturação sequencial e compartimentada do processo envolve logicamente a imposição às partes de cominações e preclusões, saindo reforçado o princípio de autoresponsabilidade das partes na gestão do processo, cometendo-se simultaneamente ao juiz um maior e poder/dever de direção processual.
IV - O processo de inventário é hoje uma verdadeira ação, obrigando a que os interessados concentrem os “meios de defesa” no articulado que apresentam e indiquem aí todos os meios de prova, sob pena de preclusão».

Identicamente, pronunciou-se o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 22.09.2022 (cfr. processo n.º 5044/20.3T8BRG-B.G1, relator Pedro Maurício, in www.dsg.pt), que explicitou o seguinte: «Actualmente, o processo de inventário judicial está configurado como uma acção declarativa, sendo a primeira fase uma verdadeira fase de articulados (que engloba a fase inicial e da oposições e verificação do passivo), na qual recai sobre todos os interessados o ónus de suscitar nesta fase, com efeitos preclusivos, as questões pertinentes para o objetivo final do inventário (art. 1104º), designadamente tudo quanto respeite à sua admissibilidade, identificação e convocação dos interessados, relacionamento e identificação dos bens a partilhar, dividas e encargos da herança e outras questões atinentes à divisão do acervo patrimonial».
Face ao exposto, não admito o aditamento à relação de bens constante do requerimento (e respetivo anexo) junto aos autos em ../../2023.
Custas do incidente anómalo pela cabeça-de-casal, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal (cfr. art. 527.º, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil e art. 7.º, n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais).
Notifique, sendo a cabeça-de-casal para, em 10 (dez) dias, juntar aos autos relação de bens nos termos anteriormente ordenados, desta feita expurgada da doação supramencionada.»

Inconformada, apelou a interessada AA, apresentando as seguintes Conclusões:
«I O presente recurso tem como objeto a matéria de direito vertida no despacho, com referência n.º ...44, que indeferiu o aditamento à Relação de Bens da quantia monetária, no valor de 31.081,09€, doada pelo Inventariado e pela sua cônjuge ao Interessado CC, para construção da sua casa de morada de família.
II No dia ../../2022, a Recorrente requereu, nos termos e para efeitos do preceituado nos artigos 1082.º alínea a) e 1085.º n.º 1, alínea a) do Código de Processo Civil, que se procedesse a inventário por morte de DD.
III - O Inventariado faleceu no dia ../../2018, com último domicílio na Rua ..., ..., ..., tendo deixado como únicos e universais herdeiros: a viúva, BB; a sua filha, AA, casada no regime de comunhão de adquiridos com EE; e, o seu filho, CC, casado no regime de comunhão de adquiridos com FF.
IV - O Inventariado deixou testamento público, através do qual, conjuntamente com a sua esposa, BB, legou, por conta da quota disponível, o prédio urbano para habitação, sito na Rua ..., inscrito na matriz respetiva sob o artigo ...62, da freguesia ..., à sua filha, a ora Recorrente, com cláusula de incomunicabilidade em relação ao marido (cfr. Requerimento com Referência Citius ...16).
V - Tal testamento foi realizado “como forma de compensar a sua filha, visto que, em tempos passados, ele e sua mulher deram a seu filho um montante em dinheiro com o qual ele construiu a casa em que habita..
VI - O Tribunal a quo designou, para o exercício de funções de Cabeça-de-Casal, BB (artigo 2080.º n.º 1, alínea a) do Código Civil e artigo 1100.º n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil), ordenando a sua citação nos termos e para os efeitos previstos no artigo 1102.º do Código de Processo Civil.
VII - No dia ../../2023, a Cabeça-de-Casal juntou aos autos a Relação de Bens por óbito de DD, assim como os respetivos documentos necessários à identificação dos bens e ao apuramento da sua situação jurídica.
VIII - Posteriormente, o Tribunal a quo ordenou a notificação da Cabeça-de-Casal para vir juntar aos autos documentos em falta, assim como para juntar nova Relação de Bens, devidamente retificada, pelo facto de a anterior padecer de lapsos de escrita.
IX - Notificada para o efeito, a Cabeça-de-Casal juntou nova Relação de Bens, assim como os elementos solicitados pelo Tribunal a quo.
X - Na Relação de Bens apresentada não foi relacionado o bem legado à ora Recorrente, nem a doação da quantia monetária ao Interessado.
XI - Ora, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 1104.º n.ºs. 1 e 2 do Código de Processo Civil, o Tribunal a quo ordenou a notificação da ora Recorrente e a citação do Interessado CC.
XII - Não tendo sido deduzida, pelos Interessados, qualquer oposição/reclamação à Relação de Bens apresentada pela Cabeça-de-Casal, o Tribunal a quo ordenou a notificação destes para, querendo, proporem a forma da partilha, conforme o preceituado no artigo 1110.º n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil.
XIII - Ora, em Requerimento, vem o Interessado propor a forma da partilha, aproveitando, de igual forma, para requerer a avaliação dos bens pertencentes ao acervo hereditário, incluindo o bem legado à ora Recorrente, nunca por si mencionado.
XIV - No seguimento de tal Requerimento, veio o Tribunal a quo ordenar a junção, pela Cabeça-de-Casal, no prazo de 10 dias, da Relação de Bens completa, em tudo idêntica à anterior, com o aditamento, a final, do bem legado (respetiva descrição e valor) sob a designação “Legado”.
XV - Face à decisão do Tribunal a quo, a Cabeça-de-Casal e a ora Recorrente, em requerimento conjunto, expuseram o motivo pelo
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