Acórdão nº 260/10.9TBVVC-D.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 25-02-2021

Judgment Date25 February 2021
Acordao Number260/10.9TBVVC-D.E1
Year2021
CourtCourt of Appeal of Évora (Portugal)
Acordam no Tribunal da Relação de Évora
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I. Relatório.
Por apenso ao processo de inventário para partilha do acervo hereditário de L…, falecido em 17 de junho de 2010, W…, Lda., com sede na avenida …, União das Freguesias de Sintra, Sintra, veio requerer a sua habilitação, nos termos do art.º 356.º do C. P. Civil, contra a interessada M…, pedindo que seja habilitada do direito (quinhão hereditário) dos interessados herdeiros J… e Lu…, ocupando no inventário o lugar destes e com ela prosseguir o inventário, alegando que por escritura pública realizada em 6 de abril de 2018, adquiriu aos referidos herdeiros, por doação, o quinhão hereditário que eles detinham e lhes pertenciam na herança indivisa aberta por óbito de seu pai L….
Juntou certidão da referida escritura pública.
A requerida contestou, alegando:
- Em 17 de Junho de 2010, faleceu L…, no estado de divorciado.
- Sucedeu-lhe os seus dois filhos, nomeadamente, os mencionados na escritura de cessão como cedentes, e a contestante, enquanto herdeira testamentária.
- Durante anos, tais cedentes procuraram afastar a contestante do direito à herança, intentando uma acção contra a mesma, que correu termos desde 06 de Março de 2012, até culminar com a desistência do pedido, a 4 de Fevereiro de 2015.
- De tudo tem sido feito em ordem a dificultar os direitos da contestante, do qual é agora a escritura de cessão um forte exemplo.
- Todavia, a verdade é que, o negócio constante da escritura é nulo.
- E nulo, por simulação, já que o contrato de doação se destinou única e exclusivamente, a encobrir uma compra e venda, com o intuito claro de prejudicar a contestante.
- Pretendem enganar a contestante, declarando uma doação que cria uma aparência de um direito, mas que se acha ferida pela divergência entre a vontade declarada e a vontade real.
- Nunca os mencionados cedentes, pretenderam ceder o quinhão.
- Nunca o cessionário quis adquirir por doação o quinhão.
- E tanto assim é, que já no decurso do ano de 2019, reuniões ocorreram entre as partes e seus mandatários, sem que nunca tenha sido sequer aflorado, que Lu… e J…, já não eram donos dos quinhões hereditários.
- Ou seja, os mencionados , sempre se comportaram e agiram como donos dos quinhões, inclusivamente, apresentando propostas de aquisição ou venda de património que compunha a herança.
- Mas mais, veja-se que, o cedente Lu…, declara ceder, gratuitamente à sociedade W…, o seu quinhão hereditário, na herança de seu pai.
- E fá-lo, sem qualquer contrapartida, a um terceiro, que desconhece.
- E apesar de tal acto, não integra os órgãos sociais da dita sociedade.
- Mas ainda mais. E que, o mencionado Lu…, de nenhum outro património é titular.
- E apesar de ser casado, e ter dois filhos menores, doou a única coisa de que poderia dispor.
- Tudo sem perder de vista, que integra o quinhão hereditário, um conjunto de imóveis, denominado de pedreiras, de onde toda a vida o seu pai retirou os proventos para sustentar, principescamente, a família, e mesmo assim, vem dizer que cedeu gratuitamente.
- Tudo sem que possa esquecer que as ditas pedreiras, terão um valor superior a 3.000.000,00 €. Qual benemérito?...
- E o mesmo se diga, no que concerne ao cedente J….
- Este também não tem qualquer outro património, e apenas destoa do seu irmão, também cedente, no que concerne a integrar os corpos sociais da cessionária.
- Ou seja, ao contrário do outro cedente, J…, ficou detentor de uma participação social na cessionária, bem como, passou a integrar o corpo gerente da sociedade.
- Por isso que, a querida cessão gratuita mais não visou, do que afastar o direito de preferência da contestante, na aquisição dos quinhões hereditários.
- Mas desde já se alerta, que tendo tido conhecimento da cessão NULA, por força dos presentes autos, irá intentar ação por simulação, com direito de preferência.
- Face a tudo quanto se acha dito, deverá ser indeferida a pretensão de habilitação de cessionário, com as demais consequências legais.
Arrolou prova testemunhal e documental e requereu declarações de parte.
De imediato foi proferida sentença, julgando procedente o incidente de habilitação do adquirente e, em consequência, declarou a W…, LDA. habilitada para prosseguir, no lugar de J… e Lu… os termos do inventário.
Inconformada com o assim decidido, veio a requerida M… interpor o presente recurso, terminando, após alegações, com as seguintes conclusões:
I – Por via incidental, veio a Requerente W…, Lda., requerer a sua habilitação como cessionária dos quinhões hereditários de que eram titulares os filhos do de cujus L….
II – A Requerida, ora Recorrente contestou invocando, para além do mais, que o ato de cessão de quinhão hereditário, dito gratuito, padecia de absoluta nulidade, e que tinha na sua base, impedir a Requerida do exercício do seu direito de preferência na aquisição dos quinhões.
III – A Requerida invocou que o negocio constante da escritura era NULO, por simulação, já que o contrato de doação se destinou a encobrir uma compra e venda, com o intuito de afastar o direito da Requerida na aquisição dos quinhoes, discorrendo factos atestativos do que invocava.
IV - O Tribunal “a quo” decidir, singelamente, pela habilitação do cessionário, ignorando a argumentação da Requerida, e dando apenas por provado um único facto, que não pode sustentar a decisão proferida.
V - Em ordem a legitimar a ignorância dos demais factos carreados, O Tribunal “a quo” refere que “Todos os demais factos que não se encontram vertidos na factualidade assente não foram considerados para a boa decisão da causa, porquanto constituem factos conclusivos, repetitivos, irrelevantes ou de direito.”
VI – Em sede de fundamentação nada mais é dito pelo Tribunal “a quo”.
VII – A Requerida tem o direito a ser convencida da bondade da decisão factual e jurídica.
VIII – Por isso que, todas as decisões proferidas pelo Tribunal têm de ser expressas, claras, coerentes e suficientes.
IX - A fundamentação da decisão deve permitir o exercício esclarecido do direito ao recurso e assegurara a transparência e a reflexão decisória, convencendo e não apenas impondo.
X – Na sentença em crise e de que se recorre, não existe uma apreciação à matéria relevante trazida aos autos.
XI - Foram esgrimidos argumentos demonstrativos de que os cedentes, apenas atuaram da forma que atuaram, em conluio com a cessionária, para afastar o direito da Requerida.
XII - E em ordem a corroborar tal afirmação, invocou que atenta a data constante da escritura de cessão, os cedentes posteriormente a tal momento temporal, continuaram a comportar-se como donos dos direito aos quinhões, negociando com a Requerida; e que tal bem era o único que dispunham, já que não são titulares de mais nenhum património; e que o património tem um valor avultadíssimo de mais de três milhões de euros, e por conseguinte inimaginável que algum DOA-SE tais bens a quem não conhecem, e num dos casos, sem qualquer ligação para futuro.
XIII - E sobre esta panóplia argumentativa, o tribunal fez tabua rasa, não proferindo qualquer valoração, que seria devida após analisar os argumentos da Requerida.
XIV – Assim, a sentença de fls. padece de nulidade, por falta de fundamentação.
XV – Acresce que, o Tribunal “a quo” ao ignorar toda a narrativa trazida aos autos pela Requerida, deu unicamente como provado um único facto, nomeadamente, que a: “escritura de cessão de quinhão hereditário, junta com a petição inicial, que não foi impugnada na contestação apresentada (cf. art. 446.º do CPC).”
XVI – Embora a escritura publica se insira nos documentos catalogados como autênticos, a verdade é que ele mesmo apenas faz prova plena dos factos atestados pelo notário e ocorridos na sua presença. Faz prova plena dos factos referidos como praticados pelo documentador: tudo o que o documento referir como tendo sido praticado pela entidade documentadora, tudo o que, segundo o documento, seja obra do seu autor, tem de ser aceite como exato.
XVII - Um documento autêntico prova a verdade dos factos que se passaram na presença do documentador, quer dizer os factos que nele são atestados com base nas
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