Acórdão nº 259/19.0T8CTB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 07-05-2024
Data de Julgamento | 07 Maio 2024 |
Case Outcome | -NEGADA A REVISTA DOS RÉUS; -CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA DOS AUTORES |
Classe processual | REVISTA |
Número Acordão | 259/19.0T8CTB.L1.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
I – Relatório
1. AA E BB propuseram a presente ação comum contra CC, DD, EE E FF, peticionando a condenação solidária dos Réus a indemnizar os Autores na quantia de €677.424,02, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação.
Para tal alegaram, em síntese: que os 1º e 2º Réus, juntamente com GG, de quem as 3ª e 4ª Rés são herdeiras, foram condenados no âmbito do processo n.º 920/08.4..., em que o Autor foi assistente, pela prática de dois crimes de falsificação, previstos e puníveis pelo artigo 256º, a), d) e e) e n.º 3 do Código Penal, e por um crime de burla, previsto e punível pelos artigos 217º, n.º 1 e 218º, n.º 2, a) do Código Penal, em cúmulo jurídico, respetivamente, na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão e na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão, por acórdão de 18.11.2016, transitado em julgado; que a apreciação do pedido de indemnização civil aí formulado foi remetida para os meios comuns, daí a existência da presente ação; que o GG faleceu em ....12.2016, sendo as 3ª e 4ªs Rés as suas únicas herdeiras; os factos dados como provados no acórdão proferido no processo-crime são constitutivos do direito dos Autores a uma indemnização fundada em responsabilidade civil extracontratual; como consequência destes factos, os Autores sofreram danos patrimoniais e não patrimoniais, por cujo ressarcimento os Réus são solidariamente responsáveis.
2. Contestaram separadamente, as 3ª e 4ª Rés relativamente aos demais, tendo estas impugnado parte da factualidade invocada na petição inicial e alegado, em suma: que o GG faleceu sem que tivesse sido condenado por meio de sentença ou acórdão transitado em julgado, por entretanto se ter extinto o procedimento criminal; que, não tendo aquele sido notificado de qualquer pedido de indemnização civil, não foi interrompido o prazo de prescrição, que ora invocam, sendo certo que a 2ª Autora nem sequer interveio no aludido processo-crime; os factos demonstrados no âmbito de uma sentença penal condenatória têm o valor de presunção legal ilidível; o falecido GG nunca se arrogou proprietário do imóvel onde supostamente habitavam os Autores e não foram vítimas de qualquer burla, antes da sua própria imprevidência. Pedem a condenação dos Autores como litigantes de má-fé e terminam pedindo a sua absolvição do pedido e/ou da instância.
3. Já quanto aos 1º e 2º Réus, a contestação consistiu na exceção de iliquidez do crédito, bem como prescrição dos juros moratórios, e na impugnação de parte da factualidade constante da petição; estes demandados alegaram, também, que os Autores não estavam dependentes do trânsito em julgado do processo-crime, podendo ter deduzido o pedido cível em separado, logo decorridos 8 meses a contar da notícia do crime, pelo que as suas pretensões há muito poderiam ter sido apreciadas, e, ainda, que os próprios Autores concorreram para o agravamento dos danos sofridos. Terminam pedindo, pelo menos, a improcedência parcial do pedido.
4. Os Autores apresentaram resposta.
5. Em 19/05/2020, foi proferido despacho de aperfeiçoamento da Petição Inicial, dizendo-se que ela “padece de deficiências na exposição e concretização da matéria de facto relevante, em face da causa de pedir invocada, que a poderão ferir de ineptidão (art. 186/2-a do CPC), caso não sejam supridas, o que, aliás, foi arguido pelas rés na contestação”.
Com efeito, diz o despacho, os autores pretendem efetivar a responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, invocam o acórdão de 18/11/2016 e, nomeadamente, os factos nele dados como provados, pretendendo prevalecer-se da presunção prevista no artigo 623º do CPC. O acórdão terá transitado em julgado em data posterior à extinção do procedimento criminal quanto a GG em 21/01/2017. Ora, se assim é, o acórdão mencionado não constitui, quanto a ele uma “condenação definitiva” para os efeitos do artigo 623.º do CPC, pelo que os autores não beneficiam da presunção nele prevista. Por tal motivo, os autores não estavam dispensados de, quanto a ele, alegarem os pressupostos em que assentam a responsabilidade civil do mesmo (artigo 483.º do Código Civil), nomeadamente, o facto ilícito pelo mesmo praticado e a sua culpa. Limitando-se os autores a alegar os factos integradores do pressuposto “dano”, terá de concluir-se que, relativamente a GG, a Petição Inicial padece de insuficiências na causa de pedir, que, por ser complexa (no sentido de composta pelos factos constitutivos dos vários pressupostos da responsabilidade civil delitual), pode, ainda, ser corrigida (cf., neste sentido, por exemplo, Abrantes Geraldes, Temas da reforma do Processo Civil, I, Almedina, Coimbra, 1997, pp. 188 e 189).
Devem alegar, sob pena de ineptidão da petição inicial quanto às rés, o(s) facto(s) ilícito(s) concreto(s) que imputam a GG e a sua culpa.
6. Em 29/05/2020, os autores requerem a junção aos autos da Petição Inicial aperfeiçoada e dizem que atento o novo artigo aditado, referente aos factos ilícitos imputados a GG, e de modo a fazer a respetiva prova, requereram no processo crime a cópia das gravações das declarações prestadas por quatro intervenientes, a qual protestam juntar nos presentes autos assim que lhe for disponibilizada (o que acabam por fazer a 01/07/2020).
7. Em 04/06/2020, os 1.º e 2.º réus dizem que os autores alegam no novo artigo da nova PI que pagaram o terreno e a construção da casa sito na Quinta ..., em .... Tal não corresponde à realidade conforme resulta da certidão da CRP junta com a contestação como documento 7 e alegado no artigo 53 da contestação [onde consta a existência de uma hipoteca]. No mais aceitam exclusivamente quanto consta do acórdão proferido em sede de processo crime.
8. Na mesma data, as rés, dando-se por notificadas do despacho proferido em 19/05/2020, nos termos e ao abrigo do disposto nas disposições conjugadas dos artigos 195.º, n.º 1 e 199.º, n.º 1, do CPC, arguiram a nulidade decorrente da prática de um ato que a lei não admite e que, manifestamente, é (foi) suscetível de influir no exame e/ou na decisão da causa, dizendo, em síntese, que o tribunal, ao invés de proferir despacho saneador sentença no sentido da ineptidão da petição inicial, optou pelo despacho de aperfeiçoamento; mas o convite ao aperfeiçoamento apenas pode referir-se a factos que não integrem o núcleo de facto essencialmente estruturante da causa de pedir (cf. acórdãos do STJ de 27/11/2007 e de 20/05/2004); isto é, “não há lugar à prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento quando o autor não substanciou em termos bastantes a causa de pedir” (cf. acs. do TRP de 28/02/2008 e do TRG de 14/09/2010); ou seja “quando falta a causa de pedir, não há lugar convite à parte para suprir a nulidade (…) pois ela não é sanável (cf. acs. do TRG de 31/01/2013 e do TRL de 24/01/2019); termos em que não podia este tribunal ter proferido qualquer convite ao aperfeiçoamento – sob pena de tal convite se tornar numa autêntica subversão do processo (cf. ac. do TRL de 05/05/2020, proc. 1963/12.9TBPDL-B.L1), consubstanciando este convite e subsequente apresentação de peça processual a prática de um acto que a lei não admite, claramente susceptível de influir no exame e na decisão da causa, configurando, por isso, uma nulidade, a qual aqui se deixa arguida. As normas dos artigos 6/2 e 590/2-a-4 do CPC, invocadas pelo tribunal como fundamento do convite endereçado aos autores, interpretadas e aplicadas no sentido de poder ser formulado um convite ao aperfeiçoamento de uma petição inicial mesmo quando a mesma é omissa quanto à alegação de um núcleo de factos essenciais e estruturantes da causa de pedir e não apenas quando as deficiências desta peça forem estritamente formais ou de natureza secundária são materialmente inconstitucionais, por violação do direito de acesso à justiça e do princípio da proporcionalidade, ínsitos aos arts. 20 e 18 da CRP – inconstitucionalidade esta que aqui expressamente se invoca e que, aliás, foi já apreciada pelo Tribunal Constitucional no seu ac. 40/00.”
9. No dia seguinte, as rés impugnaram os novos factos alegados pelos autores.
10. No despacho saneador de 02/07/2020, indeferiu-se a arguição da nulidade [dizendo-se, entre o mais, que “a arguição de nulidade mais não constitui do que uma tentativa de ultrapassar a irrecorribilidade do despacho de 19/05/20202 (art. 590/7 do CPC). Na verdade, as rés não concordam com o referido despacho, mas, porque sabem que dele não podem recorrer, tentam obter um efeito semelhante, através de outros institutos e figuras processuais. Sucede que tal nulidade não se verifica. (…) De resto, o autor não omitiu por completo os factos integradores do ‘ilícito’ e da ‘culpa’; antes, limitou-se a remeter para uma decisão penal condenatória (…) De resto, os novos factos alegados não são, na verdade, factos ‘novos’ (no sentido de que já constavam da sentença penal condenatória), não se mostrando, minimamente, alterada a causa de pedir inicial”] e considerou-se sanada a ineptidão da petição; conheceu-se também da exceção de prescrição, tendo a mesma sido julgada improcedente no que concerne ao 1º autor e julgada procedente no que se refere à invocação dessa exceção pelas rés contra a autora (prescrição do direito indemnizatório da autora), bem como, apenas quanto ao direito a juros de mora peticionados pela autora até 21/02/2014, a prescrição invocada pelos 1.º e 2.º réus; consignaram-se os factos que se consideravam desde logo como provados por acordo ou documento (factos 1 a 19) e fixaram-se 55 temas de prova.
11. Em 08/09/2020, as rés dizem, entre o mais, que: fixados os temas da prova, mormente os factos provados e os factos por provar, pretendem valer-se do disposto no artigo 421.º do CPC, mormente das declarações prestadas no âmbito do...
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