Acórdão nº 259/18.7T8BGC.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 28-10-2020

Data de Julgamento28 Outubro 2020
Case OutcomeNEGADA A REVISTA
Classe processualREVISTA
Número Acordão259/18.7T8BGC.G1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça
Processo n.º 259/18.7T8BGC.G1.S1 (Revista) - 4ª Secção

CM/PF/JF

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1.AA (A.), intentou ação declarativa de condenação com processo comum emergente de contrato individual de trabalho contra Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do Alto Douro, CRL (R.).

Na primeira instância a ação foi julgada parcialmente procedente, por provada, e a R. condenada:

̶ A reconhecer que o Autor, AA, estava integrado até junho de 1995 no nível 12 da tabela de expressão pecuniária do ACT das ICAM;

̶ A enquadrar o A. pelo menos no nível 12 da tabela de expressão pecuniária do ACT das ICAM, pagando-lhe a retribuição e subsídios por esse nível e por respeito ao IRCT aplicável;

̶ A pagar ao A. todas as diferenças entre a retribuição base que o mesmo vinha auferindo até maio de 1995 e, a partir de janeiro de 2001, a retribuição de base prevista no nível 12 das tabelas de expressão pecuniária de cada ACT das ICAM aplicável ao momento concreto, e o valor realmente recebido pelo mesmo, bem como respetivos subsídios de férias e de Natal, vencidas desde junho de 1995, bem como as diferenças nos subsídios de doença dos meses de maio, junho e julho de 2017, perfazendo as quantias vencidas até à data da propositura da ação o montante de € 111.937,29, acrescidas dos juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal, perfazendo os vencidos até à data da propositura da ação o valor de € 64.248,19;

̶ A pagar ao A. a diferença entre a retribuição do nível 12 da tabela de expressão pecuniária dos ACT das ICAM e a do nível 10 que aufere na presente data, desde data da propositura da ação até ao trânsito em julgado, acrescida de juros de mora à taxa legal, a liquidar oportunamente;

̶ A regularizar junto do SAMS e SBN a situação do A. em conformidade com a retribuição devida em cada mês a partir de junho de 1995.


2. A R. interpôs recurso de apelação, com impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, tendo o Tribunal da Relação decidido confirmar na íntegra a sentença recorrida.

3. Inconformada com esta decisão, a R. interpôs recurso de revista, tendo formulado as seguintes conclusões:

«1.ª - A presente revista é interposta porque, na ótica da recorrente, a decisão do Tribunal a quo padece de nulidade por não pronúncia quanto a uma questão que lhe foi diretamente colocada; porque, contrariando diretamente uma anterior decisão deste Supremo Tribunal de Justiça, transitada em julgado, se recusou a efetuar uma análise detalhada sobre a impugnação da matéria de facto que lhe foi requerida; e porque decidiu manter a condenação de pagamento de juros de mora em confronto com uma decisão anteriormente tomada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, já transitada em julgado - vd. n.ºs 1 e 3 do art.º 671.º, al c) do n.º 1 do art.º 674.º, al. d) do n.º 1 do art.º 615.º e al. c) do n.º 1 do art.º 672.º, todos do CPC;

2.ª - A decisão do Tribunal a quo padece de nulidade por falta de pronúncia quanto à análise de abuso de direito na sua modalidade de supressio: para além de a sua ponderação ter sido diretamente invocada no recurso apresentado pela recorrente, sem que o Tribunal se tenha sobre ela debruçado, a apreciação desta matéria era de especial relevância porque por si determinaria um diferente desfecho à presente ação - vd. n.º 2 do art.º 608.º e al. d) do n.º 1 do art.º 615.º, ambos do CPC;

3.ª - No caso sub judice não podem subsistir dúvidas que o recorrido atuou em abuso de direito sob a modalidade de supressio.

Considerando que ao longo de mais de 23 anos o recorrido nunca apresentou perante a Direção da recorrente nenhuma reclamação relativamente ao abaixamento do seu salário e que sempre defendeu a fusão da sua entidade patronal, sabendo de antemão que tal determinaria a sua redução salarial, outra conclusão não pode ser retirada que não a de, interpretado esta atuação à luz das regras de experiência, se encontre perfeitamente justificado e legitimado que a recorrente tenha criado legítimas e razoáveis expectativas de que agora nenhuma quantia lhe poderia vir a ser reclamada por parte do recorrido.

- vd. art.º 334.º do CC.

- vd. Acs. do STJ de 12.06.2012, proc. 1267/03.8TBBGC.P1.S1 e de 05.06.2018, proc. 10855/15.9T8CBR-A.C1.S1 e Ac. do TRP, de 15.12.2005, proc. 0535984.

- vd. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 3.ª ed., págs. 296 e 297;

4.ª - Mas mesmo analisando o abuso de direito na ótica do venire contra factum proprium parece merecer reparo a decisão porque a ação foi instaurada como forma de retaliação para com a Direção da Caixa.

Nos termos legais, é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

Analisando os princípios descritos e subjacentes ao instituto do abuso de direito, facilmente se poderá concluir que, ao abrigo das conceções ético-jurídicas dominantes na coletividade, do fim económico e social em que se funda a pretensão e à intenção com que o recorrido agiu, os pedidos formulados não seriam acolhidos nem bem compreendidos pela comunidade.

- vd. art.º 334.º do CC.

- vd. Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. I, 3.ª ed., págs. 296 e 297.

- vd. Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 2ª ed., págs. 423 e 424;

5.ª - O entendimento do Tribunal da Relação de Guimarães de acordo com o qual a recorrente não cumpriu o ónus de impugnação da matéria de facto contraria a jurisprudência maioritária sobre a matéria, designadamente a decisão proferida por este Supremo Tribunal de Justiça, já transitado em julgado, nos termos da qual se decidiu que os requisitos para impugnação da matéria de facto devem ser interpretados de forma maleável mas sempre se impedindo que essa interpretação resulte no estabelecimento de requisitos excessivamente formalistas que se sobreponham à descoberta da verdade material.

O relevante é, para este Tribunal, que a indicação da matéria de facto e das provas que justificam a sua reanálise, apresentadas nas conclusões, permitam ao Tribunal, com alguma facilidade, localizar os factos, pressuposto que a decisão de mérito deve sempre prevalecer sobre decisões de forma.

- vd. Ac. do STJ de 18.05.2017, no processo n.º 2537/15.8T8VNG.P1.S1 - vd. al. c) do n.º 1 do art.º 672.º do CPC;

6.ª - Mas a recorrente discorda ainda com a decisão impugnada porque entende ter cumprido, de forma exímia, o ónus que sobre si recaía para impugnação da matéria de facto - pelo facto de a matéria não provada, impugnada e mencionada pela recorrente, não se encontrar numerada na sentença, naturalmente que se viu a CCAM impedida de indicar a concreta numeração de cada um destes pontos, mas nem por isso se escusou de os explicar de maneira a não só delimitar o objeto do recurso, mas também a permitir ao Tribunal a quo uma rápida perceção dos factos em causa.

- vd. Ac. do STJ de 18.05.2017, no processo n.º 2537/15.8T8VNG.P1.S1 - vd. n.º 1 do art.º 640.º do CPC;

7.ª - A condenação no pagamento de juros de mora a contar desde o vencimento de cada uma das retribuições deve ser revogada, pressuposto que a recorrente não incumpriu - e, menos ainda, culposamente - o dever de pagamento pontual de retribuição, sendo que tal decisão levará a uma oneração injustificada e desproporcional da recorrente e a um favorecimento da inércia do recorrido, a compactuar até com uma situação de abuso de direito.

- vd. n.ºs 1 e 2 do art.º 323.º do CT.

- vd. n.ºs 1 e 2 do art.º 804.º, n.º 1 do art.º 805.º, n.º 1 do art.º 806.º do CC - vd. Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 5.ª ed., Almedina.

8.ª - Por fim, o Tribunal incorreu ainda numa decisão que afronta diretamente uma outra do Tribunal da Relação de Lisboa, já transitada em julgado, datada de 02.12.2013, proferida no proc. nº. 4800/12.0NNLSB-L1 - perfilhada noutros processos e por outros Tribunais - nos termos da qual, mesmo no âmbito de créditos laborais, deve ser aplicada a regra legal geral de que os juros prescrevem no prazo de cinco anos.

Como tal, diferentemente do decidido, os juros vencidos até cinco anos antes da interposição da ação judicial encontram-se irremediavelmente prescritos.

- vd. al. d) do art.º 310.º do CC e n.º 1 do art.º 337.º do CT

- vd. Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 5.ª ed., Almedina

- vd. Ac. do STJ de 15/12/1998; Ac. do TRL de 2.12.2013, proc. nº. 4800/12.0NNLSB-L1 e do mesmo Tribunal, proc. n.º 8367/07; Ac. do TRC, de março de 2011, proc. n.º 191/09.0NNCBR.C1 e procs. n.ºs 94/10.0NNCBR. C1 e 638/13.6 NNCBR.C1

De harmonia com as razões expostas deve conceder-se provimento à presente revista e, por tal efeito:

- revogar-se o acórdão recorrido, substituindo-o por outro que absolva a recorrente de todos os pedidos formulados pelo recorrido ou, pelo menos,

- ordenar-se a baixa dos autos ao Tribunal da Relação para que reaprecie a matéria de facto impugnada ou, no mínimo,

- absolver-se a recorrente do pagamento dos juros de mora reclamados».

4. O A. contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso interposto pela R.

5. Foi proferido despacho liminar pelo relator no sentido de que as questões referentes à nulidade por omissão de pronúncia e a invocada violação das normas de direito adjetivo relacionadas com a apreciação da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto devem ser apreciadas em sede de revista nos termos gerais, nos termos do art.º 674.º, n.º 1 , alíneas b) e c) do CPC.

Ficou ainda consignado que, oportunamente, após a prolação do acórdão na revista em termos gerais será proferido o despacho liminar referente à verificação dos pressupostos gerais da admissibilidade do recurso de revista excecional, sendo certo que a verificação dos pressupostos específicos invocados para a admissibilidade da revista excecional caberá à formação a que alude o n.º 3 do art.º 672.º do CPC.

6. Neste...

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