Acórdão nº 2585/18.6T9SXL.L1-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 17-03-2021

Data de Julgamento17 Março 2021
Case OutcomeREJEITADO O RECURSO
Classe processualRECURSO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (PENAL)
Número Acordão2585/18.6T9SXL.L1-A.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

Acordam os Juízes deste Supremo Tribunal de Justiça:



I. AA, com os demais sinais dos autos, foi julgado no Juízo local criminal do …….., J…., tendo sido condenado, pela prática de um crime de injúrias, p.p. pelo artº 181º, nº 1, do Cod. Penal, na pena de 60 dias de multa, à razão diária de 5 euros; na procedência parcial do pedido cível formulado pela demandante e assistente BB, foi ainda condenado a pagar-lhe a quantia de 500 euros, a título de indemnização devida por danos não patrimoniais.

Inconformado, recorreu para o Tribunal da Relação ……. que, por acórdão proferido em 17 de Novembro de 2020, transitado em julgado no dia 8 de Dezembro seguinte, negou provimento ao recurso, confirmando integralmente a sentença recorrida.

E em 4 de Janeiro de 2021, o arguido interpôs o presente recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, sustentando que a interpretação efectuada no acórdão recorrido sobre os artºs 246º, nº 4 do Cod. Proc. Penal e 115º, nº 1 do Cod. Penal é oposta à assumida no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21 de Fevereiro de 2018, em situações alegadamente similares, e extraindo da sua motivação as seguintes conclusões (transcritas):

«1. Nos termos dos nºs 1 e 2 do artigo 437º do Código de Processo Penal, se no domínio da mesma legislação, o Tribunal da Relação proferir acórdão em oposição com outro da mesma ou de diferente Relação, relativamente à mesma questão fundamental de direito, pode recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça.

2. Mas, tal oposição só é relevante se os mesmos preceitos legais aplicados a factos idênticos foram interpretados em oposição entre eles, exigindo-se que essa oposição seja expressa.

3. De fixar, sobretudo, que para haver a oposição requerida por lei é necessário que as situações de facto e o seu enquadramento jurídico sejam idênticas, pois se o não são, os acórdãos, podem decidir de modo diferente essas situações, sem que, por isso entrem, consigo mesmo, em conflito de jurisprudência.

4. Ora diz o recorrente que, a propósito da interpretação do artigo 246º nº4 do Código do Processo Penal e artigo 115º nº1 do Código Penal se verificam soluções opostas no acórdão recorrido e no acórdão fundamento que invoca.

5. Destrate, se entre estes dois acórdãos existe uma oposição quanto à interpretação do artigo 246º nº4 do Código Processo Penal, já apuramos que entre eles existe coincidência quanto à interpretação do artigo 115º nº1 do Código Penal, mas com aplicações diferentes sobre este ponto de direito.

6. É facto incontornável que a queixosa apresentou uma denúncia de um crime particular de injúria, feita por escrito, subscrita por si, no dia 7.8.2018, último dia do prazo para apresentação da queixa-crime, dia em que perfazia os seis meses para a sua apresentação, de acordo com o artigo 115º nº 1 do Código Penal; que não consta na queixa-crime que esta tenha declarado o desejo de se constituir assistente ou que oportunamente o desejava fazer; que foi ordenado pelo Ministério Público no dia 13.9.2018 que fosse notificada a recorrida, para, querendo, no prazo previsto no artigo 68º do CPP, requerer a sua constituição de assistente; que a denunciante só após a advertência do Ministério Público com data de 13.9.2018, se constituiu assistente; que a denunciante se constituiu assistente, após 13.9.2018, para além do prazo fixado no artigo 115º nº1 do Código Penal; que o Tribunal recorrido entendeu ter a denunciante cumprido o previsto nesta disposição legal e que convalidou a denúncia apresentada pela prática de um crime particular.

7. O Acórdão fundamento Acórdão de 21 de Fevereiro de 2018, proferido no processo nº 627/14.3GBILH.PI e publicado in www.dgsi.pt e quanto à advertência, diz que "a lei impõe que a mesma seja feita apenas nos casos de denúncia verbal e não quando feita por escrito".

8. Por isso, nos casos em que denúncia não é verbal, como acontece no caso dos autos, o denunciante não é advertido da obrigatoriedade de constituição de assistente e respetivos procedimentos.

9. A lei diz que na queixa-crime de crimes particulares "(...) a declaração é obrigatória (...)" e tendo a denúncia sido apresentada por escrito, não existe o dever legal de advertência da denunciante da obrigatoriedade da constituição de assistente, como o fez o Ministério Público, nestes autos, no dia 13.9.2018.

10. Com efeito, ao ler-se a denúncia apresentada por escrito pela queixosa e subscrita por si, apuramos que dela não consta essa declaração.

11. Assim sendo, a referida denúncia do crime particular, de 7 de Agosto de 2018, feita no último dia do prazo de seis meses para o exercício do direito de queixa, esta não foi validamente efetuada relativamente ao crime de injúria.

12. A constituição de assistente da denunciante, como já se disse, foi feita para além do dia 13.9.2018, data da notificação da advertência pelo Ministério Público à denunciante para, querendo, se constituir assistente.

13. Destrate, " ... dado que o prazo para o exercício do direito de queixa (6 meses, como vimos na conclusão 11) terminou precisamente no dia 7 de Agosto de 2018, a declaração posterior da ofendida de que pretendia constituir-se assistente (que regularizaria a queixa, se tivesse sido feita oportunamente) não pode ser admitida, pois quando foi feita, após o dia 13.9.2018, o direito de queixa já estava extinto (por ter decorrido o respetivo prazo de caducidade) - art. 115º, n.º 1 do Código Penal " ao contrário do escrito no acórdão recorrido, que como supra se disse só pode ter ocorrido por "lapso".

14. Com base nos fundamentos invocados, entende-se que por se tratar de uma denúncia feita por escrito, à luz do nº 4 do artigo 246º do Código de Processo Penal, o denunciante não tinha de ser advertido, como já foi referido nas conclusões supra.

15. Já o Acórdão recorrido entende em oposição ao decidido no acórdão fundamento, que a denunciante se constituiu assistente nos prazos previstos no artigo 68º nº 2 do CPP e artigo 115º nº1 do Código Penal e que a denuncia apresentada foi convalidada em tempo.

16. O Acórdão recorrido ao invocar o artigo 68º nº 2 do Código de Processo Penal, fê-lo como se a queixa tivesse sido apresentada verbalmente, em que a advertência é obrigatória nos termos do artigo 246º nº4 do mesmo diploma legal, mas quando esta foi apresentada por escrito e subscrita pela denunciante, sendo este um crime particular.

17. A obrigação imposta pelo artigo 246º nº4 do Código de Processo Penal em caso de denuncia verbal, é restrita á advertência de que é obrigatória a constituição de assistente e dos procedimentos a observar.

18. No caso dos autos, como se disse na conclusão 16 foi apresentada por escrito e subscrita pela denunciante, no último dia do prazo, a 7.8.2018, uma queixa-crime de um crime particular.

19. Na denúncia do crime particular nela não consta a declaração de que a queixosa se deseja constituir assistente, sendo que a mesma não se apresenta validamente efetuada, o que foi acolhido no Acórdão recorrido.

20. A queixa-crime apresentada por crime particular não pode convalidar-se depois do prazo do direito de queixa de acordo com o artigo 115º nº1 do Código Penal.

21. Ao contrário do decidido no Acórdão recorrido, que só por "lapso" poderia ter ocorrido, este erro influenciou a decisão de convalidar a queixa-crime apresentada pela prática de crime particular de injúria, quando a denuncia se completou, com a constituição de assistente da denunciante, após 13.9.2018, quando já havia decorrido o prazo de seis meses para a sua existência.

22. Destrate, ao contrário do decidido no Acórdão recorrido que convalidou a queixa-crime por crime particular apresentada pela denunciante, mas quando à data de 13.9.2018, já se encontrava extinto o direito de queixa.

23. A data de 13.9.2018, já o Ministério Público não tinha legitimidade para o procedimento criminal do crime de injúria, sendo que a denúncia por crime particular só podia ter sido arquivada.

24. Em consequência e por falta de queixa apresentada nos termos legalmente previstos, o Tribunal recorrido devia julgar extinto o procedimento criminal relativamente ao crime de injúria, p.p. pelos artigos 181º e 188º do C. Penal, uma vez que, como refere GERMANO MARQUES DA SILVA, Direito Processual Penal, III, Verbo, 2000, pág. 48, "não pode mais instaurar - se procedimento criminal e a consequência é a impunidade do facto".

25. Ainda sobre o Acórdão recorrido, e quanto ao cumprimento pela denunciante do prazo previsto no artigo 115º nº1 do Código Penal para se constituir assistente, apura-se que só por "lapso" nele se pode escrever que esta se constituiu assistente dentro do prazo de seis meses.

26. Chegados aqui, o acórdão recorrido ao entender que foi respeitado o artigo 115º nº 1 do Código Penal, o "lapso", serviu como forma de enfatizar a decisão tomada, e interferiu na decisão final ao convalidar uma denúncia que se encontra extinta, por a denunciante se ter constituído assistente para além do prazo de seis meses a contar da data da prática do crime de injuria 6.2.2018, sendo que a disposição legal em que se basearam as decisões conflituantes, foi aplicada diversamente a factos idênticos. Cfr. ac. STJ de 23.4.86, BMJ - 356-272; Ac. STJ 5.4.00, Proc9 688/99 entre outros.

27. Com os supra expendidos fundamentos propõe-se que seja fixada jurisprudência:

"Faltando na queixa-crime nos crimes de natureza particular a declaração obrigatória de que deseja constituir-se assistente, a mesma não se apresenta validamente efetuada, nem pode convalidar-se se efetuada depois do prazo de exercício do direito de queixa; tendo a queixa-crime sido apresentada por escrito e subscrita pelo denunciante nos crimes particulares não deve o denunciante ser advertido nos termos do artigo 246º nº4 do Código de Processo Penal, por esta ser uma obrigação imposta apenas em caso de denúncia verbal, por ser restrita à advertência de que...

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