Acórdão nº 2582/17.9T9CSC.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 14-09-2023
Data de Julgamento | 14 Setembro 2023 |
Case Outcome | NEGADO PROVIMENTO. |
Classe processual | RECURSO PENAL |
Número Acordão | 2582/17.9T9CSC.L1.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
ACORDAM EM CONFERÊNCIA OS JUÍZES NA 5ª SECÇÃOCRIMINAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
I-RELATÓRIO
1.1 - Por sentença proferida em 22.09.2022, no processo comum singular nº 2582/17.9T9CSC, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, -Juízo Local Criminal -..., em que são arguidos AA e BB, foi decidido:
(transcrição)
(…)
Absolver os arguidos BB e AA, da prática, em coautoria material, de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas d) e e), do Código Penal.
(…)
*
1.2. O MP interpôs recurso desta sentença para o Tribunal da Relação de Lisboa dizendo:
1. O Ministério Público, não se conformando com a douta sentença proferida nos presentes autos, na parte em que absolveu o arguido AA, pela prática de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas d) e e), do Código Penal, vem da mesma interpor o presente recurso.
2. Entende o Ministério Público que a matéria de facto dada como não provada na sentença relativa aos pontos 1 (na parte em que se refere “estando os arguidos, desde o trânsito em julgado da decisão proferida na ação declarativa, perfeitamente cientes da existência do aludido passivo”), 2, 3, 4, 5 e 6 – todos, no que se refere à responsabilidade criminal do arguido AA –, deveria ter sido dada como provada e, consequentemente, deveria o arguido ter sido condenado pelo crime do qual veio acusado.
3. De forma resumida, a motivação do Tribunal a quo que levou à absolvição do arguido, alicerça-se em dois pontos: i) o facto de não se ter provado que o arguido tivesse sido efetivamente citado da ação executiva que corria contra a sociedade da qual era sócio-gerente, a qual tinha sido condenada à reparação dos defeitos numa obra por si executada; ii) o facto de não ser líquido que, aquando da elaboração da ata com
vista à dissolução da sociedade, o arguido soubesse que integrava o conceito de “passivo” a obrigação de prestação de facto em que a sociedade da qual era sócio-gerente estava condenada.
4. Quanto ao primeiro dos pontos supra identificados, entende o Ministério Público que, não obstante a incerteza da citação do arguido quanto à ação executiva que corria termos contra a sociedade da qual era sócio-gerente, o que é certo é que o arguido sabia e não podia ignorar que a sociedade havia sido condenada a proceder à reparação de defeitos de obra por si executada, porquanto tinha sido condenada, por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, o qual confirmou a sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de ... – Local Cível de ..., no âmbito do processo n.º 3593/08.0..., acórdão esse que transitou em julgado no dia 28 de janeiro de 2016.
5. Sendo que só no dia 10 de outubro de 2016 é que teve lugar a assembleia geral da aludida sociedade onde os sócio-gerentes, entre os quais o arguido, fizeram constar na respetiva ata, que assinaram “pelos sócios foi deliberado por unanimidade a dissolução com liquidação da sociedade comercial por quotas G.... . ....... ............ Lda., com o NIPC ..., nos termos da alínea i), do n.º 1, doartigo 246.º e do artigo 270.º, ambos do Código das Sociedades Comerciais, uma vez que não existe qualquer actividade, não existindo quaisquer bens a partilhar, não existindo ativo ou passivo por liquidar”.
6. E, só no dia 21 de outubro de 2016 é que o arguido se dirigiu à Conservatória do Registo Comercial de ..., onde promoveu procedimento administrativo de dissolução da sociedade, com base no falso pressuposto da inexistência de passivo, logrando, assim, a imediata dissolução e liquidação da mesma, e consequente cancelamento da matrícula.
7. Quanto ao segundo ponto identificado, defende o Ministério Público que, no caso concreto, o arguido sabia e não podia ignorar que a condenação da sociedade da qual era sócio-gerente na obrigação de reparar os defeitos da obra por si executada, constituíam passivo social, embora se tratasse de uma prestação de facto e não numa dívida monetária.
8. Com efeito, embora o arguido tenha sido julgado na ausência e não se tenha tido oportunidade de, com mais detalhe, apurar o seu contexto académico e profissional, a verdade é que o mesmo é empresário, com conhecimento de como se regem as sociedades comerciais, e cuja experiência no ramo empresarial remonta, pelo menos ao ano de 1998, data em que foi constituída a sociedade da qual era sócio à data dos factos, tendo, nessa medida, obrigação de saber que passivo social é constituído por todas as obrigações societárias por liquidar, sejam elas pecuniárias ou prestações de facto positivas.
9. Assim, e com o devido respeito pela posição do Tribunal a quo, o qual é muito, entende o Ministério Público que o arguido era conhecedor da decisão que condenou a sociedade da qual era sócio, à data da elaboração e assinatura da ata – na qual declarou a inexistência de passivo – e posterior dissolução da sociedade na Conservatória do Registo Comercial de ..., bem como estava perfeitamente ciente, pela sua experiência profissional e de vida que a idade lhe proporcionou, de que a prestação de facere em que foi condenada a sua sociedade consubstanciava passivo social, pelo que, se consideram preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do crime pelo qual o arguido veio acusado, devendo ser condenado por tal crime, uma vez que deveriam ter sido dado como provados os factos dados como não provados nos pontos 1 (na parte em que se refere “estando os arguidos, desde o trânsito em julgado da decisão proferida na ação declarativa, perfeitamente cientes da existência do aludido passivo”), 2, 3, 4, 5 e 6 – todos, no que se refere à responsabilidade criminal do arguido AA.
10. Quanto à pena a aplicar, sendo o crime de falsificação de documento, nos termos do artigo 256.º, n.º 1, do Código Penal, punível com pena de prisão ou com pena de multa, entende o Ministério Público que, no caso concreto, as finalidades punição são satisfeitas com a condenação do arguido em pena de multa, a qual se deverá situar no limite do primeiro terço da sua moldura penal.
(…)
Tal recurso foi então apreciado no Tribunal da Relação o qual decidiu:
“ 2.2. Fundamentação de facto
2.2.1. Da sentença recorrida consta a seguinte matéria provada e não provada:
(transcrição) (…)
Da instrução e discussão da causa resultou provada a seguinte matéria de facto:
1. No dia 18 de setembro de 1998, os arguidos BB e AA constituíram a sociedade por quotas G – Construções, Lda., assumindo ambos a qualidade de sócios, com o arguido AA a assumir também a gerência única da sociedade;
2. No âmbito do processo n.º 3593/08.0..., referente a ação declarativa de condenação que lhe foi movida pelo Condomínio do Prédio Sito na Avenida ... – ..., a sociedade G – Construções, Lda. foi condenada, por sentença datada de 11 de Março de 2015, a “proceder à reparação dos defeitos de construção existentes nas partes comuns do prédio sito na Avenida ... os quais se encontram discriminados nos factos provados n.º 8), 9), 10) e 11) da presente decisão, os quais farão parte integrante do presente dispositivo”;
3. A referida decisão foi sujeita a recurso, tendo sido confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão datado de 9 de dezembro de 2015, transitando definitivamente em julgado, no dia 28 de janeiro de 2016;
4. O Condomínio do Prédio Sito na Avenida ... – ... intentou ação executiva para prestação de facto, contra a referida Sociedade G – Construções, Lda., liquidando o valor dos trabalhos a realizar em € 78.000,00 (setenta e oito mil euros), no respetivo requerimento executivo;
5. No dia 10 de outubro de 2016, pelas 10h00, na sede social da sociedade G – Construções, Lda., sita na Rua ..., ... – ..., teve lugar assembleia-geral da aludida sociedade, na qual participaram os arguidos BB e AA, nas respetivas qualidades de sócios e gerente;
6. No decurso da referida assembleia-geral, e conforme os arguidos fizeram constar da respetiva ata, que assinaram, “pelos sócios foi deliberado por unanimidade a dissolução com liquidação da sociedade comercial por quotas G – Construções, Lda., com o NIPC ..., nos termos da alínea i), do n.º 1, do artigo 246.º e do artigo 270.º, ambos do Código das Sociedades Comerciais, uma vez que não existe qualquer actividade, não existindo quaisquer bens a partilhar, não existindo ativo ou passivo por liquidar”.
7. Munidos da referida ata de assembleia-geral, os arguidos dirigiram-se, no dia 21 de outubro de 2016, à Conservatória do Registo Comercial de ..., onde promoveram procedimento administrativo de dissolução e liquidação da sociedade G – Construções, Lda., com base no pressuposto da inexistência de passivo social e logrando, por força desse pressuposto, a imediata dissolução e liquidação da sociedade, e consequente cancelamento da sua matrícula;
Mais se provou:
1. A arguida BB vive sozinha em casa própria;
2. Aufere uma renda mensal no valor de €1.500;
3. É licenciada em gestão hoteleira;
4. Construções, Lda. foi condenada, por sentença datada de 11 de Março de 2015, a “proceder à reparação dos defeitos de construção existentes nas partes comuns do prédio sito na Avenida ... no ... os quais se encontram discriminados nos factos provados n.º 8), 9), 10) e 11) da presente decisão, os quais farão parte integrante do presente dispositivo”;
5. A referida decisão foi sujeita a recurso, tendo sido confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão datado de 9 de dezembro de 2015, transitando definitivamente em julgado, no dia 28 de janeiro de 2016;
6. O Condomínio do Prédio Sito na Avenida ..., no... – ... intentou ação executiva para prestação de facto, contra a referida sociedade G – Construções, Lda., liquidando o valor dos trabalhos a realizar em € 78.000,00 (setenta e oito mil euros), no respetivo requerimento executivo;
7. No dia 10 de outu...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO