Acórdão nº 2569/19.7JAPRT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 10-05-2023

Data de Julgamento10 Maio 2023
Ano2023
Número Acordão2569/19.7JAPRT.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc.nº 2569/19.7JAPRT.P1
X X X


Acordam em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:


No processo comum com intervenção do Tribunal Coletivo do Juízo Central Criminal de Penafiel do Tribunal judicial da Comarca do Porto Este, procedeu-se a julgamento com observância das formalidades legais, após o que foi proferido acórdão que julgou nos seguintes termos:
Pelo exposto e vistas as normas legais citadas, decide este Tribunal Colectivo:
I. Absolver os arguidos AA, BB e CC da prática do crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artºs. 21.º, n.º 1 e 24.º, al. h), ambos do Dec.-Lei n.º 15/93, de que vinham acusados;
II. Julgar os arguidos AA, BB e CC co-autores, na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1 do Dec.-Lei n.º 15/93, de 22.01, (pelos factos reportados a 29 de Junho de 2019), sendo os arguidos AA e BB como reincidentes e, consequentemente, condenar:
- O arguido AA na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão;
- O arguido BB na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão;
- A arguida CC na pena de 4 (quatro) anos e 5 (cinco) meses de prisão;
(…)
*

Não se conformando com a decisão, o arguido AA, veio interpor recurso, com os fundamentos constantes da motivação e com as seguintes conclusões:
…(…)
9. O recorrente foi condenado pelo Tribunal a quo, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artgº. 21.º do D.L. n.º 15/93, de 22/01, condenação com a qual não se conforma,
Senão vejamos:
10. Importa considerar que no caso estamos perante 25,064 gramas de canábis (resina), com o grau de pureza de 13,4% (THC), uma substância dita como droga “leve”, por ser das que menos potencialidade danosa tem para a saúde e que se tratou de um caso isolado.
11. Donde resulta que, mesmo considerando a quantidade apreendida, atendendo ao tipo de substância, os factos revelam uma ilicitude consideravelmente diminuída, devendo afastar-se a punição do artgº. 21º. do D. L. 15/93 de 22 de Janeiro.
12. Em conformidade, entende o recorrente dever ser condenado pela prática do crime p. e p. pelo artgº. 25º. do referido diploma legal.
13. Realizado pela forma descrita o enquadramento jurídico-penal da conduta do recorrente, importa determinar a sanção a aplicar, já que a natureza da mesma está previamente definida pelo tipo legal, que estabelece a moldura de 1 a 5 anos de prisão.
14. Nos termos do artgº. 71º. do C. Penal, a determinação da pena tem como critérios a culpa do agente e as exigências de prevenção. Importando atender, dentro dos limites abstractos definidos pela lei, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, deponham a favor ou contra o arguido, na medida em que se mostrem relevantes para a culpa ou para as exigências preventivas.
15. Entende o recorrente que a pena justa e adequada, não deve ultrapassar os 2 (dois) anos de prisão.
C)
Sem conceder,
16. Sem prejuízo do que ficou dito, sempre se acrescentará que, no caso em apreço, entendemos que a pena imposta ao recorrente é excessiva, encontrando-se a mesma desadequada e desproporcionada ao crime pelo qual foi condenado, devendo a mesma ser reduzida.
17. O cometimento de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto no artº. 21º. do Dec. Lei 15/93 de 22 de Janeiro, tem em conta uma moldura penal abstracta que varia entre 4 (quatro) e 12 (doze) anos de prisão.
18. Aplicando a agravante da reincidência a moldura penal passa a balizar-se entre os 5 anos e 4 meses e 12 anos de prisão.
19. Dentro desta dosimetria penal deverão funcionar as circunstâncias que deponham a favor, ou, contra o agente, sendo que in casu não foram devidamente sopesadas as condições que deveriam determinar a aplicação de uma pena substancialmente inferior à que foi aplicada.
20. Entende o recorrente que a pena cominada peca por excesso, não adequando a dosimetria penal ao caso consentida aos critérios orientadores de fixação da medida concreta da pena constantes do artgº. 71º. do Código Penal.
21. A pena além de fazer face às exigências de prevenção geral de revalidação contra-fática da norma violada, terá que ter em conta as exigências individuais e concretas de socialização do agente, sendo certo que na sua determinação ter-se-á que entrar em linha de conta com a necessidade de se evitar a dessocialização do agente.
22. Entende o recorrente que o Tribunal a quo ponderou deficientemente os seus antecedentes criminais pois, embora vastos, o arguido no âmbito da tutela típica do tráfico de estupefacientes, não tem averbada no seu Certificado de Registo Criminal nenhuma condenação.
23. De igual modo, Tribunal a quo ponderou deficientemente as suas condições económicas e sociais, não levando, em devida conta, para a determinação da medida da pena a sua situação familiar e as suas condições de vida.
24. A pena aplicada mostra-se, por isso, claramente desajustada devendo, consequentemente, ser reformada e substancialmente reduzida.
25. Entende o recorrente que a pena adequada, justa e proporcional ao crime porque veio a ser condenado deverá ser reduzida, não ultrapassando 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.
*
Normas jurídicas violadas ou incorretamente interpretadas:
Artgs.º 40.º, 50.º, 71.º, 127º.do C. Penal
Artgs.º 21.º, 25.º do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
Artgº. 32º. nº. 2 da C. R. Portuguesa
Nestes termos e face a todo o exposto, é de crer que, concedendo provimento ao recurso, farão V. Ex.ªs A acostumada Justiça
*

O Digno Magistrado do MºPº veio contra-motivar do seguinte modo:
(…)
IV – DO DIREITO
Dispõe o art.º 21.º do citado diploma legal que “quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos”. O crime de tráfico de estupefacientes, em qualquer das suas modalidades, é um crime exaurido ou crime excutido visto que fica perfeito com a comissão de um só ato gerador do resultado típico, admitindo uma aplicação unitária e unificadora da sua previsão aos diferentes atos múltiplos da mesma natureza praticados pelo agente, em virtude de tal previsão respeitar a um conceito genérico e abstrato. Por outro lado, «o preceito do art.º 25.º como um mecanismo que funciona como “válvula de segurança” do sistema», com o fim de acautelar que «situações efetivas de menor gravidade não sejam tratadas com penas desproporcionadas ou que, ao invés, se force ou use indevidamente uma atenuante especial». Ora, no dia 29 de Junho de 2019, o arguido BB recebeu a visita da sua companheira, a co-arguida CC, no Estabelecimento Prisional ..., tendo esta, no parlatório deste EP, entregue ao co-arguido BB 25,064 gramas de canábis (resina), correspondente a 67 (sessenta e sete) doses individuais diárias. Já na posse de tal produto estupefaciente, o arguido BB transmite o mesmo ao arguido AA, que, na tentativa de o dissimular, o esconde no interior do seu ânus. Mais se apurou que todos os arguidos conheciam as características do produto estupefaciente que tinham na sua posse, o destinavam parte a consumo e outra a ceder a outros indivíduos no E.P. e que agiram livre, voluntária e conscientemente bem sabendo que as suas condutas são proibidas e punidas por lei penal. Já no dia 11 de Dezembro de 2020, CC, no decurso da visita que faz ao seu companheiro BB no Estabelecimento Prisional ..., entrega-lhe, através do óculo do separador em acrílico que os separava, uma pequena embalagem que veio a apurar-se tratar-se de haxixe, com o peso bruto de 1,03 gramas, suficiente para compor 3 doses individuais, doses essas destinadas ao consumo do arguido BB, facto que não desvirtua o ilícito de tráfico de causa, que compreende, entre as suas condutas típicas, o acto de transportar, distribuir e transmitir, o que ambos os arguidos quiseram e sabiam, tendo, também aqui, actuado, estes arguidos, de forma deliberada, livre e consciente, conhecendo o carácter criminalmente punido das suas condutas. Deste modo, dúvidas não existem que os factos praticados integram o art. 21º e não o art. 25º do Dec.-Lei n.º 15/93, de 22.01.

Neste tribunal de recurso o Digno Procurador-Geral Adjunto no parecer que emitiu, pugnou pela improcedência do recurso interposto pelo arguido.

Em síntese, alega o recorrente que:
(…)

II – Qualificação Jurídica
O tribunal recorrido entendeu que a factualidade provada integra a previsão do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro. O recorrente pretende que integra apenas o tipo legal de tráfico de menor gravidade, do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro. A nosso ver sem razão. O artigo 25.º do referido diploma prevê um crime de tráfico de estupefacientes privilegiado relativamente ao tipo fundamental do artigo 21.º, que assenta numa considerável diminuição da ilicitude a partir de uma avaliação da situação de facto, para a qual o legislador não indica todas as circunstâncias a atender, limitando-se a referir “os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade e a quantidade das substâncias”, abrindo a porta à densificação doutrinal ou jurisprudencial do conceito de “menor gravidade”. Como se salienta no Acórdão do STJ de 13/3/2019 (Processo n.º 227/17.6 PALGS.S1) “é a imagem global do facto, ponderadas conjuntamente todas as circunstâncias relevantes que nele concorrem, que permitirá a identificação de uma situação de ilicitude consideravelmente diminuída, de menor gravidade, ou seja, uma situação em que o desvalor da ação é claramente inferior ao padrão ínsito no tipo fundamental de crime”. No caso
...

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