Acórdão nº 256/22.8GCMTJ.L1-5 de Tribunal da Relação de Lisboa, 14-12-2023

Data de Julgamento14 Dezembro 2023
Ano2023
Número Acordão256/22.8GCMTJ.L1-5
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:



RELATÓRIO


1.Vem o presente recurso interposto pelo arguido AA…. da sentença proferida em processo comum por tribunal singular, pelo qual foi condenado na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de 6,50€ pela prática como autor material de 1 (um) crime de ofensas à integridade física contra agentes desportivos, previsto e punido pelos artigos 33.º e 34.º, em conjugação com o artigo 3.º, als. a), h) e n), da Lei 39/2009, de 30 de julho.
2.–O arguido recorrente peticiona a sua absolvição da prática deste crime de ofensa à integridade física, formulando para tanto as seguintes conclusões [transcrição]:
«(…)
A)-Os presentes autos têm como base uma alegada agressão, por parte do arguido a um jogador de futebol, durante um jogo a que o arguido assistia.
B)-Da decisão do Tribunal a quo, retira-se - Ponto 4 dos Factos Provados - que o que o arguido "(...) desferiu com a sua mão aberta, uma pancada na cabeça, na zona auricular, de ……".
C)-Debruça-se o presente recurso por um lado, sobre exatamente qual foi a ação do arguido e, por outro, se a ação que existiu configura, ou não, a prática de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelos artigos 33.° e 34.° ex vi artigo 3.°, al. a), da Lei 39/2009, de 30/07.
D)-O tipo de crime embora em tudo se assemelhe ao previsto e punido no artigo 143.° do CP, diferencia-se pelo enquadramento legal, nomeadamente tendo o crime em causa nos presentes autos natureza pública, ao contrário daquele que, como se sabe, é semi-público.
E)-Da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, aceita, sem reserva os pontos 1, 2, 3, 7, 8, 9, 10, 11, 12 e 13
F)-Aceita parcialmente os pontos 5, pois se é certo que não resultaram lesões, é igualmente certo que não houve agressão.
G)-Considera incorretamente julgados o ponto 4 (da forma como o Tribunal o configura) e o ponto 6.
H)-O arguido aceita que houve uma interação mas que tal interação não foi uma agressão e, seguramente não ofendeu a integridade fisica de ninguém, não se consubstanciou em nenhum mau trato, nem prejudicou o bem estar fisico do agente visado.
I)-Uma ofensa à integridade fisica, por mais voltas que se deem, e independentemente do contexto legal, só é um crime se houver lesão, ainda que minima ao bem-estar do visado. Não foi o que aqui aconteceu.
J)-Da versão do arguido, retira-se que, perante a confusão que se instalava e que, note-se com atenção, envolvia o seu filho que era também jogador em campo, o arguido terá tentado impor calma desde a bancada onde se encontrava.
K)-Com a mão terá tocado algures na zona da cabeça de um jogador, recordando que a própria acusação refere não terem resultado lesões, tendo o Tribunal a quo, sustentado exatamente o mesmo no ponto 5 dos factos provados.
L)-O relato do arguido é perfeitamente consentâneo com o do pretenso ofendido, sendo que as passagens trazidas em sede de motivação e ali claramente definidas, demonstram que o mesmo apenas procurou acalmar o outro interveniente.
M)-Sendo para mais que o mesmo interveniente não refere coisa diferente,
N)-De notar quanto às passagens relevantes nas declarações do arguido as dos seguintes minutos (tendo por referência o ficheiro áudio das declarações do mesmo): 00:11; 01:23; 02:30; 05:07;06:54;08:13;
O)-Grosso modo, nos elementos centrais e relevantes do depoimento do arguido, o mesmo assume que teve uma ação, procurando acalmar o jogador que estava exaltado, num quadro de ânimos a avolumarem-se, sendo que (algo que a Acusação omitia) o filho do próprio arguido era um dos jogadores em campo.
P)-E tal toma maior dimensão quando o alegado ofendido, a testemunha ……, confirmam o relato e dá ao tema a importância que ele tem, terá havido um toque, que não teve qualquer reflexo ou desconforto para o bem estar ou saúde do mesmo.
Q)-Relata-o claramente aos minutos 03:10; 05:26; 05:56; 07:54; 09:03; 10:09;
R)-Destes depoimentos diferentes, retiramos no essencial, uma enorme congruência entre as declarações do arguido e o depoimento da testemunha.
S)-Num paralelismo com o futebol, poder-se-ia perguntar se a intensidade do ato, e a intenção do mesmo, seriam suficientes para criminalizar o facto.
T)-Aqui, muito respeitosamente o recorrente discorda do Tribunal a quo.
U)-Num derradeiro momento de análise de prova, se não se referem os depoimentos dos dois agentes de autoridade presentes na ocorrência, não é com pretensão de esconder o que quer que seja, pois que ambos os depoimentos, vão no sentido de não se ter tratado de nenhuma ato de gravidade, tentando, aliás, ambos mitigarem a responsabilidade do arguido e considerando que tratou-se de ocorrência normal e sem relevo.
V)-A mera análise das declarações do arguido e do depoimento da testemunha, são suficientes para corroborarem a matéria do presente Recurso, consubstanciada com a matéria de Direito que agora se discorre.
W)-Independentemente do enquadramento legal, um crime de Ofensa à Integridade Física, é o mesmo seja no âmbito do Código Penal, seja no quadro de Lei especial. Trata-se de um crime material e de dano.
X)-Vai nesse sentido o Douto Acórdão da Veneranda Relação do Porto, datado do preciso mês em que os factos ocorreram, que, em sumário defende que "O crime de ofensa à integridade física é um crime material e de dano, cujo resultado consiste na lesão do corpo ou da saúde de outrem; por ofensas no corpo deve entender-se, "todo o mau trato através do qual o agente é prejudicado no seu bem-estar físico de uma forma não insignificante";
Y)-O Tribunal a quo, faz questão de notar que esteve atento às alegações da Defesa, quando se alegou que o contacto existente, não assume a dignidade bastante ou suficiente para merecer a tutela penal e, por não ter resultado provado que o ofendido tivesse sentido dor.
Z)-A defesa alegou mais do que isso, alegou que não só não houve dor como o que o pretenso lesado (que expressamente disse não querer ser tido como tal) refere um toque, que não só não lhe trouxeram dor, como qualquer desconforto, ou mau estar.
AA)-Tal descrição é perfeitamente compatível com a argumentária do arguido, que afirma ter tocado no jogador para o acalmar (sendo a própria testemunha que afirma estar exaltada no momento dos factos).
BB)-Vem, em contraponto, o Tribunal a quo, defender que a questão levantada pela defesa não é nova, mas que ficou resolvida com o Assento do Supremo Tribunal de Justiça, de 18 de Dezembro de 1992.
CC)-A questão é que este Assento com 31 anos de existência, e que versava ainda sobre anterior Código Penal, também é lembrado no referido Acórdão do TRL, sendo que os Senhores Desembargadores conheciam o Assento, lembraram-se do mesmo e, ainda assim, afirmaram o que afirmaram e supra transcrevemos, ou seja, que "se trata de um crime material de dano" e que terá que criar mau estar "não insignificante".
DD)-Se fizéssemos a mesma leitura que o Tribunal a quo fez, teríamos que concluir que a Relação do Porto, ao sustentar o que sustentou e, na mesma decisão referir o Assento do STJ, entraria numa contradição.
EE)-Não foi assim, bem pelo contrário, pois uma coisa não contradiz a outra.
FF)-Pondo de outra forma: Porventura alguém que puxe outrem pelo ombro, ainda que provocando dor, procurando evitar que o outro se envolva numa discussão, pratica um crime de OIF? A leitura do Tribunal a quo permitiria concluir que sim.
GG)-Do próprio Aresto dos anos 90 se retira que integra o crime "(...) a agressão voluntária e consciente, cometida à bofetada sobre uma pessoa (...),
HH)-Não é de todo o que sucedeu no caso em apreço, seja por que prisma for, sendo que nem o alegado agressor e muito menos o alegado agredido, referem algo relevante ou sequer injuriante que tenha ocorrido, estando longe de uma agressão, livre e consciente, com um "animus nocendi" cometido à bofetada sobre uma pessoa, extrapolou aqui o Tribunal, um animus que não se provou e não se provando, para além de não ter existido qualquer tipo de dano, quase nem sido sentido o "toque", não houve prova de nenhuma vontade de agredir seja quem fosse.
II)-No dizer do próprio "ofendido" sentiu o toque, o que claramente afasta a tal agressão voluntária, sendo aliás, totalmente compatível, com versão do arguido que procurou acalmar ânimos já exaltados, num jogo em que estava o seu próprio filho.
JJ)-Acresce o facto determinante da testemunha que seria a vitima, referir que sentiu um toque, um impacto, mas que nem se apercebeu do que se tratava, nem referindo qualquer desconforto, quanto mais mau-trato, terá que ser a pedra angular da decisão.
KK)-Repristinando a decisão da Veneranda Relação do Porto, em que o crime de Ofensa à Integridade Fisica é um crime material e de dano, sendo que a ofensa ao corpo deve ser entendida como todo o mau-trato através do qual o agente é prejudicado no seu bem-estar fisico de uma forma não insignificante.
LL)-De uma forma ou de outra, teria que ter havido um animus nocendi que o Tribunal deu necessariamente como provado, sem encontrar provas que o sustentassem.
MM)-Com a sua decisão violou o Tribunal o artigo 127.° do CPP, na medida em que formou a sua convicção com liberdade excessiva ao decidir contra as provas apresentadas, nomeadamente dando como provado um animus nocendi, que em nenhum momento probatório se encontrou verificado.
NN)-Ao agir assim, violou igualmente o Tribunal a quo, Principio in dubio pro reo, plasmado no n.° 2, do artigo 32.° da Constituição da República Portuguesa, tratando-se de um principio geral do direito processual penal, sendo a expressão, em matéria de prova, do principio constitucional da presunção de inocência do arguido, que neste processo foi violando de forma reiterada e sucessiva, sendo que sumariamente tendo o Tribunal dúvidas deve julgar a favor do réu e não o fez.
OO)-Violou o Tribunal a quo o Principio da
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT