Acórdão nº 2554/05 de Tribunal da Relação de Coimbra, 10-01-2006

Data de Julgamento10 Janeiro 2006
Número Acordão2554/05
Ano2006
Órgão Tribunal da Relação de Coimbra
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I – RELATÓRIO

1.1. - A Autora – A... – instaurou na Comarca de Leiria acção declarativa, com forma de processo sumário, contra a Ré – B....
Alegou, em resumo:
No dia 20/6/02, quando o seu filho circulava na auto-estrada A1, no sentido sul/norte, com o veículo de matrícula 40-50-EL, de que é proprietária, embateu num animal de raça canina que inopinadamente se atravessou na via, acabando por despistar-se, sofrendo danos patrimoniais.
A responsabilidade do acidente é imputável à Ré, por não ter acautelado, como era seu dever, a possibilidade de aparecimento de qualquer animal na via, mantendo as vedações da dita AE em bom estado.
Pediu a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de 7.859,05 €, acrescida de juros, à taxa legal em vigor, desde a data da citação e até efectivo reembolso.
Contestou a Ré, defendendo-se por impugnação, ao alegar que ao longo da A1 efectua vigilância constante, através das suas patrulhas de oficiais mecânicos e através de um departamento denominado “Obra Civil”, tanto das vedações que se encontram espalhadas pelas mesmas, como na detecção e verificação de situações anómalas, pondo termos às mesmas. Junto ao local do aludido embate existe uma vedação que à altura se encontrava em bom estado de conservação.
Concluiu pela improcedência da acção e requereu a intervenção acessória da C..., para quem transferira a sua responsabilidade.
Admitido o chamamento, contestou a interveniente, pedindo a improcedência da acção.
No saneador afirmou-se a validade e regularidade da instância.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença a condenar a Ré a pagar à Autora a quantia de € 7.859,05, acrescida de juros de mora, à taxa de 4% ao ano, desde a citação e até efectivo pagamento.
1.2. – Inconformadas, recorreram de apelação a Ré B... e a interveniente C....

1.2.1. - Apelação da Ré B... – súmula das conclusões:
1º) – Ficou provado que a recorrente efectuou na data do sinistro o patrulhamento, como sempre o faz, das auto-estradas sob a sua jurisdição, durante 24 horas por dia.
2º) - E que nada foi detectado, até momentos antes do sinistro, durante esses patrulhamentos qualquer cão na via, quer pela patrulha da B... quer pela GNR-BT, igualmente nos seus patrulhamentos;
3º) - Que não foi detectado por ninguém, em momentos posteriores ao acidente, qualquer cão no local ou nas imediações do acidente;
4º) - A sentença recorrida considera como provado que a vedação estava em bom estado de conservação;
5º) - Reportando-nos, em particular, ao versado na douta P.II o canídeo foi atropelado pelo rodado do veículo, tendo o mesmo ficado enrolado sob o mesmo (art° 13° da p.i.),
6º) - Quando a versão das testemunhas arroladas pela A., Fernando de assunção Costa (cassete n° 1, lado B, da volta 817 à volta 1699) e Gonçalo Guerreiro Pizarro de Sampaio e Melo condutor e filho da A. - cassete n° 2, lado A, da volta 000 à volta 1660), não corroboraram tal versão, uma vez que os mesmos no seu depoimento disseram que o cão não tinha sido atropelado pelo EL, mas que o condutor se tinha desviado, e por tal entrou em despiste.
7º) - Destes depoimentos e versão da A. existe pois uma contradição insanável, pelo que tal bastaria para que não fossem dado como provados os pontos 4° e 5° da Base instrutória - pontos 12 e 13° da Sentença.
8º) - Perante, tudo o que supra se referiu, não se pode levar a crer que por culpa da B..., se deu o acidente dos presentes autos.
9º) - No caso vertente importa referir que ninguém sabe como surgiu o cão na AE, e mesmo que a A. o soubesse, tendo o mesmo originado os danos que o veículo sofreu, não se vislumbra, ainda assim, um facto ilícito cometido pela B...,
10º) - Pois, não impede sobre a mesma, nem decorre do D.L. n° 294/97 de 24 de Outubro, a obrigação de a todo o tempo e em toda a extensão da auto-estrada assegurar que não existe qualquer obstáculo que possa dificultar ou pôr em perigo a circulação automóvel.
11º) - Tão somente se exige que em termos razoáveis, em tempo oportuno e de modo eficaz, a B... assegure a boa circulação nas auto-estradas concessionadas, fazendo as reparações devidas, mantendo uma vigilância permanente (esta em termos realistas).
12º) - Ora a douta Sentença peca por defeito dando como provada a matéria supra referida para, posteriormente, considerar que tais factos não afastam a falha concreta das condições de segurança específicas da auto-estrada, a concessionária encarregada da vigilância dessas condições e da sua permanente eficácia, responde pelos danos que estejam numa relação causa efeito com essa falha de segurança, salvo se provar que não houve culpa sua pelo facto de o animal ali surgir.
13º) - A douta sentença recorrida não pode extrair "in casu" a culpa da B..., tendo sido dado como provado as respostas aos quesitos 11 a 16, e, posteriormente, vir dizer que "(...) a simples presença de um animal na auto-estrada é uma anomalia que faz presumir a culpa do encarregado da vigilância da coisa.."
14º) - Muito menos pode o tribunal "a quo" estabelecer a aplicabilidade do estatuído no art° 493° n° 1 do C.C., pois o seu regime só opera perante danos causados pelo imóvel, não no imóvel.
15º) - E como provado está, igualmente, que a Ré tem ao seu dispor meios efectivos de fiscalização que são compostas por veículos automóveis da B... que constantemente, 24 horas sobre 24 horas, circulam pelas várias auto-estradas do país, compreendidas no contrato de concessão, a fiscalizar, a verificar e a solucionar eventuais problemas que surjam e a prestar assistência aos demais utentes dessas mesmas auto-estradas.
16º) - A douta sentença de todo pode presumir da culpa e prática de facto ilícito por parte da Ré B..., pelo que atrás foi referido.
17º) - Não podendo a douta sentença recorrida extrair "in casu" a culpa da B...., uma vez que nada se sabe quanto à origem do aludido "obstáculo", às condições e modo por que surgiu na via ou ao momento em que ali apareceu, logo, é manifesto que não é possível concluir-se que a B... podia, em tempo útil, ter removido tal obstáculo, e, assim, ter evitado o acidente.
18º) - Lendo-se as Bases anexas, Decreto-Lei n° 294/97 de 24 de Outubro, fácil é concluir que a responsabilidade da R. B... será civil extra-contratual subjectiva;
19º) - Esta regula-se unicamente pelo princípio geral contido no arts 483 e 487 nº1 do Código Civil.
20º) - A douta Sentença, ora recorrida, ao contrário das regras da responsabilidade extra -contratual entendeu que caberia à Ré B... o ónus da prova.
21º) - A A. deveria ter alegado e provado, o que não o fez, o nexo causal entre o facto ilícito e o dano, bem como a culpa da B..., para que a douta Sentença, ora recorrida, pudesse vir a condenar, como o fez, a Ré B....
22º) - Nos presentes autos, apenas se provou que houve danos no veículo automóvel da A. mas não se provou a culpa da Ré B..., dado que a douta sentença recorrida considerou que caberia a esta última ilidir a presunção de culpa.
23º) - Não ficou, portanto, provado que a conduta da Ré, B..., tenha sido culposa e ilícita.
24º) - Concluindo a douta Sentença do tribunal "a quo", ora recorrida, pela condenação da Ré B..., violou as regras da responsabilidade extra-contratual, uma vez que não seria a ora apelante, que competia ilidir a presunção de culpa que sobre ela impedia, mas precisamente o contrário, deveria ter sido o lesado a provar a culpa do autor da lesão.
25º) - Violou, igualmente a douta sentença, ora recorrida, a Base anexa do Decreto-Lei n° 294/97 de 24 de Outubro, nomeadamente, o n° 1 da Base XLIX onde se estabelece que "Serão da inteira responsabilidade da concessionária todas as indemnizações que nos termos da lei sejam devidas a terceiros em consequência de qualquer actividade decorrente da concessão".
26º) - Querendo isto tão somente dizer que e apenas o seguinte: por um lado, que pelos prejuízos causados a terceiros, em consequência da construção, conservação e exploração das Auto-Estradas referida na Base citada ao Decreto-Lei n0294/97 de 24 de Outubro, o Estado nunca responde, mas sim a concessionária (pelas indemnizações decorrentes da concessão, domínio onde a responsabilidade é normalmente do Estado, a responsabilidade transfere-se para a concessionária); e por outro lado, a responsabilidade de indemnizar terceiros apenas caberá à concessionária desde que, pelos mecanismos da lei geral, tal dever de indemnizar exista.
27º) - Ora, em matéria de acidentes de viação ocorridos na auto-estrada, por motivo de entrada de animal na faixa de rodagem, arremesso de pedras ou lençóis de água, a Jurisprudência dos nossos mais Altos Tribunais inclina-se decisivamente para uma responsabilidade extra-contratual por factos ilícitos.

1.2.2. - Apelação da interveniente C... – conclusões:
1º) - No que concerne à matéria de facto, desde logo se diga que, v.g., com base nos depoimentos das testemunhas arroladas pela própria A, Fernando Assunção Costa (vide cassete n. 1, lado B, da volta 817 à volta 1699) e Gonçalo Guerreiro Pizarro de Sampaio e Melo (Vide cassete n. 2, lado A - da volta 000 à volta n. 1660 do lado A), e como consta da participação elaborada pela GNR que tomou conta da ocorrência, e junta aos autos também pela A com a p.i. (vide documento não numerado, mas situado entre o n. 2 e o n. 3) que tem que ser dado como provado o ponto 2 A da matéria de facto, aditado à base instrutória na sequência de reclamação apresentada pela seguradora "Fidelidade - Mundial", onde se pergunta a hora a que ocorreu o sinistro:
"Quando eram 23 horas?" - a resposta, pelo que supra ficou dito, só pode ser "provado".
2º) - Por outro lado, deviam ser dados como não provados os factos constantes dos pontos 4° e 5° da base instrutória (eliminando-se os pontos 12 e 13 dos factos provados, que lhes correspondem) e que correspondem ao alegado pela A nos art.s 12° e 13° da sua petição.
3º)
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