Acórdão nº 2541/19.7T8STB.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 06-04-2021

Data de Julgamento06 Abril 2021
Case OutcomeNEGADA
Classe processualREVISTA
Número Acordão2541/19.7T8STB.E1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça – 1.ª Secção[2]:



I. Relatório


AA e esposa BB, esta representada por aquele, seu tutor por ter sido declarada interdita, instauraram, em 10/4/2019, acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra CC, então menor, representada por sua mãe DD, pedindo que seja “declarada a nulidade da escritura de doação, bem como asinscrições no registo e eventuais registos subsequentes feitos”.

Para tanto, alegaram, em resumo, que:

Por escritura pública de 20/4/2016, doaram à sua neta CC um prédio misto sito na ....

Nessa data, atravessavam uma fase complicada, estando o autor afectado psicologicamente com problemas de saúde associados à sua esposa, a qual não se encontrava na posse de todas as faculdades mentais, vindo a ser decretada a sua interdição definitiva e fixado o início da sua incapacidade no ano de 2016, por sentença de 26/9/2018.

Está arrependido de ter feito tal doação, pois, com ela, acabou por prejudicar o outro seu neto, EE.


A ré contestou, por impugnação motivada e por excepção.

Alegou, em síntese, que a doação foi celebrada de livre e espontânea vontade, em cumprimento de um desejo manifestado pelo seu pai e filho dos Autores, com quem manteve sempre um relacionamento muito próximo.

À data da celebração da escritura, a autora estava na totalidade das suas faculdades mentais e o autor João actua com abuso de direito e deduziu pretensão cuja falta de fundamento não podia, nem devia ignorar, pelo que peticionou a sua condenação em multa e indemnização como litigante de má-fé.

Concluiu pela improcedência da acção, com a consequente absolvição do pedido, e pedindo a condenação do autor como litigante de má fé.


Na audiência prévia realizada, foi proferido despacho saneador tabelar, foi identificado o objecto do litígio e foram enunciados os temas de prova, sem reclamações.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, onde se decidiu:

“Com os fundamentos de facto e de direito supra expostos, julga-se procedente, por provada a presente acção e, em consequência:

a) Declara-se a anulação da doação do prédio misto sito na ..., na freguesia e concelho ..., composta a parte rústica de cultura arvense, olival e citrinos, inscrito na respetiva matriz sob o artigo …..46. da secção …, com o valor patrimonial de 7,80€ e atribuído de onze euros e quarenta cêntimos, e a parte urbana de edifício de rés-do-chão, para habitação e garagem, inscrito na respetiva matriz sob o artigo …...68., com o valor patrimonial de 7,80€ e atribuído de quarenta e dois mil e setecentos euros, descrito na conservatória do registo predial .... sob o número oitocentos e setenta e oito, da citada freguesia, celebrada em 20.04.2016 no Cartório Notarial .... Notária FF pelos Aurores AA e BB a favor de CC;

b) Determina-se o cancelamento do registo da aquisição, por doação, do prédio referido na antecedente alínea a),

c) Não se determina a condenação do Autor AA como litigante de má-fé”.


Inconformada, a ré interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora que, por acórdão de 3/12/2020, julgou a apelação procedente e revogou a sentença recorrida, absolvendo a ré do pedido.


Não conformados, desta feita, os autores interpuseram recurso de revista e apresentaram a respectiva alegação com as seguintes conclusões:

“A) O Douto Tribunal “a quo” apesar de toda a factualidade dada como provada, a saber:

(segue-se a reprodução da factualidade provada nos n.ºs 18 a 20, 24 a 33 e 36, alguma repetida e outra sem constar dentre aquela factualidade, ocupando três páginas, que nada têm de sintético, em manifesto incumprimento do preceituado no art.º 639.º, n.º 1, do CPC, pelo que não se reproduzem aqui);

B) O Douto Tribunal “a quo” entendeu absolver a ré/ora recorrida.

C) Apesar de ter entendido que a matéria constante do supra referido n.º 36 deveria ser considerada não escrita, impunha-se decisão diferente face a toda a demais matéria dada como provada.

D) Ora, ao contrário do propugnado pelo Tribunal “a quo” entende(m) os autores/ora recorrentes que a matéria do supra referido n.º 36 não é conclusiva, nem traduz uma antecipação do conceito normativo de incapacidade acidental.

E) Aliás, o Tribunal de primeira instância expressou que no que tange à factualidade vertida em 36), a mesma decorre da conjugação da factualidade vertida em 18) a 21) e 24) a 34) factualidade que não foi reapreciada pelo Douto Tribunal “a quo”, por carecer de todos os elementos necessários para tal, improcedendo a apelação nessa parte.

F) Aliás, citando as palavras vertidas no Acórdão da Relação de Évora quanto à justificação para tal modificação, o mesmo queda-se com formulações abstratas, sem qualquer tipo de concretização.

G) Assim, do que vimos de expender, podemos afirmar com meridiana clareza que, a matéria de facto elencada naquele n.º 36, corresponde a um verdadeiro facto, só não o sendo na ótica do Acordão…

H) Ora o Tribunal de primeira instância expressou na sua sentença que a prova “stricto sensu” não impede que o tribunal forme a sua convicção com base na probabilidade estatística da realidade do facto.

I) Ademais, foi intentada a ação concreta em que se alegaram factos necessários e suficientes à procedência do pedido de anulação da doação.

J) Assim, atento o quadro circunstancial supra referido e em função do “grau” de prova exigível aos autores isto é, na medida da convicção que é necessária para que o tribunal possa julgar determinado facto como provado – face á prova produzida, pode afirmar-se que à data da outorga da escritura de doação a autora/ora recorrente não se encontrava na plenitude das suas faculdades intelectuais, mentais e cognitivas que lhe permitissem entender o sentido da sua declaração negocial.

K) Pelo que não podem colher os argumentos do Tribunal “a quo”, ao dizer que a autora BB não pode ser, sem mais, considerada como afetada, à data da realização da doação, de doença psicológica impeditiva de aquilatar do sentido da declaração emitida, acrescentando ainda que não poderia a mesma ser tida como portadora de incapacidade acidental, quando os factos apurados respaldam o contrário.

L) Por essa razão, entendemos ser a matéria de facto provada suficiente para, como bem afirmou a sentença do Tribuna de primeira instância, determinar a anulação da doação outorgada pelos autores/ora recorrentes nos termos do art. 257.º do C.C..

Assim, nestes termos e nos melhores em Direito aplicáveis, e sempre com o Mui Douto Suprimento de Vossas Excelências, deve ao presente recurso ser dado provimento, revogando-se a decisão recorrida proferida pelo Tribunal da Relação de Évora, mantendo-se a Douta Sentença do Tribunal da primeira instância.

Fazendo-se desse modo a já acostumada e sã Justiça.”


Não foram apresentadas contra-alegações.


O recurso foi admitido como de revista.

No despacho limiar, o Relator, fixou-lhe o efeito meramente devolutivo, mantendo a forma de subida, não fixados.

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir o mérito do presente recurso.

Sabido que o seu objecto e âmbito estão delimitados pelas conclusões dos recorrentes, nos termos dos art.ºs 635.º, n.os 3 a 5 e 639.º, n.º 1, ambos do CPC, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excepcionais de conhecimento oficioso e tendo presente que se apreciam questões e não razões, as questões que importa dirimir consistem em saber:

1. Se houve erro na exclusão da matéria do n.º 36 da fundamentação de facto, ao ser considerada conclusiva;

2. E se a autora/recorrente se encontrava, no momento da doação, acidentalmente incapacitada de entender o sentido dela, por forma a obter a sua anulação.


II. Fundamentação

1. De facto

O tribunal recorrido (tal como já o havia feito o tribunal da 1.ª instância) considerou provados os seguintes factos:

1) Os Autores casaram em 24.12.1962, sem convenção antenupcial e tinham um filho, GG, que veio a falecer com 44 anos, em 4 de Novembro de 2013.

2) O falecido filho, GG, casou com HH em 20 de setembro de 2012.

3) Do matrimónio referido em 2) resultou um filho, EE nascido em 25.01.2013.

4) O falecido filho GG antes de contrair matrimónio com HH, teve uma filha de uma anterior relação, CC.

5) CC nasceu em 08.05.2002 e é filha de GG e DD.

6) No dia 20.04.2016, no Cartório Notarial ... Notária FF, os Autores, mediante escritura pública de doação declararam doar a favor da sua neta CC, por conta da quota disponível, o prédio misto de que eram proprietários, sito na ..., na freguesia e concelho ..., composta a parte rústica de cultura arvense, olival e citrinos, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ... da secção …, com o valor patrimonial de 7,80€ e atribuído de onze euros e quarenta cêntimos, e a parte urbana de edifício de rés-do-chão, para habitação e garagem, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ....46, com o valor patrimonial de 7,80€ e atribuído de quarenta e dois mil e setecentos euros, descrito na conservatória do registo predial ... sob o número ……..68, da citada freguesia, com a aquisição registada a seu favor pela inscrição correspondente à apresentação número dois de dez de outubro de mil novecentos e noventa.

7) À doação referida em 6) os Autores declararam atribuir o valor global de quarenta e dois mil e setecentos e onze euros e quarenta cêntimos.

8) À data da doação ultrapassavam os Autores uma fase muito complicada, encontrando-se abalados com a morte do seu filho.

9) Desde pelo menos um ano após o falecimento do seu filho, que os Autores manifestavam a vontade de doar à sua neta CC o prédio misto sito na ..., uma vez que era um local em relação ao qual a menor tinha muitas recordações do pai, por ser um local muito frequentado por ambos, não só durante a relação entre o falecido filho dos Autores com a mãe da menor, mas também depois disso e igualmente por serem conhecedores de que essa era a...

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