Acórdão nº 2540/22.1JAPRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 31-01-2024

Data de Julgamento31 Janeiro 2024
Case OutcomeNEGADO PROVIMENTO.
Classe processualRECURSO PENAL
Número Acordão2540/22.1JAPRT.P1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça



Processo n.º 2540/22.1JAPRT.P1.S1.


(Recurso)


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Acordam, em Conferência, na 5.ª Secção Criminal, do Supremo Tribunal de Justiça


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I. Relatório


1. Por acórdão, de 17.04.2023, do Juízo Central Criminal … (JCC…) – J ., do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, foi o arguido AA, com os demais sinais dos autos, condenado, nos termos do seguinte dispositivo, que se transcreve na parte que ora releva:


«(…) A- Julgar o arguido AA autor material e na forma consumada de um crime de homicídio qualificado agravado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 131º, 132º, n.º 2, al. i) do Código Penal e 86º, n.º 3 da Lei das Armas, condenando-o na pena de 19 (dezanove) anos e 6 (seis) meses de prisão.


B- Julgar o arguido AA autor material e na forma tentada de um crime de homicídio qualificado agravado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 131º, 132º, n.º 2, al. i) do Código Penal e 86º, n.º 3 da Lei das Armas, condenando-o na pena de 8 (oito) anos de prisão.


C- Julgar o arguido AA autor material e na forma consumada de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, n.º 1, al.s c) e e) da Lei n.º 5/2006 de 23.02 e, consequentemente, condena-o na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.


D- Julgar o arguido AA autor material e na forma consumada de um crime de roubo qualificado na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 210º, n.º 1 e 2, al. b), por referência ao artigo 204º, n.º 2, al. f) do Código Penal, condenando-o na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.


E- Em cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas em A) a D), condenar o arguido na pena única de 25 (vinte e cinco) anos de prisão.


(…)».


2. Inconformado, interpôs o referido arguido, em 19.05.2023, recurso para o Tribunal da Relação do Porto (TRP), que, por acórdão de 27.09.2023, o julgou parcialmente procedente, nos termos do seguinte dispositivo, que igualmente se transcreve:


«Face ao exposto, acordam os juízes da 2.ª Secção Criminal (4ª Secção Judicial) deste Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a impugnação da decisão de facto deduzida pelo arguido AA e, quanto ao mais, concedendo parcial provimento ao recurso pelo mesmo interposto, fixar a pena única resultante dos crimes em concurso em 21 anos e 6 meses de prisão, mantendo-se no restante a decisão recorrida».


3. Ainda inconformado, interpôs o arguido AA, em 27.10.2023, recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), apresentando as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição):


«CONCLUSÕES


I. A discordância do arguido prende-se com três aspetos:


a) A não aplicação do regime especial para jovens


b) A aplicação da qualificativa da alínea i) do n.º 2 do artigo 132.º do código penal


c) A medida das penas parcelares e da pena única que se mostram exageradas e desproporcionais


A - Da não aplicação do regime especial para jovens


II. À data da prática dos factos, o arguido tinha 17 anos, pelo que a lei impõe ao Tribunal que pondere a aplicação ou não deste regime especial.


III. É um facto que a aplicação deste regime não é obrigatória e muito menos automática; Porém, a aplicação do regime penal relativo a jovens entre os 16 e os 21 anos, não deixa de ser o regime-regra de sancionamento penal aplicável a esta categoria etária, não se fundando e nem exigindo uma diminuição acentuada da ilicitude e da culpa do agente (neste sentido, entre outros, os acórdãos do STJ de 03/03/2005 e de 11/04/2007, in http://www.dgsi.pt).


IV. Tendo presente o percurso de vida do recorrente AA não menosprezando a gravidade da sua conduta, as consequências gravíssimas que teve e o alarme social, deverá ser-lhe aplicado o regime penal dos jovens, evitando uma reação penal demasiado severa na fase de desenvolvimento e amadurecimento da sua personalidade.


V. Nunca é demais referir que quando praticou os factos tinha completado 17 há um mês; está em plena fase de construção da sua personalidade e não pode deixar de se considerar possível e viável a ressocialização de alguém tão jovem.


VI. O relatório social do arguido não sendo o desejável, permite aferir uma possibilidade de fazer um juízo de prognose favorável à sua reinserção social, totalmente aconselhável em face da juventude e do percurso do arguido até à presente data.


VII. Naturalmente que face à gravidade dos factos em causa, o arguido terá necessariamente de cumprir tempo de reclusão; O que se pretende na situação do AA é que a aplicação do regime especial para jovens, permita a diminuição da moldura penal em causa, e que não lhe “mate” qualquer possibilidade de um dia ser alguém que vive de acordo com o Direito e as regras em sociedade.


VIII. Condenar um jovem de 17 anos a 21 anos e 6 meses de cadeia – muito mais do que o seu tempo de vida é claramente segrega-lo de forma quase definitiva da sociedade e impedir que algum dia possa estar ressocializado - Pelo que mal andou o Tribunal ao não aplicar ao arguido o regime especial para jovens delinquentes.


B – Quanto à qualificativa da alínea i) do n.º 2 do artigo 132.º do CP:


IX. O arguido foi condenando pela prática de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelo artigo 132.º n.º 2 alínea i) do CP.


X. A qualificativa prevista na alínea i) do artigo 132º do CP refere-se à utilização de “veneno ou outro meio insidioso”.


XI. Resultou provado que o arguido cometeu o homicídio com recurso a uma arma de fogo.


XII. A doutrina e a jurisprudência são unanimes em excluir as armas da alínea i) do artigo 132º do CP.


XIII. Resulta assim cristalino que a qualificativa da alínea i) do artigo 132º do CP não pode operar nos presentes autos.


XIV. Resta a qualificativa do nº 3 do artigo 86º da Lei das Armas que implica que a pena mínima e máxima aplicável ao crime, é aumentada de 1/3, pelo que a moldura penal aplicável seria de 10 anos e 6 meses a 21 anos e 3 meses.


C - Da medida das penas parcelares e da pena única


XV. Pelo homicídio de que foi vítima BB, o tribunal aplicou ao arguido uma pena de 19 anos e 6 meses; Pela tentativa de homicídio 8 anos de prisão; Pela tentativa de roubo 3 anos e 6 meses e pela detenção de arma proibida 1 ano e 6 meses de prisão.


XVI. Em cúmulo 21 anos e 6 meses de prisão.


XVII. O recorrente não aceita cada uma das penas concretas parcelares em que foi condenado, porquanto as mesmas ultrapassam a medida da culpa.


XVIII. Analisada a decisão recorrida, designadamente no que toca com a determinação das penas concretas para cada crime, importa apontar que o tribunal sopesou minguadamente as circunstâncias favoráveis que recaem sobre o recorrente.


XIX. Com efeito, a decisão recorrida, apenas dá enfoque às circunstâncias que clamam por necessidades de prevenção geral e especial, sendo praticamente omissos os factos que contendem com as atenuantes que militam a favor do recorrente.


XX. Desde logo, importa enfatizar que o recorrente se apresentou voluntariamente na PJ do Porto; (veja-se despacho de 1º interrogatório perante JIC).


XXI. Não possui antecedentes criminais.


XXII. Tem o apoio incondicional da sua família, que é fundamental, em especial tratando-se de um jovem ainda em formação.


XXIII. Face ao exposto, não obstante as necessidades de prevenção geral e especial que o caso dos autos convoca, somos do entendimento que as penas parcelares aplicadas ao recorrente são excessivas e ultrapassam a medida da culpa.


XXIV. Assim, pugna-se pela aplicação ao recorrente de uma pena de 14 anos de prisão pelo crime de homicídio consumado


XXV. Quanto ao crime de homicídio na forma tentada, pugna-se pela aplicação de uma pena de 5 anos de prisão (tendo em conta que o mínimo é 2), -adequada ao caso dos autos.


XXVI. Quanto ao crime de roubo qualificado na forma tentada, considerando que o limite mínimo da moldura penal é de 9 meses, uma pena de 1 ano e 6 meses de prisão seria a justa e adequada.


Quanto ao crime de detenção de arma proibida:


XXVII. O recorrente foi condenado pela prática de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, al. c) da Lei n.º 5/2006 de 23 de fevereiro, na pena de 1 ano e seis meses de prisão.


XXVIII. O tribunal a quo convoca o facto do recorrente ter cometido um crime com arma de fogo - “Na verdade, não pode escamotear-se o facto de o arguido cometer o crime de homicídio consumado e tentado usando, para o efeito, a aludida arma, na linha de um quadro de actuação de violência, que perpetua, usando a mesma arma, para a prática do crime de roubo” para afastar a aplicabilidade da pena de multa e encontrar a pena concreta a aplicar.


XXIX. Relembra-se que o recorrente foi condenado por um crime de homicídio qualificado consumado, com a agravação do artigo 86º, da Lei n.º 5/2006 de 23 fevereiro.


XXX. A qualificação do crime de homicídio nos termos do aludido artigo 86.º, visa punir o cometimento do crime com recurso a uma arma proibida traduzindo uma reação do legislador à proliferação de condutas criminosas praticadas com armas, pelo que na dosimetria da medida concreta a aplicar ao recorrente pelo crime de detenção de arma proibida, não pode servir de agravante o facto de este ter cometido o crime de homicídio com recurso a arma de fogo.


XXXI. No caso o tribunal faz uma dupla agravação da conduta do recorrente pela detenção e usa da arma de fogo, i.e.: qualifica o crime de homicídio pelo artigo 86.º da Lei n.º 5/2006 e, nessa medida aumenta os seus limites mínimos, e ainda agrava o crime de detenção de arma proibida pelo facto de ter sido cometido um crime com uso da arma ilegalmente detida.


XXXII. Destarte entende o recorrente que a decisão ora colocada em crise viola o princípio da proibição da dupla valoração, ínsito no artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal, nos termos do qual não devem ser utilizadas pelo juiz para determinação da medida...

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