Acórdão nº 2536/20.8T8VFR-A.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 23-05-2024

Data de Julgamento23 Maio 2024
Número Acordão2536/20.8T8VFR-A.P1
Ano2024
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo n.º 2536/20.8T8VFR.P1
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro
Juízo Local Cível de Santa Maria da Feira – Juiz 1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:


I. RELATÓRIO

Apresentada relação de bens nos autos de inventário em que é cabeça de casal AA, foram deduzidas reclamações à mesma pelos interessados BB e CC.

Quanto ao bem imóvel relacionado como verba n.º 12 - prédio urbano, destinado a indústria e com uma casa de habitação aí implantada, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o nº ...05 de ... e inscrito na matriz respectiva sob o artigo ...83º -, o interessado CC reclamou a sua exclusão da relação de bens, alegando ser ele o proprietário do mesmo, apesar de tal não coincidir com o registo predial.

Instruídas as reclamações, foi proferida decisão que, quanto à referida verba n.º 12, determinou a sua exclusão da relação de bens e a remessa dos interessados para os meios comuns, com fundamento em que “...a questão incidental suscitada pelo reclamante CC, face à sua complexidade e à prova a produzir, não pode, nem deve ser decidida em sede de inventário, devendo as partes, no que a essa matéria respeita, ser remetidas para os meios comuns, onde, com maior amplitude e maiores garantias de prova e justiça, deverão discutir e fazer prova de tudo quanto alegam”.

Refere ainda a mesma decisão que “Ponderando a questão a discutir e o estado em que se encontram estes autos, não se mostra necessária a suspensão desta instância até resolução definitiva da propriedade da verba, devendo os mesmos prosseguir”.

Inconformada com tal decisão, na parte em que não determinou a suspensão da instância do processo de inventário, dela interpôs a cabeça de casal AA recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões:

I-O objecto do presente recurso, prende-se com a circunstância de o Tribunal a quo, no douto despacho que ora se recorre, entender que não se mostra necessária a suspensão da instância, até resolução definitiva da propriedade da verba n.º 12, e cuja discussão deverá ser apreciada em ação própria a intentar nos meios comuns.

II- Resulta do teor do despacho recorrido: que não se mostra necessária a suspensão da instância até à resolução definitiva da propriedade da verba, devendo os mesmos prosseguir .

III- Foram apresentadas reclamações à relação de bens, nomeadamente pelo interessado que veio requerer a exclusão da verba n.º 12, por alegar que é o proprietário de tal prédio urbano.

IV- A recorrente/cabeça de casal através de resposta, impugnar tais factos, alegando que a verba n.º 12 pertence ao acervo hereditário a partilhar.

V- A Meritíssima Juíza do Tribunal a quo concluiu através do despacho recorrido que: para decidir se determinada questão relacionada com os bens que integram a herança com segurança e consciência, há necessidade de uma larga, aturada e complexa indagação, que não se compadece com uma instrução primária, deverá remeter as partes para os meios comuns, conforme o disposto no artigo 1093.º do Código de Processo Civil.

VI- Consequentemente, entendeu ainda que: não se mostra necessária a suspensão da instância até resolução definitiva da propriedade da verba, devendo os mesmos prosseguir .

VII- E, é aqui que reside o ponto da nossa discordância, não se conformando a recorrente com esta decisão que não determinou a suspensão da instância até à resolução definitiva da questão da propriedade que se coloca quanto à verba n.º 12 da relação de bens.

VIII- A douta decisão contida no despacho que ordenou a remessa para os meios comuns quanto à verba n.º 12 não merece qualquer reparo por parte da recorrente, cabeça de casal.

IX- Salvo o devido respeito, por opinião diversa, entende a recorrente/ cabeça de casal que, andou mal o Tribunal a quo , quanto à parte final do despacho proferido, e que, contrariamente ao ali decidido, deveria ter suspendido a instância no âmbito dos autos do processo de inventário, até estar decidida a ação (remetida para os meios comuns), à questão da propriedade da verba n.º 12.

X- Com efeito, aqui reside o busílis da questão.

XI- É verdade que, resulta da nossa lei a possibilidade de ser realizada uma partilha parcial, podendo posteriormente, existir uma partilha adicional de bens que ou forma omitidos, ou que se verifiquem pertencer ao acervo hereditário a partilhar.

XII- Entende a aqui recorrente que a titularidade dos bens relacionados no âmbito do processo de inventário, tem incontornável influência na partilha da herança e, pode alterar os direitos dos interessados diretos na partilha.

XIII- “Esperar” que a partilha aguarde uma decisão sobre a questão controvertida (discussão sobre a propriedade), vai ter uma enorme influência na definição dos direitos dos interessados, na composição de quinhões, licitações, adjudicações, conferência e partilha dos bens.

XIV- A questão da discussão da propriedade da verba n. 12, por ser complexa quer do ponto de visto da matéria de facto, quer do ponto de vista da matéria de direito, foi remetida para os meios comuns, porquanto, é de todo impossível resolver a questão no âmbito do processo de inventario.

XV- Salvo sempre o devido respeito, crê a recorrente/cabeça de casal, que estamos perante uma causa prejudicial que implica a suspensão do processo de inventário,

XVI- Resultando expressamente do disposto no artigo 1093.º da lei 117/2019 de 13 de setembro, conjugado com o art.º 272.º do Código de Processo Civil, a faculdade de suspender a instância, (no âmbito do processo de inventário), quando se verifique uma questão prejudicial.

XVII- Uma causa é prejudicial no processo de inventário quando nela se discute uma questão de que depende a admissibilidade do processo ou a definição dos direitos dos interessados directos na partilha.

XVIII- Segundo o professor Doutor José Alberto dos Reis Comentário..., 3º, 272, "A razão de ser da suspensão por pendência de causa prejudicial é a economia e coerência dos julgamentos".

XIX- Para o Prof. Doutor José Alberto dos Reis, o artigo 272º do C.P.C é aplicável ao processo de inventário, quer na segunda parte do respectivo nº 1, quer na primeira, Posto que o inventário tenha feição sui generis, há nele um acto que corresponde precisamente à sentença a proferir nas acções declarativas: é o despacho determinativo da partilha. (…) E pode dar-se o caso de estar pendente acção cujo julgamento possa prejudicar a decisão de questões pendentes no inventário, que devam ser resolvidas no referido despacho.

XX- De maneira que o artº 272 º do C.P.C conjugado com o art.º 1093.º da lei 117/2019 de 13 de setembro, acomoda-se perfeitamente ao processo de inventário, porque no fundo, a questão a dirimir por si só pode modificar uma situação jurídica que tem, e deve ser considerada para a boa decisão do processo de inventario.

XXI- Foi reclamada por um dos interessados que a verba n.º 12 respeitante a um imovel, é de sua propriedade, tendo alegado entre outras coisas que o inventariado terá celebrado negócio consigo mesmo, invocando ainda que adquiriu o prédio (verba n.º 12), de forma originária através da usucapião.

XXII- A prova que se impõe fazer quanto á questão da propriedade é extremamente complexa, e que requer uma profunda análise e investigação, com recurso a provas minuciosas, complicadas e exaustivas.

XXIV- A prova que se impõe fazer quanto à questão da propriedade é extremamente complexa, e que requer uma profunda análise e investigação, com recurso a provas minuciosas, complicadas e exaustivas.

XXV- Impondo-se forçosamente averiguar se tal bem, (verba n.º 12), faz ou não parte do acervo hereditário a partilhar, ou se por outro lado, tal verba é afinal um bem da propriedade do interessado/reclamante, conforme alega, e ainda se forma realizadas benfeitorias no imovel, impondo-se averiguar qual a sua natureza e valor.

XXVI- O que tem um especial relevo no processo de inventario, alterando significativamente os seus termos, uma decisão sobre as questões controvertidas que se levantam, até mesmo porque, a verba n.º 12 cuja a propriedade é matéria de questão controvertida, é a mais elevada em termos de valor económico.

XXVII- O que desde logo que se conclui que a decisão que recair quanto ao titular da verba, irá influir de uma forma muito relevante a partilha a efetuar nos presentes autos, porquanto, pode alterar significativamente o valor da herança e a composição dos quinhoes de cada um dos interessados.

XXX- Vale isto por dizer que, o que vier a ser decidido na ação a instaurar nos meios comuns, pode ter uma expressão significativa na decisão que for proferida no processo de inventário.

XXXI- Isto é, alterando substancialmente o valor da herança, o mapa da partilha, a composição dos quinhões de cada interessado, e mais pior, é ficarem os interessados com uma sentença homologatória da partilha suspensa, condicionada a uma possibilidade de reabertura do processo de inventario através de uma partilha adicional.

XXXII- Afigura-se de todo conveniente que o processo de inventário aguarde a decisão que vier a ser proferida quanto à discussão da verba n.º 12 da relação de bens.

XXXIII- Pelo que, nos termos do disposto nos artigos conjugados 272.º do C.P.C e 1093.º C.P.C, na redação dada pela Lei nº 117/2019, de 13 de setembro, deverá o Tribunal recorrido, suspender a instância, atendendo a que, a questão da propriedade da verba n.º 12 foi remetida para os meios comuns, podendo a decisão que recair, afetar não só a utilidade pratica da partilha, como o quinhão hereditário de cada um dos interessados.

XXXIV- É indubitável que a verba n.º 12 por ser um bem de grande expressão económica, tem uma significativa influência na partilha, podendo alterar os direitos de cada um dos interessados.

XXXV- Assim, sendo resulta do artigo 1092.º n.º 1 alínea b) do C.P.C na redação dada pela Lei nº 117/2019, de 13 de setembro,...

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