Acórdão nº 250/18.3PEVFX.L1-3 de Tribunal da Relação de Lisboa, 08-09-2021
Data de Julgamento | 08 Setembro 2021 |
Número Acordão | 250/18.3PEVFX.L1-3 |
Ano | 2021 |
Órgão | Tribunal da Relação de Lisboa |
Acordam, em conferência, na 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa
I – RELATÓRIO
1 – Nos presentes autos, a ofendida MFP______, requereu a abertura de instrução na sequência da prolação do despacho final de arquivamento (cfr. fls. 82 a 86), proferido pelo M.P, de harmonia com o disposto no artº 277° n° 2 do Código de Processo Penal, relativamente a factos subsumíveis aos crimes de violação de domicílio e de coacção, p.p., respectivamente, pelos arts. 190° n° 1 e 154°, n° 1°, ambos do Código Penal, alegadamente praticados pelo arguido AC________em 25.9.2019.
Nesse seu requerimento de abertura de instrução a ofendida, opondo-se ao arquivamento, veio defender a existência de indícios suficientes para submeter o arguido a julgamento, invocando razões de discordância relativamente à forma como o inquérito fora conduzido pelo M.P.
Concluiu assim o RAI, requerendo a produção de prova, pugnando pela prolação de despacho de pronúncia do mencionado arguido, pela prática dos crimes acima referidos.
A Srª Juiza do Juízo de Instrução Criminal de Loures – Juiz 1, admitiu a ofendida a intervir nos autos na qualidade de assistente, mas rejeitou o requerimento de abertura de instrução apresentado pela mesma, com base na sua inadmissibilidade legal, porquanto entendeu que o mesmo não continha a descrição dos factos e dos tipos legais e nessa medida a instrução se tornava inexequível (artº 286º e artº 287º/2 a contrario sensu e nº 3 do C.P.P) - cfr fls 132 a 134.
2 – A assistente, MFP______, recorreu desse despacho de rejeição do requerimento de abertura da instrução, proferido em 2/11/2020, terminando a sua motivação com as seguintes (transcritas) conclusões:
I. O presente recurso vem interposto do douto despacho do Mmo. Juiz de Instrução que rejeitou o requerimento de abertura de instrução apresentado pela Recorrente, com o fundamento no mesmo ser legalmente inadmissível e insuprível (art° 286º, n° 1, artº 287, n.ºs 2, a contrario sensu, e n.º 3 do Código de Processo Penal).
II. Porquanto no entender do Meritíssimo Juiz de Instrução, a Assistente no RAI é totalmente omissa na descrição dos factos essenciais subsumíveis aos elementos objectivos e subjectivos dos tipos criminais cujos indícios afirma existirem e que imputa ao Denunciado, o crime de coacção e de violação de domicílio, p.e.p nos artigos, respectivamente, 154°, n.° 1 e 190° , n.° 1 do Código Penal.
III. Salvo o devido respeito, o RAI apresentado preenche todos os requisitos legalmente previstos.
IV. A Assistente ora Recorrente, no requerimento de abertura de instrução faz a narração dos factos essenciais, que considera ser consubstanciadora dos ilícitos praticados pelos dois denunciados.
V. Pois, da leitura do mesmo se depreende que no dia 25 de Setembro de 2019, por volta das 15h50m, o arguido, munido de um pé de cabra, arrancou a porta da rua da ora Recorrente, entrando e permanecendo na sua residência.
VI. Embora no RAI, algumas das frases relatadas e proferidas pelo arguido estejam na 3ª pessoa do singular, o certo é que não deixa de ser um facto que o arguido, depois de entrar na residência, disse à Recorrente, de forma exaltada e ameaçadora, que "levo isto tudo à frente inclusive vocês", "vou mandar aquela merda toda pela janela" e "nesta noite também durmo nesta casa" assim como, " volto esta noite para resolver o assunto".
VII. O facto de presenciar o arrombamento da sua porta, a entrada na sua residência e as palavras proferidas de modo exaltado pelo arguido, foram susceptíveis de criar na ora Recorrente e seus filhos, medo e insegurança.
VIII. É também dito no requerimento de abertura de instrução que o arguido, com a sua conduta quis, de forma consciente e intencional, intimidar e coagir a ora recorrente,
IX. Agindo de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
X. Nos termos do artigo 154º, nº 1 do CP, para que haja a prática de um crime de coacção é necessário que o agente recorra à violência ou pratique uma ameaça grave: "ameaça com mal importante". Sendo que, a consumação deste crime requer que a vítima, constrangida, pratique uma certa ação ou omissão ou suporte determinada atividade.
XI. No caso concreto, a Assistente/Recorrente, inequivocamente, com a conduta do arguido, que lhe arrancou a porta de casa e disse-lhe que iria resolver o problema nessa noite, levando tudo à frente inclusive os seus filhos, levou a que ela tenha sido constrangida a tolerar a intrusão do arguido na sua residência, contra a sua vontade.
XII. Por outro lado, o arguido, sem ter consentimento, introduziu-se na residência da ora Recorrente, estando esta coagida a tolerar essa intrusão por meio de ameaças e pelo acto violento de ter a porta da rua arrancada.
XIII. Assim, considera a Recorrente que o tipo penal, tanto do crime de coação como de violação de domicílio imputado ao denunciado, mostra-se preenchido e não exige qualquer forma especial de dolo, bastando-se com a existência de dolo genérico.
XIV. Não restam, pois, dúvidas que a Recorrente imputa ao Denunciado factos que consubstanciam a prática dos crimes de coação e violação de domicílio.
XV. Indicando, ainda, a Recorrente as disposições legais aplicáveis.
XVI. Pelo que, ao narrar os factos da forma rigorosa e circunstanciada como o fez, designadamente, nos artigos 5º a 26º do requerimento de abertura de instrução, fez a ora Recorrente referência a todos os elementos quer do tipo objectivo quer do tipo subjectivo dos crimes de coação e violação de domicílio que imputa ao Denunciado.
XVII. O Requerimento de abertura de instrução apresenta todos os requisitos legalmente exigidos para a sua admissibilidade, nomeadamente: a discordância quanto ao arquivamento nos seus artigos 1º a 4º e 24º a 27º ; a indicação dos actos de instrução que a Assistente pretende que sejam levados a cabo (declarações da Recorrente e depoimento de seis testemunhas); a narração dos factos que fundamentam a aplicação aos denunciados de uma pena ou de uma medida de segurança, inclusive, em termos de lugar e tempo da sua prática (vide artigos 5° a 27º) e por último a indicação das disposições legais aplicáveis (vide artigos19º e 30º).
XVIII. Com todo o respeito, dos factos constantes no requerimento para abertura de instrução podem inferir-se os elementos subjectivos do tipo.
XIX. Tal requerimento contém factos que permitem assacar ao arguido a prática dos crimes de coação e violação de domicílio, assim como a sua vontade e convicção ao fazê-lo.
XX. Para além do que, não está o juiz de instrução dispensado de investigar, como bem decorre do que se estatui no artº 288°, nº 4, do C.P.P., aditando esse facto á decisão, caso se prove toda a factualidade que o suporta, tendo em conta o que se dispõe nos arts. 303º, nº 1 e 358°, nº 1, ambos do C.P.P.
XXI. O Meritíssimo Juiz de Instrução, com o fundamento invocado, não pode rejeitar o requerimento do assistente da forma como o fez.
XXII. O despacho ora posto em crise deve por isso ser revogado e substituído por outro que admita o requerimento de abertura de instrução, seguindo-se os ulteriores termos do processo.
XXIII. O douto despacho impugnado viola o disposto nos artigos 287º, nº 1, 2 e 3 e 283º, nº 1 e 3 Código de Processo Penal, bem como, o artigo 20° da Constituição da República Portuguesa.
XXIV. Violação que determina a invalidade daquela decisão e a sua substituição por outra que admita o requerimento de abertura de instrução apresentado pela Recorrente e declare aberta a fase de instrução.
Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência deve o douto despacho de indeferimento do requerimento para abertura de instrução ser substituído por outro que declare aberta a instrução.
3 - Este recurso foi admitido por decisão proferida em 10.12.2020.
4 - O Ministério Público na 1ª instância apresentou a sua resposta (fls 164 e 165), pugnando pela procedência do recurso, argumentando que o RAI da assistente tem todos os elementos que uma acusação pelos ilícitos imputados ao arguido Adriano Caronho, deve conter, defendendo em súmula que uma vez analisada a factualidade vertida no RAI, se verifica que a mesma não é omissa, nem mesmo insuficiente, antes contendo quer os elementos objectivos, quer os subjectivos que preenchem os tipos legais dos crimes que nele se imputam ao arguido.
Termina assim a sua resposta, pedindo que seja revogado o despacho recorrido e ordenado a sua substituição por outro que...
I – RELATÓRIO
1 – Nos presentes autos, a ofendida MFP______, requereu a abertura de instrução na sequência da prolação do despacho final de arquivamento (cfr. fls. 82 a 86), proferido pelo M.P, de harmonia com o disposto no artº 277° n° 2 do Código de Processo Penal, relativamente a factos subsumíveis aos crimes de violação de domicílio e de coacção, p.p., respectivamente, pelos arts. 190° n° 1 e 154°, n° 1°, ambos do Código Penal, alegadamente praticados pelo arguido AC________em 25.9.2019.
Nesse seu requerimento de abertura de instrução a ofendida, opondo-se ao arquivamento, veio defender a existência de indícios suficientes para submeter o arguido a julgamento, invocando razões de discordância relativamente à forma como o inquérito fora conduzido pelo M.P.
Concluiu assim o RAI, requerendo a produção de prova, pugnando pela prolação de despacho de pronúncia do mencionado arguido, pela prática dos crimes acima referidos.
A Srª Juiza do Juízo de Instrução Criminal de Loures – Juiz 1, admitiu a ofendida a intervir nos autos na qualidade de assistente, mas rejeitou o requerimento de abertura de instrução apresentado pela mesma, com base na sua inadmissibilidade legal, porquanto entendeu que o mesmo não continha a descrição dos factos e dos tipos legais e nessa medida a instrução se tornava inexequível (artº 286º e artº 287º/2 a contrario sensu e nº 3 do C.P.P) - cfr fls 132 a 134.
2 – A assistente, MFP______, recorreu desse despacho de rejeição do requerimento de abertura da instrução, proferido em 2/11/2020, terminando a sua motivação com as seguintes (transcritas) conclusões:
I. O presente recurso vem interposto do douto despacho do Mmo. Juiz de Instrução que rejeitou o requerimento de abertura de instrução apresentado pela Recorrente, com o fundamento no mesmo ser legalmente inadmissível e insuprível (art° 286º, n° 1, artº 287, n.ºs 2, a contrario sensu, e n.º 3 do Código de Processo Penal).
II. Porquanto no entender do Meritíssimo Juiz de Instrução, a Assistente no RAI é totalmente omissa na descrição dos factos essenciais subsumíveis aos elementos objectivos e subjectivos dos tipos criminais cujos indícios afirma existirem e que imputa ao Denunciado, o crime de coacção e de violação de domicílio, p.e.p nos artigos, respectivamente, 154°, n.° 1 e 190° , n.° 1 do Código Penal.
III. Salvo o devido respeito, o RAI apresentado preenche todos os requisitos legalmente previstos.
IV. A Assistente ora Recorrente, no requerimento de abertura de instrução faz a narração dos factos essenciais, que considera ser consubstanciadora dos ilícitos praticados pelos dois denunciados.
V. Pois, da leitura do mesmo se depreende que no dia 25 de Setembro de 2019, por volta das 15h50m, o arguido, munido de um pé de cabra, arrancou a porta da rua da ora Recorrente, entrando e permanecendo na sua residência.
VI. Embora no RAI, algumas das frases relatadas e proferidas pelo arguido estejam na 3ª pessoa do singular, o certo é que não deixa de ser um facto que o arguido, depois de entrar na residência, disse à Recorrente, de forma exaltada e ameaçadora, que "levo isto tudo à frente inclusive vocês", "vou mandar aquela merda toda pela janela" e "nesta noite também durmo nesta casa" assim como, " volto esta noite para resolver o assunto".
VII. O facto de presenciar o arrombamento da sua porta, a entrada na sua residência e as palavras proferidas de modo exaltado pelo arguido, foram susceptíveis de criar na ora Recorrente e seus filhos, medo e insegurança.
VIII. É também dito no requerimento de abertura de instrução que o arguido, com a sua conduta quis, de forma consciente e intencional, intimidar e coagir a ora recorrente,
IX. Agindo de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
X. Nos termos do artigo 154º, nº 1 do CP, para que haja a prática de um crime de coacção é necessário que o agente recorra à violência ou pratique uma ameaça grave: "ameaça com mal importante". Sendo que, a consumação deste crime requer que a vítima, constrangida, pratique uma certa ação ou omissão ou suporte determinada atividade.
XI. No caso concreto, a Assistente/Recorrente, inequivocamente, com a conduta do arguido, que lhe arrancou a porta de casa e disse-lhe que iria resolver o problema nessa noite, levando tudo à frente inclusive os seus filhos, levou a que ela tenha sido constrangida a tolerar a intrusão do arguido na sua residência, contra a sua vontade.
XII. Por outro lado, o arguido, sem ter consentimento, introduziu-se na residência da ora Recorrente, estando esta coagida a tolerar essa intrusão por meio de ameaças e pelo acto violento de ter a porta da rua arrancada.
XIII. Assim, considera a Recorrente que o tipo penal, tanto do crime de coação como de violação de domicílio imputado ao denunciado, mostra-se preenchido e não exige qualquer forma especial de dolo, bastando-se com a existência de dolo genérico.
XIV. Não restam, pois, dúvidas que a Recorrente imputa ao Denunciado factos que consubstanciam a prática dos crimes de coação e violação de domicílio.
XV. Indicando, ainda, a Recorrente as disposições legais aplicáveis.
XVI. Pelo que, ao narrar os factos da forma rigorosa e circunstanciada como o fez, designadamente, nos artigos 5º a 26º do requerimento de abertura de instrução, fez a ora Recorrente referência a todos os elementos quer do tipo objectivo quer do tipo subjectivo dos crimes de coação e violação de domicílio que imputa ao Denunciado.
XVII. O Requerimento de abertura de instrução apresenta todos os requisitos legalmente exigidos para a sua admissibilidade, nomeadamente: a discordância quanto ao arquivamento nos seus artigos 1º a 4º e 24º a 27º ; a indicação dos actos de instrução que a Assistente pretende que sejam levados a cabo (declarações da Recorrente e depoimento de seis testemunhas); a narração dos factos que fundamentam a aplicação aos denunciados de uma pena ou de uma medida de segurança, inclusive, em termos de lugar e tempo da sua prática (vide artigos 5° a 27º) e por último a indicação das disposições legais aplicáveis (vide artigos19º e 30º).
XVIII. Com todo o respeito, dos factos constantes no requerimento para abertura de instrução podem inferir-se os elementos subjectivos do tipo.
XIX. Tal requerimento contém factos que permitem assacar ao arguido a prática dos crimes de coação e violação de domicílio, assim como a sua vontade e convicção ao fazê-lo.
XX. Para além do que, não está o juiz de instrução dispensado de investigar, como bem decorre do que se estatui no artº 288°, nº 4, do C.P.P., aditando esse facto á decisão, caso se prove toda a factualidade que o suporta, tendo em conta o que se dispõe nos arts. 303º, nº 1 e 358°, nº 1, ambos do C.P.P.
XXI. O Meritíssimo Juiz de Instrução, com o fundamento invocado, não pode rejeitar o requerimento do assistente da forma como o fez.
XXII. O despacho ora posto em crise deve por isso ser revogado e substituído por outro que admita o requerimento de abertura de instrução, seguindo-se os ulteriores termos do processo.
XXIII. O douto despacho impugnado viola o disposto nos artigos 287º, nº 1, 2 e 3 e 283º, nº 1 e 3 Código de Processo Penal, bem como, o artigo 20° da Constituição da República Portuguesa.
XXIV. Violação que determina a invalidade daquela decisão e a sua substituição por outra que admita o requerimento de abertura de instrução apresentado pela Recorrente e declare aberta a fase de instrução.
Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência deve o douto despacho de indeferimento do requerimento para abertura de instrução ser substituído por outro que declare aberta a instrução.
3 - Este recurso foi admitido por decisão proferida em 10.12.2020.
4 - O Ministério Público na 1ª instância apresentou a sua resposta (fls 164 e 165), pugnando pela procedência do recurso, argumentando que o RAI da assistente tem todos os elementos que uma acusação pelos ilícitos imputados ao arguido Adriano Caronho, deve conter, defendendo em súmula que uma vez analisada a factualidade vertida no RAI, se verifica que a mesma não é omissa, nem mesmo insuficiente, antes contendo quer os elementos objectivos, quer os subjectivos que preenchem os tipos legais dos crimes que nele se imputam ao arguido.
Termina assim a sua resposta, pedindo que seja revogado o despacho recorrido e ordenado a sua substituição por outro que...
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