Acórdão n.º 25/2022

Data de publicação03 Fevereiro 2022
Data16 Janeiro 2016
Número da edição24
SeçãoSerie II
ÓrgãoTribunal Constitucional
N.º 24 3 de fevereiro de 2022 Pág. 146
Diário da República, 2.ª série
PARTE D
TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
Acórdão n.º 25/2022
Sumário: Decide, com referência à campanha eleitoral para a eleição dos deputados à Assem-
bleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores realizada em 16 de outubro de 2016:
julgar parcialmente procedentes os recursos interpostos pela CDU — Coligação Demo-
crática Unitária e pelo Mandatário Financeiro, da decisão de 3 de setembro de 2018,
da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, julgando prestadas, com as irre-
gularidades assinaladas, as contas apresentadas pela CDU — Coligação Democrática
Unitária; julgar improcedentes os recursos interpostos pelo Partido Comunista Portu-
guês, Partido Ecologista “Os Verdes” e pelo Mandatário Financeiro, da decisão de 18
de agosto de 2020, da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos.
Processo n.º 859/20
I. Relatório
1 — Por decisão de 3 de setembro de 2018, a Entidade das Contas e Financiamentos Po-
líticos (doravante, “ECFP”) julgou prestadas, com irregularidades, as contas apresentadas pela
CDU — Coligação Democrática Unitária (CDU), formada pelo Partido Comunista Português (PCP)
e pelo Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV), relativas à campanha eleitoral para a eleição dos
deputados à Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores realizada em 16 de outubro
de 2016 — cf. os artigos 27.º, n.º 4, da Lei n.º 19/2003, de 20 de Junho (Lei do Financiamento dos
Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais, doravante, “LFP”) e 43.º, n.º 1, da Lei Orgânica
n.º 2/2005, de 10 de Janeiro (Lei de Organização e Funcionamento da Entidade das Contas e
Financiamentos Políticos, doravante, “LEC”).
As irregularidades apuradas foram as seguintes:
a) Ações e meios não refletidos nas contas de campanha — subavaliação de despesas e
receitas, em violação do artigo 12.º da LFP, aplicável ex vi artigo 15.º, n.º 1, do mesmo diploma;
b) Existência de despesas valorizadas abaixo do valor de mercado, em violação do disposto
no artigo 15.º, n.º 1, da LFP;
c) Verificação de falta de apresentação de alguns elementos de prestação de contas, em vio-
lação do disposto no artigo 12.º, n.º 1, da LFP, aplicável ex vi artigo 15.º, n.º 1, do mesmo diploma.
2Desta decisão foi interposto recurso pelo Mandatário Financeiro para a campanha em
causa, Martinho José Batista, nos termos dos artigos 23.º, n.º 1, da LEC e 9.º, alínea e), da Lei
n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitu-
cional, doravante, “LTC”), com os seguintes fundamentos (cf. fls. 141 -145 do PA -3/ALRAA/16/2018,
apenso aos presentes autos):
«I — Sobre a alínea a) da decisão recorrida (cedência de viaturas)
1 — A ECFP, sobre esta matéria, continua a desconsiderar os pertinentes esclarecimentos da
Coligação fazendo uso de dois raciocínios inaceitáveis:
3 — Primeiro: Inverte o ónus da prova exigindo que a Coligação prove aquilo que a Lei não a
obriga a fazer, pois em nenhuma passagem está vinculada a celebrar contratos ou atos declarativos
de cedência de viaturas.
4 — Se ónus da prova existe neste particular então caberia sim à auditoria e também à ECFP
contraditar com factos a explicação dada ou demonstrar que haveria casos de não cedência de
viaturas. Ou seja é a ECFP que deve provar e identificar a suposta irregularidade contabilística,
ou seja, a não cedência, e não à CDU provar que houve cedências, não sujeitas sequer a forma
legal estabelecida.
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PARTE D
5 — Em segundo lugar, faz equivaler uma cedência temporária e ocasional de uma viatura,
tendo sido identificadas quer as viaturas quer os próprios proprietários condutores, a um donativo,
sem que tivesse havido qualquer receita.
6 — Os ativistas da CDU que conduziram viaturas suas ao serviço da campanha não fizeram
donativo da sua viatura, apenas as tendo usado para a campanha.
7 — Daí que a despesa gerada nada tenha que ver com aluguer mas sim com efetiva despesa
de campanha incorrida. Por isso há expressão contabilística pelo lado da despesa, não podendo
haver essa expressão contabilística pelo lado da receita como a ECFP supostamente pretende.
II — Sobre a alínea b) da decisão recorrida (despesas abaixo do valor de mercado}
7 — A listagem n.º 38/2013 é de julho de 2013 tendo sido porventura elaborada segundo tra-
balhos de campo realizados algum tempo antes.
8 — Logo essa listagem não é contemporânea no tempo com as consultas de mercado feitas
pela CDU para a sua campanha eleitoral, realizada cerca de três anos mais tarde.
9 — A listagem n.º 38/2013 é incompleta e não exaustiva. A propriedade da não exaustividade
da listagem confere -lhe valor exemplificativo, mais ou menos real, mas não oferece uma parame-
trização exata e inultrapassável de dois limites, para mais e para menos, que o mercado tenha
que respeitar.
10 — Nos poucos casos em que o fornecedor apresentou à CDU valores que uma vez com-
parados com a listagem n.º 38/2013 se apresentavam inferiores, não faria sentido algum vir a CDU
contrariar essa estimativa comercial obrigando -se a pagar mais, apenas porque a listagem da ECFP
a isso obrigaria, obrigação que de resto comporta uma intromissão desproporcionada nas regras
do mercado e em critérios de boa administração de recursos.
11 A listagem n.º 38/2013 não pode ter o alcance jurídico de obrigar a coligação a fazer
maior despesa com meios de propaganda, inflacionando -as, apenas porque essa maior despesa
decorre dos parâmetros da listagem elaborada cerca de três anos antes.
12 — A listagem n.º 38/2013, estática, não leva em linha de conta as oscilações do mercado
e o seu comportamento em ambiente concorrencial, daí dever ser a listagem materialmente indi-
cativa, como bem se refere.
13 — Esta decisão da ECFP assenta, quanto ao direito, numa suposta violação do artigo 15.º da
LFPCE, sendo que nem este nem o artigo 12.º da mesma lei para o qual remete permitem extrair
direta e expressamente uma qualquer previsão normativa onde esteja previsto tal conteúdo de
consequência contraordenacional.
14 — Tão pouco, o que também é significativo, esse normativo invocado na decisão da ECFP
corresponde a uma irregularidade tipificada da qual decorra ou possa decorrer uma qualquer con-
sequência jurídica de apreciação das contas.
15 — As consultas de mercado que a CDU fez não foram apresentadas por já não existir
suporte em papel de tais indagações.
III — Sobre a alínea c) da decisão recorrida (elementos de prestação de contas}
16 — A Coligação sempre entendeu que o Regulamento 16/2013 elaborado pela ECFP nos
termos de uma norma que lhe atribuía poderes regulamentares era ilegal e inovador quanto ao
direito aplicável.
17 — Volta a ECFP a exigir a apresentação de dois anexos, que a lei não prevê deverem ser
apresentados e que em nada alteram a substância das contas apresentadas nem as afetam quer
quanto às receitas quer quanto às despesas.
18 — Os anexos exigidos em Regulamento prater legem são inócuos e de nenhuma utilidade
prática para a aferição das contas.
19 — Ao invés, para a Coligação, tais anexos significariam além do mais uma identificação,
com dados pessoais, de militantes e simpatizantes que não podemos nem devemos identificar.
20 — Essa identificação, com dados pessoais, seria aliás desproporcionada para o fim pre-
tendido pela ECFP.
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PARTE D
21 — Os Regulamentos, contendo regras jurídicas, estão subordinados ao normativo habili-
tante, que não podem inovar nem contraditar e quanto à sua aplicabilidade estão ainda sujeitos ao
critério valorativo da entidade administrativa (aqui a ECFP) desaplicando -o quando o deva fazer,
por impulso próprio, sem carência de impugnação judicial por terceiros.
22 — A ECFP está sempre sujeita ao princípio da legalidade e às boas práticas de aplicação
regulamentar não carecendo para isso do impulso da Coligação ou de terceiros.
23 — Finalmente, bem o refere a ECFP, o regulamento 16/2003 caducou por via da revogação
da norma legal habilitante, não podendo por isso aplicar -se na atualidade.
Nestes termos, e nos mais de Direito, deve o presente RECURSO ser julgado procedente, por
provado, e, em razão do julgamento a proferir, ser determinada a anulação da decisão da Entidade
das Contas e Financiamentos Políticos, de Setembro de 2018, que apurou três irregularidades
às contas apresentadas pela Coligação Democrática Unitária relativas à campanha eleitoral para
deputados à Assembleia legislativa Regional dos Açores de 2016, por não verificadas.».
A CDU declarou que «assume o recurso apresentado pelo Mandatário Financeiro, Martinho
José Batista» (cf. ibidem, fls. 139).
Por deliberação da ECFP, de 11 de outubro de 2018, a análise preliminar do recurso foi relegada
para momento posterior, designadamente a final, por ocasião da impugnação da decisão sancio-
natória (cf. o n.º 3 do artigo 407.º do Código de Processo Penal, enquanto diploma de aplicação
subsidiária a todo o procedimento contraordenacional ex vi artigo 41.º do Decreto -Lei n.º 433/82,
de 27 de outubro, doravante, “RGCO”).
3 — Na sequência da referida decisão relativa à prestação das contas, a ECFP levantou um
auto de notícia e instaurou um processo de contraordenação contra o PCP e o PEV, enquanto
partidos integrantes da CDU, e contra Martinho José Batista, enquanto mandatário financeiro da
campanha em questão, pela prática das irregularidades verificadas naquela decisão (Processo
n.º 45/2019).
Notificados de tal processo, o mandatário financeiro apresentou a sua defesa, nos termos do
n.º 2 do artigo 44.º da LEC, e o PCP declarou fazer sua a defesa apresentada por aquele.
No âmbito do referido procedimento contraordenacional, a ECFP, por decisão de 18 de agosto
de 2020, aplicou as seguintes sanções:
expressão
4 — Inconformados, os arguidos impugnaram esta decisão junto do Tribunal Constitucional,
nos termos dos artigos 23.º e 46.º, n.º 2, da LEC, e do artigo 9.º, alínea e), da LTC.
O arguido Partido Ecologista “Os Verdes” fez constar o seguinte das suas alegações:
«1.º
Veio a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP) notificar o Partido Ecologista
Os Verdes, ora Arguido, de ora em diante PEV, da decisão condenatória tomada no âmbito do
processo de contraordenação supra identificado, pela pretensa violação do artigo 31º, n.º l e 2 da
Lei n.º 19/2003, de 20 de Junho, em que foram apontadas irregularidades nas contas apresenta-
das pela Coligação Democrática Unitária (CDU) em relação à Campanha para as eleições para
a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores de 16 de Outubro de 2016, conforme
apresentado nos Autos.
2.º
A ECFP decidiu no processo de contraordenação supra identificado aplicar separada e indi-
vidualizadamente a cada um dos partidos integrantes da coligação eleitoral CDU, ao PCP por um
lado, e, identicamente, ao PEV, por outro lado, uma coima no valor de dez e ½ (dez e meio) SMN
que vigoraram em 2008, pela prática de contraordenação prevista e punida pelo artigo 31º, n.º 1 e
n.º 2 da Lei n.º 19/2003, de 20 de junho.

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