Acórdão nº 25/17.7GEEVR.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 20-02-2019

Judgment Date20 February 2019
Case OutcomePARCIALMENTE PROVIDO
Procedure TypeRECURSO PENAL
Acordao Number25/17.7GEEVR.S1
CourtSupremo Tribunal de Justiça

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I – Relatório

1.1 - Por acórdão de 05 de setembro de 2018, do Tribunal Coletivo do Juízo Central Cível e Criminal de Évora, foi decidido condenar o arguido AA, por autoria de um crime de violência doméstica, p e p. pelo artigo 152.º, nº 1, alínea a) e n.º 2 alínea e) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão e, como autor de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131° e 132.°, n.º l, alíneas b), d) e i), do Código Penal, na pena de 22 (vinte e dois) anos de prisão. Efetuado o cúmulo jurídico das penas parcelares foi-lhe aplicada a pena única de 23 (vinte e três) anos de prisão.

Mais foi o arguido condenado a pagar à assistente e demandantes civis, BB, CC e AA € 100.000,00 a título de indemnização pelo dano morte, e a quantia de € 45.000,00 a cada um, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais.

1.2 - Inconformado, interpõe o arguido recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, restrito à matéria de direito, com os fundamentos constantes das conclusões da respectiva motivação:

“(…)

1ª - O recorrente foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica – contra a sua mulher DD - p e p. pelo artigo 152.º, nº 1, alínea a) e n.º 2 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão

2ª – O recorrente foi ainda condenado pela prática de um crime de homicídio qualificado - contra a sua mulher DD - , p. e p. pelos artigos 131º e 132.º, nº 1, alíneas b), d) e i), do Código Penal, na pena de 22 (vinte e dois) anos de prisão.

3ª - Nos termos do artigo 77.º, nº 1, do Código Penal, foi o recorrente AA condenado na pena única de 23 (vinte e três) anos de prisão.

4ª – O Tribunal “a quo” julgou ainda parcialmente procedente, por parcialmente provado, o pedido de indemnização civil deduzido pela assistente e demandantes civis BB, CC e AA, e condenou o arguido a efectuar o pagamento da quantia de €: 100.000,00 (cem mil euros) a titulo de indemnização pelo dano morte da vitima DD, e a quantia de €: 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros) a cada um dos filhos da vítima DD, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais.

5ª – Quanto ao crime de violência doméstica, cujo inconformismo se restringe á matéria de direito, analisando a factualidade dada como provada nos pontos 3 a 10, tal não corresponde a factos concretos, mas antes a imputações genéricas, com utilização de fórmulas vagas e imprecisas, temporal e factualmente indefinidas, não permitindo um efectivo contraditório e impossibilitando uma cabal defesa.

6ª – Logo, tais imputações genéricas, sem uma precisa especificação do tempo e mesmo do local concreto em que ocorreram as condutas, por não serem passíveis de um efectivo contraditório e, portanto, do direito de defesa constitucionalmente consagrado (art.º 32.º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa), não podem servir de base à qualificação da conduta do agente, devendo ser tidas por não escritas, como é entendimento jurisprudencial generalizado.

7ª – Dando-se por não escritos o referido nos pontos 3, 4, 6, 7, 8, 9 e 10 dos factos dados como provados, face à alteração da matéria de facto verificada, resta como suporte à qualificação jurídica da conduta do recorrente a situação descrita no ponto 5 da matéria de facto provada.

8ª - Entendemos que a matéria de facto provada no ponto 5 não reveste suporte bastante à qualificação da conduta do recorrente como autor de um crime de violência doméstica sobre a ofendida BB, pois tais factos não têm a gravidade suficiente para integrar o crime de violência doméstica.

9ª – No crime de violência doméstica tutela-se a integridade corporal, a saúde física e psíquica e a dignidade da pessoa humana, por isso não são todas as ofensas , corporais e/outras, que cabem na previsão do referido artigo 152.º do Código de Processo Penal, mas apenas aquelas que se revistam de uma certa gravidade, que traduzam crueldade ou insensibilidade por parte do agente, consubstanciando-se na perpretação de qualquer acto de violência que afecte a saúde física, psíquica e emocional do cônjuge vitima, diminuindo ou afectando a sua dignidade enquanto pessoa inserida num contexto conjugal.

10ª – Assim, os factos descritos no ponto 5 dos factos dados como provados, não assumem a gravidade que se exige por forma a poder concluir-se que o recorrente atentou contra a dignidade da vitima BB, não sendo, por isso tais factos aptos a lesar o bem jurídico protegido pelo crime em apreço- a saúde física, psíquica e emocional e a dignidade da pessoa humana.

11ª – Pelo exposto, entende-se que o Recorrente não cometeu o crime de violência doméstica contra a ofendida DD.

12ª – Tendo por isso sido violado o estatuído no artigo 152.º, do Código Penal, uma vez que a factualidade provada não integra a previsão desta norma, tal factualidade seria passível de integrar, outrossim, o crime de ofensa à integridade física simples p. e p. no art.º 143.º do Código Penal.

13ª - Pelo que deverá o Recorrente ser absolvido do crime de violência doméstica contra a ofendida BB, em que foi condenado.

14ª – A alínea d) do nº 2 do artigo 132.º do Código Penal, tida como verificada pelo douto acórdão do Tribunal “a quo” opera apenas nos casos em que o homicida emprega tortura ou acto de crueldade para aumentar o sofrimento da vitima, isto é, quando são usados meios de provocação da dor cuja intensidade ou duração ultrapasse a medida necessária para causar a morte.

15ª - No caso dos autos, não obstante o arguido ter desferido oito facadas na vitima DD, não resulta dos factos provados que o arguido tenha querido aumentar o sofrimento desta, para além do que já é próprio em qualquer acto homicida, pelo que deverá pois julgar-se por não verificada a agravante qualificativa prevista na alínea d) do nº 2 do artigo 132.º do Código Penal.

16ª – Por outro no que se refere à circunstância qualificativa da premeditação, o Tribunal “a quo” formou a convicção de que o arguido inconformado com o fim do casamento, decidiu matar DD, evento que veio a ocorrer na tarde do dia 06/05/2017, ora desconhecendo-se o momento em que o arguido formou a intenção de matar, também há que afastar a verificação da circunstância qualificativa da premeditação.

17ª – O Tribunal “a quo” ao aplicar uma pena de 22 anos prisão ao arguido pela prática do crime de homicídio qualificado, violou o principio da necessidade, adequação e proporcionalidade, descurando o fim das penas.

18ª – O Tribunal “a quo” não atendeu à previsão dos artigos 40.º e 71.º, ambos do Código Penal.

19ª - Segundo o artigo 71.º do Código Penal, a determinação da medida da pena há-de efectuar-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção geral positiva(protecção dos bens jurídicos), quer a prevenção especial (reintegração do agente na sociedade).

20ª - As circunstâncias a que se há-de atender para tal, são não só as enumeradas no nº 2 do artigo 71.º do Código Penal, mas também todas as que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele e tais circunstâncias não foram devidamente ponderadas pelo douto acórdão recorrido.

21ª – A pena de prisão de 22 anos é excessiva e mostra-se desadequada por não espelhar a culpa do arguido e não ter em conta as necessidades e exigências de prevenção.

22ª – As condições sociais e pessoais do arguido referidas no relatório social, não foram devidamente ponderadas no acórdão recorrido, daí que se entenda que a pena deva ser atenuada.

23ª – O relatório pericial refere que o Recorrente sofre de perturbação de personalidade mista e apresentava á data dos factos uma perturbação de adaptação ansiodepressiva.

24ª – O referido quadro espelha bem o estado emocional do arguido na altura da prática do homicídio.

25ª – As finalidades da aplicação de uma pena residem principalmente na tutela dos bens jurídicos, mas também podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial e de socialização.

26ª – Assim a medida da pena deve, em toda a extensão possível, evitar a quebra da inserção social do agente, só desta maneira se alcançará uma eficácia óptima dos bens jurídicos.

27ª – As circunstâncias agravantes e atenuantes, conduzem-nos seguramente a uma pena muito inferior a 22 anos de prisão.

28ª - O Venerando Supremo Tribunal de Justiça em casos similares de homicídio qualificado, na pessoa do cônjuge ou companheiro, tem fixado a pena aplicada com uma oscilação média entre os 16 e os 20 anos de prisão, reservando as superiores a 20 anos de prisão para aquelas situações em que o arguido é julgado e condenado por vários crimes, quer sejam múltiplos homicídios, quer sejam vários crimes graves sobre a mesma vitima.

29ª – Atendendo ainda ao quadro depressivo do arguido e á situação psicológica vivenciada pelo mesmo na data da prática dos factos, no que se reporta à pratica do homicídio qualificado, deverá o mesmo ser condenado numa pena mais harmoniosa, proporcional e justa face às circunstâncias acima expostas, por isso pugnamos pela aplicação de uma pena que se situe entre os 16 e 17 anos de prisão, o que estaria mais de acordo com as concretas penas que o Supremo Tribunal de Justiça tem aplicado, no âmbito das suas funções de uniformização de critérios de medida da pena.

30ª – Tendo em conta tudo quanto acima foi referido, não tendo o Tribunal “a quo”” considerado, na determinação da medida da pena, as circunstâncias previstas nos artigos 40.º e 71.º, ambos do Código Penal, foram violadas as disposições legais contidas nestes artigos.

31ª - O Tribunal recorrido atribuiu a indemnização de 100.000,00 € (cem mil euros) correspondente ao dano pela perda do direito á vida e ao dano sofrido pela vitima antes de morrer.

32ª - O Tribunal “a quo” ao unificar num só montante a indemnização do dano pela perda do direito à vida, com o dano sofrido pela vitima antes de morrer, fez uma incorrecta...

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