Acórdão nº 2498/17.9T8CSC.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 22-06-2021

Judgment Date22 June 2021
Case OutcomeCONCEDIDA A REVISTA DA 2ª R
Procedure TypeREVISTA
Acordao Number2498/17.9T8CSC.L1.S1
CourtSupremo Tribunal de Justiça

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça,




I - Relatório

1. Magnetocare, Comércio de Produtos Ortopédicos, Lda., intentou contra a Lsref3 Reo Mixed Portfolio, S.A., e Portfuel – Petróleos e Gás de Portugal, Lda., S.Q., ação de preferência, peticionando:

- o reconhecimento do seu direito de preferência na venda do Edifício ..... e, em consequência, o direito de para si o haver pelo preço de € 1.000.000,00, substituindo-se à segunda Ré na escritura de compra e venda;

- a condenação da 2.ª Ré a entregar-lhe o referido edifício;

- o cancelamento de todos e quaisquer registos que a 2.ª Ré tenha promovido a seu favor em consequência da aquisição do mesmo prédio;

- a condenação da 2.ª Ré a entregar-lhe todas as rendas que haja recebido, em virtude dos contratos de arrendamento em curso, desde a aquisição do imóvel em causa até à sua entrega.

2. Alegou, em síntese, que:

- por contrato de arrendamento urbano não habitacional, celebrado a 19 de abril de 2012, tornou-se arrendatária de parte da fração autónoma designada pela letra “R”, referente ao oitavo piso, letra A, na parte destinada a escritórios do prédio urbano designado por Edifício ......., sito em .....;

- esse contrato foi objecto de aditamento para revisão da renda a 3 de abril de 2013;

- a 1 de fevereiro de 2016, interveio na celebração de contrato de cedência temporária de espaço relativamente a áreas para arrecadação no mesmo edifício;

- a 17 de fevereiro de 2016, com efeitos reportados a 1 de dezembro de 2015, tornou-se, além de arrendatária de parte da fração autónoma designada pela letra “R” (que já era desde 2012), também arrendatária de parte das frações autónomas designadas pelas letras “S”, “T”, “N”, “O” e “Q”;

- a 15 de fevereiro de 2017, foi celebrada, entre a 1ª e a 2ª Rés, escritura pública de compra e venda do Edifício ..... por € 1.000.000,00, em violação da disciplina jurídica do instituto do direito de preferência.

3. A 1.ª Ré - Lsref3 Reo Mixed Portfolio, S.A. - apresentou contestação, excecionando o mérito da pretensão da Autora. Alegou, em síntese, que é parte ilegítima, que a Autora não tem interesse em agir, que o invocado direito de preferência, se existisse, teria caducado por falta de depósito da totalidade do preço (€ 3.050.000,00 e respetivas despesas), que a Autora renunciou expressamente ao exercício do direito de preferência e que o seu comportamento é claramente abusivo.

4. A 2.ª Ré - Portfuel – Petróleos e Gás de Portugal, Lda., S.Q. - apresentou contestação, excecionando o mérito da pretensão da Autora. Alegou, em síntese, que a posição jurídica da Autora como arrendatária, reportada ao contrato de arrendamento celebrado a 17 de fevereiro de 2016, tendo como objecto frações autónomas do Edifício ..... designadas pelas letras “R”, “S”, “T”, “N”, “O” e “Q”, não lhe permitia exercer o direito de preferência, pois que ainda não havia decorrido o prazo de três anos estabelecido no art. 1091.º, n.º 1, al. a), do CC. Referiu que este contrato revogou aquele celebrado a 19 de abril de 2012. Mencionou ainda que a Autora perdeu o direito legal de preferência, pois que não compareceu, a 13 de fevereiro de 2017, às 11 horas, na ....., n.º .., em …, no ato de outorga da escritura de compra e venda pelo preço de € 3.050.000,00, preço oferecido pela Autora em licitação efetuada a 8 de fevereiro de 2017, com a Rasgo – Publicidade, Lda.; que a Autora venceu a referida licitação, mas não chegou a celebrar qualquer negócio de compra e venda. Invoca, por último, que o exercício do alegado direito de preferência constitui abuso do direito.

5. Por seu turno, a Autora respondeu, pugnando pela improcedência das invocadas exceções, nos moldes referidos a fls. 230 a 233, que se dão por reproduzidos.

6. Foram juntos pelas partes diversos pareceres jurídicos.

7. Foi realizada audiência prévia, não tendo sido possível conciliar as partes.

8. A 22 de outubro de 2018, o Tribunal de 1.ª Instância, no saneador-sentença, decidiu o seguinte:

“Nestes termos e em função do exposto, julgando a presente improcedente, o Tribunal decide:

a) Julgar improcedentes todas as excepções invocadas pelas rés.

b) Julgar procedente o peticionado pela autora e, em consequência:

1 - Reconhecer o seu direito de preferência na venda do Edifício ..... e, em consequência, o direito de para si o haver, pelo preço de um milhão de euros, substituindo-se à segunda ré, na escritura de compra e venda;

2 - Condenar a segunda ré a entregar-lhe o mesmo;

3 - Ordenar o cancelamento de todos e quaisquer registos que a segunda ré tenha promovido a seu favor em consequência da aquisição do referido prédio;

4 - Condenar a segunda ré a entregar-lhe todas as rendas, que haja recebido, desde a aquisição do referido imóvel, até à entrega do imóvel em virtude dos contratos de arrendamento em curso.

c) Julgar improcedente o pedido reconvencional deduzido pela ré Portfolio e, em consequência, absolver a mesma do pagamento da quantia de € 3 050 000.

d) Julgar procedente pedido reconvencional deduzido pela ré Portfuel e, em consequência, condenar a mesma a pagar àquela a quantia de € 1 525 599, 70, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a notificação da reconvenção até efectivo pagamento.

Custas do pedido principal pelas rés (1/2 para cada) - cfr. artigo 527.º, ns. 1 e 2, do Código de Processo Civil.

Custas do pedido reconvencional deduzido pela ré Portfolio, a cargo desta. Custas do pedido reconvencional deduzido pela ré Portfuel a cargo da autora.

Registe e Notifique.

9. Não conformadas com a decisão, as Rés Lsref3 Reo Mixed Portfolio, S.A., e Portfuel – Petróleos e Gás de Portugal, Lda., S.Q., interpuseram recurso de apelação.

10. A Autora contra-alegou.

11. Por acórdão de 11 de dezembro, com voto de vencido, o Tribunal da Relação de ….. decidiu o seguinte:

Assim, de harmonia com as disposições legais citadas, decide-se negar provimento às apelações das RR. e não tomar conhecimento no que concerne a custas da apelação da R., Portfólio da, confirmando-se, pois, pelas razões que ficam expostas, a decisão recorrida.

Custas do recurso, a cargo das recorrentes.

12. Irresignada com a decisão, a 1.ª Ré - Lsref3 Reo Mixed Portfolio, S.A. - interpôs recurso de revista, apresentando as seguinte Conclusões:

7.1. DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO

1. O presente recurso de revista é admissível, pois não só versa sobre o mérito da causa, como não constitui um caso de dupla conforme, uma vez que apesar de o Acórdão Recorrido ter confirmado a decisão do Tribunal de Primeira Instância, contou com um voto de vencido da Exam. Juíza Desembargadora Dina Maria Monteiro que discorda em absoluto da decisão que veio a ser tomada pelo Tribunal da Relação (cfr. artigo 671.º, n.º 3, do CPC).

2. Além disso, o presente recurso é manifestamente tempestivo e cumpre com os critérios do valor da acção e da sucumbência, uma vez que o valor do pedido principal (da RECORRIDA) é de € 1.000.000,00, sendo o valor do pedido reconvencional formulado pela RECORRENTE de € 3.050.000,00 (cfr. artigos 638.º, 138.º e 629.º, n.º 1, do CPC).

7.2. DA ALTERAÇÃO À MATÉRIA DE FACTO

3. Em primeiro lugar, no que respeita à decisão da matéria de facto, as instâncias recorridas andaram mal ao não terem dado como provado que “[a]pós ter comunicado que não iria comparecer para outorgar a escritura de compra e venda do IMÓVEL pelo preço de € 3.050.000,00, a A. negociou com a R. Portfolio para adquirir o IMÓVEL por um preço situado entre os € 1.100.000,00 e €1.500.000,00”, fazendo errada interpretação e aplicação do preceito vertido no artigo 358.º do Código Civil.

4. Desde logo, porque este facto emerge de confissão judicial sem reservas da RECORRIDA (cfr., inter alia, artigo 17.º da petição inicial), bem como de documento junto aos autos com a petição inicial (cfr. DOC. 10 junto com a petição inicial) não impugnado.

5. Por conseguinte, ao abrigo do disposto no artigo 674.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, o Supremo Tribunal da Justiça pode conhecer do pedido de alteração da matéria de facto aqui

formulado, porquanto resulta de confissão, ou seja, de facto que emerge de meio de prova com força probatória plena.

6. Adicionalmente, a inclusão do referido facto no elenco da factualidade assente assume enorme relevância na medida em que permite trazer à luz, por um lado, que a RECORRIDA renunciou ao direito de preferência e, por outro lado, que a RECORRIDA actuou em abuso de direito ao dar início aos presentes autos com o fim de exercer o seu putativo direito de preferência.

7. Note-se que se o aludido facto tivesse sido levado em devida conta pelas instâncias recorridas, isso determinaria uma decisão em sentido diametralmente oposto, ou seja, no sentido da improcedência da presente acção de preferência.

7.3. DA ILEGITIMIDADE PASSIVA

8. Em segundo lugar, no que respeita à excepção de ilegitimidade passiva da RECORRENTE, as instâncias recorridas andaram mal ao não absolverem a RECORRENTE da instância, por terem a considerado parte legítima nos autos, fazendo uma errada interpretação e aplicação ao caso dos autos do preceito vertido nos artigos 30.º, 577.º e 278.º, n.º 1, alínea d) do CPC.

9. A correcta interpretação e aplicação do disposto no artigo 30.º do CPC, determina que a RECORRENTE seja absolvida da instância, bastando olhar aos pedidos formulados nos autos pela RECORRIDA e às decisões das instâncias recorridas para se compreender (i) que nenhum pedido foi, a qualquer título, deduzido pela RECORRIDA contra a RECORRENTE e (ii) que da procedência da acção de preferência não resulta nenhum prejuízo (ou sequer impacto) para a RECORRENTE.

10. Na verdade, a RECORRENTE não tem qualquer interesse, directo ou indirecto, em contradizer os pedidos da RECORRIDA. Veja-se que até o ressarcimento dos putativos danos sofridos pela RECORRIDA em decorrência da pretensa violação do direito de preferência (consubstanciados no não recebimento...

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