Acórdão nº 2470/14.0T8VNF-C.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 12-12-2023
Data de Julgamento | 12 Dezembro 2023 |
Case Outcome | NEGADA A REVISTA |
Classe processual | REVISTA |
Número Acordão | 2470/14.0T8VNF-C.G1.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Acordam os juízes no Supremo Tribunal de Justiça
I. RELATÓRIO
1. Por apenso aos autos de execução para pagamento de quantia certa instaurados por J..., Unipessoal, Lda. e AA contra BB e CC, em que foi apresentado como título executivo sentença que condenou estes a pagarem aos primeiros a quantia de € 146 000,00 acrescida de juros de mora desde o trânsito dessa sentença, veio DD requerer incidente de habilitação de cessionário contra executados e exequentes pedindo a sua habilitação a intervir nos autos na qualidade de cessionário do crédito da primeira exequente.
O requerente alegou, em síntese, que por documento particular, celebrado em 28.02.2013, denominado “Declaração Compromissória de Confissão de Dívida e Acordo de Pagamento”, a primeira exequente confessou-se devedora a si de € 172 600,00, quantia que devia ser paga até 31.12.2013, vencendo-se juros a partir desta data. No mesmo documento a primeira exequente cedeu-lhe os direitos de crédito que a sentença proferida no Proc. nº 2134/08.4... lhe reconheceu e conferiu-lhe o direito de prosseguir com a execução de tal sentença.
2. Os executados e a primeira exequentecontestaram dizendo, em síntese, que a “Confissão de Dívida e Cessão do Crédito” foi combinada entre os seus intervenientes com intuito de enganar os contestantes tendo sido elaborada no escritório da mandatária do requerente numa data que não a nele aposta. Assim, por um lado, o requerente nunca foi credor da sociedade contestante, nem nunca quis adquirir o crédito reconhecido à sociedade no Proc. nº 2134/08.4... e, por outro, EE, que nesse documento figura como devedor e legal representante da sociedade exequente/contestante, nunca quis, em nome da sociedade ou por si, reconhecer-se devedor, nem quis ceder o referido direito de crédito. Esta sociedade dedicava-se à construção civil, tendo cessado atividade no ano de 2004 por decisão do seu único sócio, EE, em face de dificuldades económicas e por estar a ser perseguido por vários credores. Aliás, este único sócio veio a ser declarado insolvente em 27.06.2008 no âmbito do Proc. nº 3633/08.8..., do Juízo Local Cível de ..., pelo que ficou impedido de dispor de qualquer bem e de exercer a gestão da sociedade, e viu todos os seus bens apreendidos, designadamente a quota nessa sociedade. O requerente e EE são amigos de infância. A acima referida “Confissão de dívida e cessão de crédito” foi engendrada após EE ter tomado conhecimento de que a sociedade contestante revogara a procuração forense de 11.06.2008 e que aquela havia chegado a acordo com os executados/contestantes por forma a pôr termo a este litígio. A aludida “Confissão de dívida e cessão de crédito” teve em vista a apropriação do crédito/valor que os executados tivessem de pagar à sociedade. Pelo exposto, a “Declaração compromissória” é simulada e, como tal, nula nos termos do art. 240º do C.C.
Os contestantes terminaram pedindo a improcedência do incidente.
3. Realizou-se audiência prévia, onde o requerente se pronunciou acerca do referido na contestação, impugnando o aí alegado, foi fixado o valor da ação (tendo sido fixado o valor de € 163 631,00), foi proferido despacho saneador, foi identificado o objeto do litígio e foram enunciados os temas de prova.
4. Realizou-se audiência final e em 30.6.2022 foi proferida sentença, cujo dispositivo tem o seguinte teor:
“Nos termos e fundamentos acima expostos, decido:
5.1.- Julgar procedente a presente habilitação de cessionário e, consequentemente, declaro o requerente como sucessor da exequente J... Unipessoal, Lda, prosseguindo ele, nessa posição de exequente nos autos de execução apensos.
5.2. Custas pelos requeridos contestantes.”
5. Dessa sentença apelaram os herdeiros habilitados do entretanto falecido executado BB, CC, FF e GG, e, bem assim, a exequente J... – Unipessoal, Lda, na sequência do que a Relação de Guimarães proferiu, em 15.12.2022, acórdão que culminou com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogam a decisão recorrida e julgam improcedente a habilitação de cessionário.
Custas do incidente e da apelação pelo requerente e apelado DD”.
6. O requerente interpôs recurso de revista desse acórdão, tendo apresentado alegação em que formulou as seguintes conclusões:
“1. O presente recurso tem como objeto a matéria de facto - visando-se conhecer a deficiência formal de apreciação das provas e da fixação dos factos materiais da causa, ou seja, a fundamentação da matéria de facto e à análise crítica da prova – e de direito do acórdão proferido nos presentes autos, nos termos do disposto no artigo 674º nº1, al. a) e nº 2 do Cód. Proc. Civil.
2. Por apenso aos autos de execução veio o ora Recorrente requerer o incidente de habilitação de cessionário contra os executados BB e CC e contra o exequente AA, com fundamento na outorga de documento particular datado de 28.02.2013, denominado “Declaração Compromissória de Confissão de Dívida e Acordo de Pagamento”, no qual a exequente J... Unipessoal, Lda. se confessou devedor da quantia de € 172 600,00 (cento e setenta e dois mil e seiscentos euros) e cedeu ao Recorrente os direitos de crédito reconhecidos pela sentença proferida no âmbito do processo nº 2134/08.4..., que correu termos na vara de competência mista do Tribunal Judicial da Comarca de ....
3. O Tribunal a quo foi julgou válida a cessão de créditos, que a mesma não causa qualquer perturbação ao direito de defesa dos executados, e, consequentemente, julgada procedente a habilitação de cessionário e declarado o requerente, aqui Recorrente, como sucessor do exequente J... Unipessoal, Lda.
4. Decisão esta que foi revogada pelo Tribunal ad quem, cujo conteúdo da mesma aqui se pleiteia.
5. A não concordância com o douto Acórdão ora posto em crise baseia-se na reapreciação de prova, bem assim no entendimento feito das normas de direito, nomeadamente, dos artigos 36º, nº 1 e), 81º, nº 1, 4 e 6 e 224º, nº2 do C.I.R.E., 240º, 241º e 342º do C.C. e 662º do C.P.C. e da sua aplicabilidade ao caso sub judice.
6. Pelo Tribunal da Relação de Guimarães, divergentemente ao decidido pelo Tribuna a quo, foi reapreciada matéria de facto, que se traduziu no aditamento de novos factos provados.
7. A factualidade carreada nos autos não verte a realidade da prova produzida em sede de primeira instância e, por outro lado, é in totum é descurado o valor probatório dos documentos que instruíram os presentes autos.
8. É consabido que na reapreciação da prova pelo Tribunal da Relação deve este, além do controlo formal da motivação da decisão da 1ª instância, ponderar e valorar, de acordo com o princípio da livre convicção do julgador, toda a prova produzida no processo de modo a formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objeto de impugnação,
9. modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento da matéria de facto.
10. Modificação esta que, a ocorrer, tem de ser fundamentada pois que, não se tratando de decisões de mero expediente é impreterível a observância do estatuído nos artigos 20.º, n.º 4 e 205.º, n.º 1, ambos da C.R.P. e 154º do C.P.C..
11. “Assim, para que a decisão da 1ª instância seja alterada haverá que averiguar se algo de “anormal” se passou na formação dessa apontada “convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção do julgador de 1ª instância, retratada nas respostas que se deram aos factos, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, ou com outros factos que deu como assentes.” Cfr. acórdão proferido pela Relação de Lisboa, datado de 26.06.2022. Disponível em: www.dgsi.pt (sublinhado nosso).
12. Este dever de fundamentação, com consagração constitucional e legal, tem por objetivo a explicitação por parte do julgador acerca dos motivos pelos quais decidiu em determinado sentido, em detrimento de outro, dirimindo determinado litígio que lhe foi colocado, de forma a que os destinatários possam entender as razões da decisão proferida e sindicá-la e reagir contra a mesma, caso assim o entendam – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 16.10.2017. Disponível em: https://www.pgdlisboa.pt.
13. No que concerne aos factos provados nos números 3, 4, 6, 6-A e 6-B, alterados pelo Tribunal ad quem, impõe-se desde já referir esta alteração padece de fundamentação como lhe era exigível nos termos já retro explanados.
14. Os julgadores limitam-se a alterar a factualidade ali constante naqueles números, desconhecendo-se as razões sobre as quais incidiu esta alteração sobre o juízo realizado pelo Tribunal a quo, pois que nada é dito, impossibilitando o anúncio das razões que conduziram à decisão proferida a final.
15. Não se vislumbra de que forma a alteração da factualidade constante naqueles pontos tem interesse para a boa decisão da causa, cfr. artigo 130º do C.P.C, pelo que deveria a Relação ter-se abstido de apreciar tal impugnação.
16. O aresto em crise, padece igualmente de outras irregularidades, verificando-se o incumprimento dos deveres respeitantes à reapreciação da decisão da matéria de facto.
17. O Tribunal ad quem procede, ainda, ao aditamento de vários factos com fundamento na dificuldade de fazer prova direta quanto à simulação alegada pela sociedade Exequente, assim como pelos Executados.
18. Aditamento este que é realizado com fundamento nos documentos juntos aos autos e nas declarações prestadas pelo ora Recorrente.
19. Diversamente daquilo que o Tribunal ad quem pretende fazer valer, invocando a simulação da declaração compromissória de confissão de dívida e acordo de pagamento, o ónus da...
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