Acórdão nº 2457/06-1 de Tribunal da Relação de Évora, 30-01-2007
Data de Julgamento | 30 Janeiro 2007 |
Número Acordão | 01 Junho 2457 |
Ano | 2007 |
Órgão | Tribunal da Relação de Évora |
Rec n.º 2457/06
Após audiência, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora
I. Relatório
1. - No 1º juízo do Tribunal Judicial da Comarca de …, foi julgado em processo comum com intervenção do tribunal colectivo A. … nascido a 12.10.1982 …, actualmente detido no E.P. do Linhó, a quem o MP imputara a prática de um crime de tráfico de produto estupefaciente agravado, p. e p. pelos arts. 21°, n° 1, e 24°, alínea h), ambos do D.L. 15/93 de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-A anexa, em co-autoria com B. …, actualmente preso no Estabelecimento Prisional do Linhó.
2. - Realizada a Audiência de discussão e julgamento foram os arguidos condenados pela prática do crime pelo qual vinham acusados. O arguido A. …na pena de 10 anos de prisão e o arguido B. … na pena de 8 anos de prisão.
3. –Inconformado, apenas o arguido A. … recorreu, formulando as seguintes Conclusões que se transcrevem:
A) O presente Recurso vem interposto da douta Sentença de fls. que, condenou o Arguido como o Autor material de um crime de tráfico de estupefaciente agravado, na pena única de 10 anos de prisão.
B) Salvo o devido respeito, entende o ora Recorrente que os Meritíssimos Juízes "a quo" não fizeram uma boa apreciação da prova produzida havendo erro notório na apreciação da prova em Audiência de Julgamento, nem uma correcta aplicação do Direito.
C) Ao contrário do referido o produto não foi entregue pelo arguido/ora recorrente, ao arguido B. ….
D) O Arguido B. … assumiu que o produto apreendido era só seu, o Arguido, ora Recorrente optou por não prestar declarações, o que não o pode desfavorecer.
E) No entanto, os Meritíssimos Juízes "a quo" condenaram o Arguido/ ora Recorrente apenas pelas declarações prestadas pelo Arguido B. … aquando da detenção.
F) O Guarda prisional, A.M. refere que "pareceu-lhe ver que o Arguido A. … entregava algo ao B. …, para além de parecer ver, não viu o que era.
G) Condenar alguém, como a douta Sentença recorrida fez, por alguém ter mencionado o seu nome é de uma violência bastante grande.
H) Assim a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” deverá ser anulada e o processo ser reenviado para novo julgamento.
I) Ainda que assim não se entendesse, a medida da pena, a prisão de 10 anos que foi imposta ao arguido, ora recorrente, é bastante elevada.
J) O ora Recorrente, à data dos factos, ainda não tinha feito 21 anos de idade, nos termos do artigo 9° do Código Penal "Aos maiores de 16 anos e menores de 21 anos são aplicáveis normas fixadas em legislação especial”.
K) No entanto entendeu este Tribunal que não é de aplicar esta lei, se não a aplicamos quando o Arguido ainda se encontra no âmbito da recuperação e inserção social, quando a vamos aplicar?
L) Ainda que não se decida pela declaração de nulidade do douto acórdão ora recorrido, consideramos existirem razões suficientes que justifiquem a atenuação da pena concretamente aplicável.
M) O Ora recorrente é um Jovem que teve um percurso de vida difícil, não pode é ser prejudicado por isso.
N)Assim, tendo em consideração o que resultou provado, e ainda que os Meritíssimos Juízes "a quo tenham tomado em consideração os antecedentes criminais do arguido ora recorrente, bem como a idade do mesmo e a sua situação sócio-familiar este deveria ter sido punido em pena de prisão que não ultrapassasse, os seus limites mínimos.
*
4. – Notificado para o efeito, o MP junto do tribunal a quo apresentou a sua resposta , concluindo pela total improcedência do recurso. 5.- Nesta Relação, o senhor magistrado do MP apresentou o seu parecer de fls 247 a 250, concluindo igualmente pela total improcedência do recurso.
6. – Notificado da junção daquele parecer, o arguido nada acrescentou.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
1. Delimitação do objecto do recurso.
Como é pacificamente entendido, são as conclusões do recurso que delimitam o objecto do mesmo, sem prejuízo das questões de que o tribunal de recurso deva conhecer oficiosamente.
Pelo presente recurso, o arguido não vem impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto, nos termos do art. 412º do CPP, antes vem invocar, no âmbito do chamado modelo de revista alargada, erro notório na apreciação da prova, vício da decisão sobre a matéria de facto a que se refere a alínea c) do art. 410º do C.P.P., para além de matéria de direito relativa à determinação da pena aplicada ao arguido.
A primeira questão a decidir é, pois, a de saber se a decisão recorrida enferma do vício de erro notório na apreciação da prova e respectivas consequências jurídico-penais.
Na hipótese de resposta negativa, haverá que decidir então se o arguido deve beneficiar de atenuação especial da pena, ao abrigo do regime legal dos jovens delinquentes, uma vez que não tinha completado 21 anos à data dos factos, e se a pena concreta a aplicar-lhe não deve ultrapassar o limite mínimo da pena aplicável, como pretende o arguido.
2. – A decisão recorrida.
2.1.-Na sentença sob recurso, foi dada como provada a seguinte factualidade :
a) No dia 10 de Outubro de 2003, pelas 18h 40m, no interior do Estabelecimento Prisional Regional de …, o arguido B. … tinha consigo heroína com o peso bruto de 9,426 gramas e líquido de 9,075 gramas;
b) este produto tinha sido entregue ao arguido B. … pelo arguido A. … para que o primeiro o guardasse;
c) o arguido A. … destinava tal produto à venda no interior do Estabelecimento Prisional, conforme sabia o arguido B. …;
d) ambos os arguidos conheciam as qualidades estupefacientes do produto e sabiam que a sua detenção e venda são proibidas e especialmente no interior de Estabelecimentos Prisionais;
e) ambos os arguidos agiram livre, deliberada e conscientemente e sabiam serem as suas condutas proibidas;
f) o arguido A. … foi condenado, por acórdão de 19.12.1999, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 2 anos de prisão suspensa por um período de 3 anos e pela prática de um crime de condução ilegal, na pena de 90 dias de multa; por sentença de 15.7.2002, pela prática de um crime de furto qualificado, foi condenado na pena de 90 dias de multa; por sentença de 7.3.2003, pela prática de um crime de desobediência, foi condenado na pena de 70 dias de multa; por sentença de 5.6.2003, pela prática de um crime de condução ilegal, foi condenado na pena de 96 dias de multa; por sentença de 15.5.2003, pela prática de um crime de furto, o arguido foi condenado na pena de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução por um período de 2 anos e 6 meses acompanhada de regime de prova; por sentença de 17.5.2004, pela prática de um crime de condução ilegal, o arguido foi condenado na pena de 50 dias de multa; por sentença de 2.12.2004, pela prática de um crime de condução ilegal, foi condenado na pena de 7 meses de prisão; cumpre, presentemente, uma pena única de 7 anos e 6 meses de prisão pela prática dos crimes de tráfico de estupefacientes, detenção de arma proibida e condução ilegal de veículo;
g) o arguido A. … foi criado pela avó materna; frequentou a escola até ao 7º ano de escolaridade, altura em que desistiu de estudar e começou a trabalhar com carácter de regularidade como servente de construção civil; de um relacionamento com uma jovem da mesma idade, aos 17 anos tem uma filha que actualmente tem 6 anos de idade; antes da detenção vivia com a companheira e com a filha;
h) o arguido B. … foi condenado, por acórdão de 27.2.2004, pela prática dos crime de roubo e de furto qualificado, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por um período de 4 anos, acompanhada de regime de prova; por acórdão de 21.5.2004, pela prática de um crime de homicídio e furto qualificados, foi condenado na pena única de 21 anos de prisão; por acórdão de 10.1.2005, pela prática de dois crimes de roubo, foi condenado na pena única de 3 anos de prisão;
i) o arguido B. … nasceu no seio de uma família numerosa e extremamente carenciada; cresceu num bairro problemático; após a separação dos pais acabou por ser internado na …, de que acabou por ser expulso devido a problemas comportamentais; possui o 5º ano de escolaridade; viveu quase sempre por si, sem figuras parentais que lhe incutissem regras ou que lhe ser vissem de modelo; está a fazer um percurso positivo no E.P., aderindo a projectos que lhe vão sendo impostos e tentando ultrapassar obstáculos, apesar da total ausência de visitas e de apoio familiar.
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Provaram-se todos os factos relevantes para a decisão da causa, pelo que não há “factos não provados” a referir.
* * *
2.2. - A fixação dos factos provados e não provados baseou-se na globalidade da prova produzida em audiência de julgamento e de acordo com a livre convicção que o tribunal formou sobre a mesma (sempre tendo em atenção as regras da experiência), atendendo-se à prova pericial, documental e oral que foi produzida e aferindo-se, quanto a esta, da razão de ciência e da isenção de cada um dos depoimentos prestados.
Concretizando…
O arguido A. … não prestou declarações.
O arguido B. … assumiu que tinha consigo a droga que lhe foi apreendida, mas referiu que era para o seu próprio consumo, dizendo que consumia uma grama de heroína por dia. Disse também que o estupefaciente lhe foi oferecido por um amigo que a deu a um recluso que tinha saído de precária para este lha entregar. Referiu ainda que quando foi detido estava a falar com o co-arguido A. … para lhe pedir mortalhas.
A testemunha A.M., guarda prisional no E.P. de …, contou que viu ambos os arguidos no bar e achou que ambos tinham um ar comprometido, pelo que os observou e pareceu-lhe ver que o arguido A. . entregava algo ao B.. Abordou-os e o arguido B. … tinha os dois pacotes no bolso. Mais referiu que o arguido B. … quando foi detido afirmou que o estupefaciente pertencia ao A. ….
A testemunha M.C., também guarda prisional no E.P. de …, apenas ouviu o arguido...
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