Acórdão nº 245/14.6T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 26-01-2017

Data de Julgamento26 Janeiro 2017
Número Acordão245/14.6T8BRG.G1
Ano2017
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães
Sumário do acórdão (art. 663.º n.º 7 do CPC):
I - Não é aceitável, nem configurável indemnizar o lesado apenas de parte dos seus danos e prejuízos, destrinçando aqueles a que possa atribuir-se prazo de prescrição mais curto doutros de duração mais longa.
II - No caso do lesado pretender prevalecer-se desse prazo mais longo deverá alegar e demonstrar que o facto ilícito invocado como fundamento de responsabilidade civil, integra o tipo legal de crime subjacente ao alargamento da prescrição.



v

ACORDAM OS JUÍZES DA 2.ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES


I. Relatório

S, divorciada, titular do NIF n.º…, residente em… Braga, instaurou a presente acção de processo comum contra MASSA FALIDA DA SOCIEDADE COMERCIAL N, LDA, NIF n.º …, com sede em… Braga, N, titular do NIF n.º…, residente em… Póvoa de Lanhoso e F, titular do NIF n.º…, residente em… Braga.
A Autora funda a sua pretensão na celebração de contratos promessa simulados e consequente expulsão do imóvel da Autora que alegadamente lhe causaram prejuízos e pede a Autora a condenação dos Réus a pagarem-lhe a quantia de €15.000,00 (quinze mil euros) a título de danos não patrimoniais e a quantia de €48.165,00 (quarenta e oito mil cento e sessenta e cinco euros), a título de danos patrimoniais.
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Os Réus vieram invocar a excepção de prescrição alegando que o Acórdão a declarar a nulidade do contrato de compra e venda foi proferido em 25 de Março de 2010 e notificado à Autora em Abril de 2010 pelo que tendo a Autora tomado conhecimento do direito há mais de três anos deve ser declarada a prescrição do direito à indemnização invocada pela Autora, sem prejuízo de se considerar que o eventual direito da A. já estaria prescrito.
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A Autora pronunciou-se sobre a excepção dizendo que nos termos do disposto no artigo 498º nº 3 do CPC lhe aproveita o prazo de prescrição criminal uma vez que os factos consubstanciam a prática de crimes designadamente de crime de burla qualificada e de infidelidade.
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Foi realizada a audiência prévia com as finalidades de realizar tentativa de conciliação e de facultar às partes a discussão de facto e de direito, tendo sido proferida decisão que julgou verificada a excepção de prescrição e absolveu os Réus dos pedidos formulados nos presentes autos pela Autora.

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II. O Recurso
Não conformada com tal decisão, veio a A. INTERPOR o presente RECURSO de APELAÇÃO, admitido a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo, apresentando, para o efeito, as seguintes conclusões:
1. Incide o presente recurso sobre o direito aplicado na sentença recorrida, concretamente sobre a apreciação da invocação excepção de prescrição.
2. Entende a Recorrente que é possível concluir pela intenção por parte dos Recorridos de obter um enriquecimento ilegítimo às custas da Recorrente, agindo com consciência e dolo integrando, assim, o ilícito criminal consubstanciado no crime de burla.
3. Beneficiando, assim, do prazo prescricional alargado estipulado no artigo 498.º n.º 3 do Código Civil correspondendo esse prazo a 5 (cinco) anos, conforme resulta dos artigos 217.º e 118.º n.º 1 al. c) do Código Penal.
4. Porquanto, em 04.06.1996 a Recorrente celebrou um contrato promessa de compra e venda com a sociedade Nuelsil, actualmente falida e Ré/Recorrida nos presentes autos.
5. Nessa sede pagou a totalidade do preço acordado (13.000.000$00 – treze milhões de escudos) pela aquisição do imóvel.
6. Quantia que efectivamente saiu da sua esfera patrimonial sem que viesse a receber a contrapartida, consubstanciada na aquisição real e definitiva do imóvel visado, tendo apenas conseguido residir nele em inícios de 1997, após muito insistir pela entrega do mesmo, e sem que tivesse sido ainda outorgada a escritura pública de aquisição do imóvel.
7. Pois que a Recorrida Massa Falida adiou ao longo de anos a outorga dessa escritura pública, vindo a ser declarada a sua Falência no ano 2000 ficando impedida de agir por si em quaisquer decisões de disposição de património.
8. Em sede do processo de falência decidiu o liquidatário judicial resolver o contrato promessa de compra e vende outorgado com a Recorrente em 1996 e promover a venda do imóvel a terceiros.
9. O que veio a invalidar a acção para execução específica do contrato promessa intentada pela recorrida uma vez que esse processo foi extinto por inutilidade logo que declarada a falência da Recorrida N, vindo a ser vendido o imóvel a terceiro por decisão do liquidatário judicial.
10. Não bastasse a Recorrente ver-se privada do seu dinheiro e da propriedade do imóvel, essa venda realizada pelo liquidatário judicial conformou-se em negócios de aparência, já que no âmbito do processo de falência, em 03.04.2002, foram avisados os credores de que o imóvel, seria vendido ao Recorrido N pelo preço de € 37.400,00 (trinta e sete mil e quatrocentos euros).
11. Acontecendo que, contrariamente a essa informação, o liquidatário judicial da Recorrida Massa Falida declarou vender o imóvel ao Recorrido F pelo preço de € 37.400,00 (trinta e sete mil e quatrocentos euros) em 04.06.2002.
12. Tendo sido, por sua vez, inscrita a aquisição do referido imóvel no registo predial, em 10.07.2002, a favor do Recorrido N.
13. Vindo, ainda, a ser outorgada posteriormente, em 01.08.2002, uma escritura pública celebrada entre os Recorridos F e N pela qual aquele vendeu a este o referido imóvel pelo preço de € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros).
14. Portanto, saltou o imóvel de mão em mão, por várias intervenientes mas nunca pela aqui Recorrente que o havia pago há tantos anos e feito dele a sua casa de morada de família.
15. Até que, após interposição de uma acção pela Recorrente contra os Recorridos F e N, e mediante recursos interpostos para a segunda instância e para o Supremo Tribunal de Justiça se veio a dar por considerados nulos ambos os contratos (simulado e dissimulado, celebrado entre a Recorrida Massa Falida e o Recorrido F e entre o Recorrido F e o Recorrido N) regressando, por fim, o imóvel à esfera patrimonial da Recorrida Massa Falida.
16. No entanto, isso de nada valeu à Recorrente que até aos dias de hoje se vê privada do preço efectivamente pago e da propriedade do imóvel.
17. Antes toda a conduta da Recorrida Massa Falida criou maiores obstáculos ao ressarcimento do crédito da Recorrente na medida em que veio acrescer o crédito da Caixa Económica do Montepio Geral, contraído pelo Recorrido N para suposta aquisição do imóvel.
18. Certo é, pois, que mesmo pressupondo que os Recorridos F e N nada sabiam acerca da posição da Recorrente em face do imóvel objecto da discussão nos autos, a Massa Falida tudo sabia e ao invés de ter actuado no sentido de compor os interesses da Recorrente, contrariamente, prejudicou-a ainda mais com plena consciência do que fazia.
19. Locupletando-se às suas custas, ciente de que não seria capaz de restituir à Recorrente o investimento por esta feita já que o seu património não é suficiente para pagamento de todos os débitos.
20. A Recorrida Massa Falida originou e compactuou com esta sucedânea de acontecimentos, perfeitamente consciente da existência de uma promessa de venda e de um pagamento total do preço acordado nessa promessa, ou seja, consciente de estar a incumprir uma declaração negocial bilateral e sinalagmática que fora integralmente e de boa-fé cumprida pela Recorrente, causando-lhe sucessivos e inaufragáveis prejuízos. Agindo com manifesto dolo.
21. Acabando por vender duas vezes o mesmo bem, enriquecendo com os pagamentos respectivos, e acabando por ficar com o imóvel agora sem património suficiente para restituir o investimento dos (enganados) compradores, nomeadamente, o da aqui Recorrente.
22. Deveras, a Recorrida N ainda antes da falência, que sucessivamente usou de falsos pretextos junto da Recorrente para adiar a escritura publica de compra e venda do imóvel, a qual foi facilmente convencida por ser uma leiga em questões jurídico-legais e também por acreditar na boa-fé dos representantes legais daquela, conduziu a que a mesma ficasse privada do valor pago pelo imóvel desde 1996, vindo a ser despejada do imóvel em 2007 por acção movida pelos pretensos novos adquirentes do imóvel (Recorridos F e N).
23. A Recorrente ficou sem o seu dinheiro e sem a sua casa porque foi enganada pela Recorrida N que ainda se fez valer do processo de falência para mais transtornar e prejudicar a Recorrente.
24. Tudo fazendo para que a Recorrente ficasse privada da quantia efectivamente paga e nunca viesse a adquirir realmente o imóvel vendo-se sujeita e limitada a reclamar créditos no processo de falência.
25. Existem, pois, elementos suficientes e devidamente elencados na factologia...

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