Acórdão nº 2427/19.5T8STB-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 28-10-2021
Data de Julgamento | 28 Outubro 2021 |
Número Acordão | 2427/19.5T8STB-A.E1 |
Ano | 2021 |
Órgão | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora
I – RELATÓRIONa oposição deduzida por embargos de executado que correm por apenso à execução ordinária para pagamento de quantia certa em que é exequente CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A. e executados M…, J…, D… e MA…, na qual foi apresentada como título executivo uma livrança subscrita pela sociedade E. Fortuna, Lda e avalizada pelos executados, com o valor de €178.058,97, emitida em 02-06-2009 e vencida em 04-02-2019, foi proferido despacho saneador-sentença que declarou improcedente a oposição e, em consequência, determinou o prosseguimento da execução.
Inconformados, apelaram os embargantes J… e M…, pugnando pela revogação da decisão, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
«I. Na Livrança junto aos Autos, é sacadora a sociedade comercial E. Fortuna Lda, que foi declarada insolvente no dia 11 de Junho de 2013,
II. A Livrança foi avalizada pessoalmente pelos Recorrentes.
III. A Recorrida intentou a respectiva acção executiva contra os Recorrentes no dia 27 de Março de 2019.
IV. A sociedade comercial E. Fortuna Lda. foi declarada insolvente no dia 11 de Junho de 2013, quer dizer que, nos termos e efeitos do artigo 91.º do CIRE venceram-se todos os créditos na data da declaração de insolvência da E. Fortuna Lda, bem como que, entraram as partes em incumprimento definitivo após a declaração de insolvência no dia 11 de Junho de 2013.
V. Prevê a carta que foi pela Recorrida junta aos Autos – com a referência Citius 4816390 – que a Recorrida poderia “preencher a sobredita livrança, quando tal se mostre necessário, a juízo da própria CGD, tendo em conta, nomeadamente, o seguinte: a) a data de vencimento será fixada pela CGD quando, em caso de incumprimento das obrigações assumidas, a CGD decida preencher a livrança.”
VI. Prevê o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 30.04.2002 que “a circunstância de o preenchimento das letras constituir uma “simples faculdade” não significa que possa ser “livremente” exercida: optando por preencher as letras no contexto do incumprimento, a locadora deveria ter aposto na letra a data da resolução do contrato, apoiando-se não apenas no conteúdo do acordo de preenchimento (que previa que as letras em branco poderiam ser usadas em caso de mora superior a dez dias ou de incumprimento), como no interesse atendível do devedor “em ver delimitada claramente no tempo a sua responsabilidade” de onde resulta uma “imperatividade” quanto à coincidência entre a data de vencimento e a data da resolução do contrato por incumprimento”.
VII. Prevendo o pacto de preenchimento que a Recorrida está autorizada a preencher a livrança caso se verifique incumprimento dos Recorrentes – e tendo a presente livrança sido preenchida devido ao incumprimento definitivo das obrigações - então, quer isto dizer que, a Recorrida estava obrigada a indicar na Livrança a data da resolução do contrato, até porque, resulta do pacto de preenchimento uma imperatividade quanto à coincidência entre a data de vencimento e a data da resolução do contrato por incumprimento.
VIII. A Recorrente estava obrigada a preencher o título no exacto momento em que procede a resolução – vencimento da obrigação datada de 11 de Junho de 2013 – do contrato fundamental por incumprimento, uma vez que impende sobre a Recorrida o ónus de o fazer com alguma brevidade, sob pena de, decorridos (no máximo) três anos sobre esse instante perder definitivamente a possibilidade de exercitar o direito cambiário.
IX. Sendo certo que a Recorrida não está propriamente obrigada a preencher o título no exacto momento em que procede a resolução, ainda assim deve a Recorrida preencher e demandar os Recorrentes no prazo máximo de 3 (três) anos após a data de vencimento, sob pena de incorrer em preenchimento abusivo nos termos do art. 10.º da LULL, bem como, o direito cambiário considerar-se prescrito.
X. Se a Recorrida queria accionar – acção judicial - o título para lá desse limite temporal, ou seja, três anos após o vencimento da obrigação – que teve lugar em 11 de Junho de 2013 - incorre em preenchimento abusivo nos termos do art. 10.º da LULL e, por referência à data de vencimento correcta o direito cambiário deve considerar-se prescrito.
XI. Se a obrigação se venceu no dia 11 de Junho de 2013, com a declaração da insolvência da E. Fortuna Lda, quer isto dizer que, a data correcta de vencimento da Livrança não pode ser outra senão 11 de Junho de 2013.
XII. Tendo a acção apenas dado entrada em 27 de Março de 2019, então, dúvidas não existem que o direito da Recorrida prescreveu, uma vez que, foi a acção intentada depois do prazo de três anos, conforme previsto no artigo 70.º da LULL.
XIII. Assim sendo, uma vez que a Recorrida não exerceu o seu direito de demandar os Recorrentes no prazo de três anos a contar da data de vencimento da Livrança, conforme previsto no artigo 70.º da LULL, então, devem os Recorrentes serem totalmente absolvidos do pedido formulado pela Recorrida, nos termos e efeitos do artigo 70.º do LUL, bem como, pela inexistência de título executivo nos termos e efeitos do artigo 703.º e alínea a) do artigo 729.º do Código de Processo Civil.
XIV. Foi pelos Recorrentes alegado e requerido, em sede de Embargos de fls… que, este douto Tribunal lograsse pronunciar-se sobre a inconstitucionalidade do número 4 do artigo 217.º do CIRE.
XV. Não obstante tal facto, o douto Tribunal ad quo apenas veio alegar que, “não seria razoável que o credor ficasse inibido de accionar os respectivos avalistas, que não são insolventes, nem se encontram impossibilitados de cumprir as obrigações que livremente assumiram, face à autonomia da obrigação do aval que prestaram. Com efeito, o credor do insolvente, ao votar favoravelmente um plano de insolvência, fá-lo apenas em relação ao insolvente. Os garantes estão fora do âmbito da insolvência e do que nesta se delibera.”
XVI. Ora, salvo douta melhor opinião não logrou o douto Tribunal ad quo verificar a constitucionalidade do número 4 do artigo 217.º do CIRE.
XVII. Na verdade, limitou-se a explicar o regime jurídico, contudo, não foi isso que foi pretendido.
XVIII. Ao prever o número 4 do artigo 217.º do CIRE que o dador de aval é responsável pelo pagamento de valores diferentes daqueles que o afiançado está obrigado, então, dúvidas não podem existir que o número 4 do artigo 217.º do CIRE é inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade, princípio da segurança jurídica e do artigo 32.º da LULL.
XIX. Deve este douto Tribunal a quem pronunciar-se sobre a inconstitucionalidade do número 4 do artigo 217.º do CIRE e, por conseguinte, considerar que, o número 4 do artigo 217.º do CIRE é inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade, princípio da segurança jurídica e do artigo 32.º da LULL, bem como, que estamos perante um caso de novação das obrigações, pelo que, a serem responsáveis, são os Avalistas Recorrentes responsáveis pelos valores constantes do plano de insolvência.»
Na resposta ao recurso, a apelada defendeu a improcedência do mesmo e a confirmação da sentença.
II- FUNDAMENTAÇÃO
A- Objeto do Recurso
Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), no caso, impõe-se apreciar:
- Da omissão de pronúncia sobre a inconstitucionalidade do artigo 217.º, n.º 4, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE);
- Da prescrição da obrigação dos avalistas.
B- De Facto
A 1.ª instância deu como provada a seguinte matéria de facto:
«1. A Exequente dona e legítima portadora de uma Livrança, subscrita pela sociedade E. Fortuna Lda., (já declarada insolvente), emitida na Cova da Piedade, em 02/06/2009, no valor de € 178.058,97 e vencimento em 04/02/2019, conforme Doc. 1, que aqui se junta e se dá por reproduzida para todos os devidos e legais efeitos.
2. A livrança foi entregue em garantia do cartão de crédito CaixaWorks, tendo a referência interna n.º 10041887356.
3. A livrança supra identificada foi subscrita pela subscrita pela sociedade E. Fortuna Lda., e avalizada por M…, J…, D… e Ma…, que nela apuseram a sua firma após a competente declaração de «Bom por aval ao subscritor» (Doc. 1), reconhecendo que pagaria à aqui Exequente o valor nele aposto.
4. Ora, vencida a Livrança junta como Doc. 1, a mesma não foi paga na data do respectivo vencimento, nem posteriormente, não obstante as diligências efectuadas nesse sentido pela exequente.”.
5. Os opoentes/executados subscreveram e assinaram documento que devolveram à exequente, onde consta assinaladamente o seguinte:
“Assunto: Cartão caixaworks: entrega de livrança em branco
Contrato nº 10041887356
Exm.os Senhores
Tal como solicitado, em complemento do contrato de atribuição e utilização do cartão em título, vimos pela presente carta proposta entregar à Caixa Geral de Depósitos S.A. (CGD) uma livrança com montante e vencimento em branco, devidamente datada, por nós subscrita e avalizada pelos avalistas abaixo assinados destinada a garantir e assegurar o pagamento de todas as responsabilidades decorrentes da utilização do referido cartão e de acordo com as respectivas Condições Gerais de Utilização. Pela presente carta, ainda, autorizamos a CGD a preencher a sobredita livrança, quando tal se mostre necessário, a juízo da própria CGD, tendo em conta, nomeadamente, o seguinte: a) a data de vencimento será fixada pela CGD quando, em caso de incumprimento das obrigações assumidas, a CGD decida preencher a...
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