Acórdão nº 241/10.2GNPRT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 09-02-2011
Data de Julgamento | 09 Fevereiro 2011 |
Número Acordão | 241/10.2GNPRT.P1 |
Ano | 2011 |
Órgão | Tribunal da Relação do Porto |
PROCESSO Nº 241/10.2GNPRT.P1
RELATOR: MELO LIMA
Acordam na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório
1. No 4º Juízo Competência Criminal do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, em julgamento em processo sumário, foi o arguido B………. condenado: como autor imediato e sob a forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, 69.º, n.º 1, al. a) e 292.º, n.º 1, do C.P., na pena de 9 (nove) meses de prisão, cuja execução se suspende, ao abrigo do disposto no art.º 50.º, n.os 1 e 5, do C.P., por um período de 1 (um) ano, ficando a mesma subordinada, ao abrigo do disposto nos arts. 50.º, n.os 2 e 3, 51.º, n.º 1 e 52.º, n.os 1 e 3, do C.P. à frequência por parte do arguido do programa “STOP - Responsabilidade e segurança” com as suas quatro componentes:
a) Participação em entrevistas de continuidade, realizadas pelo técnico de reinserção social que apoia a execução da medida e visam o acompanhamento e supervisão ao longo do programa, de forma a acautelar as condições de execução das várias componentes e reforçar a aquisição de competências preconizadas nos diferentes módulos.
b) Inscrição numa consulta de alcoologia, da responsabilidade do Ministério da Saúde, que mediante o pagamento pelo arguido das taxas moderadoras, em data e hora a definir pelos serviços de reinserção social, para despiste de problemas de alcoolismo e avaliação da necessidade de tratamento médico dessa problemática e consequente tratamento, se necessário;
c) Frequência de um curso de "Condução de Veículo em Estado de Embriaguez – Estratégias de Prevenção da Reincidência” ministrado por técnicos de reinserção social, a funcionar em dinâmica de grupo, por várias sessões, para capacitar o arguido a adoptar comportamentos alternativos à condução de veículos em estado de embriaguez, através de uma reflexão crítica, em local e data a definir pelos serviços de reinserção social e pago pelo arguido;
d) Frequência de um curso de "Prevenção e Segurança Rodoviária", ministrado pela Prevenção Rodoviária Portuguesa, visando a consciencialização da dimensão social da tarefa de condução e a produção de atitudes de segurança, em local e data a definir pelos serviços de reinserção social e pago pelo arguido; de forma a alcançar os seguintes objectivos:
d1) Prevenir o cometimento no futuro de factos de idêntica natureza; d2) Permitir o confronto do arguido com as suas acções e tomada de consciência das suas condicionantes e consequências;
d3) Procurar o confronto do arguido com os problemas de que eventualmente padeça, nomeadamente o alcoolismo, procurando alcançar formas de os eliminar/minorar;
d4) Alcançar o conhecimento de alternativas de comportamento mais integradas e a tomada de consciência das vantagens de adopção de tais comportamentos.
Condeno ainda o arguido na pena acessória de proibição de condução de veículos com motor de qualquer categoria durante 10 (dez) meses.
2. Não se conformando com esta decisão, dela interpôs recurso o B………….., assim concluindo a respectiva motivação:
2.1 O recurso incide também sobre matéria de facto, pelo que nas conclusões seguintes se se resumirá os pontos de facto que cremos incorrectamente julgados, as provas disso, competindo a renovação da prova, a ser possível, ao acusador, e não ao arguido.
2.2 O Arguido é condenado com base numa TAS de 1,21 medida por dois aparelhos analisadores quantitativos (o da prova e o da contra-prova) e um aparelho analisador quantitativo inicial, supostamente de despistagem, em que a TAS medida foi de 1,16, constante - ou devendo constar - dos autos (se não constasse constituiria uma nulidade autónoma). Ou seja, a prova e a contra-prova contribuem para a qualificação da conduta como crime por 0,02 - e não a suposta confissão do arguido, porque o arguido não é uma máquina nem pode medir os seus próprios níveis de álcool no sangue - e um outro que, se prevalecesse, teria ficado aquém 0,03 do valor que qualifica a conduta do arguido como crime (e nós nem seque estaríamos aqui).
2.3 A prova constante do auto de notícia e em que se baseia a sentença tem de ser anulada, pois há um conflito entre os talões de medição da TAS, onde o que é indentificado como contra-prova é identificado no auto como prova (ou primeira medição).
2.4 A medição de inicial de 1,16 não é ponderada pelo tribunal a quo: mesmo que a viesse a desvalorizar, tem de discutir e fundamentar essa decisão, que deve ser equitativa e não discricionária.
2.5 São desrespeitados os princípios in dúbio pró réu e da legalidade democrática, que competem também à função jurisdicional.
2.6 O arguido não tem meios de conformar o seu comportamento à legalidade sem uma margem de erro humana e que lhe dever ser concedida com base no princípio da livre apreciação da prova – até porque a TAS inclui uma margem de erro mecânica.
2.7 O procedimento judicial corrente, nos casos de álcool (simplificando) despreza, claramente, o rigor. Com efeito, a acusação remete para o auto e a sentença para a acusação e para o auto, mas não se debruçam, verdadeiramente, sobre a questão:
2.8 O arguido não pode "saber" se o seu comportamento supera num valor de 0,02 o limite que o qualifica como crime, ou o antecede em 0,03.
2.9 A medição não é controlada com rigor pelo tribunal, nomeadamente quanto à aferição das máquinas utilizadas, e é fundamental que o seja.
2.10 O aparelho é um modelo aprovado pelo IPQ através de um despacho com 14 anos (de 1996) e com uma autorização que tem 12 anos (1998) e o acusador e o julgador devem pelo menos verificar a sua rigorosa aferição por uma questão de segurança dos cidadãos, que gostam de saber que são "medidos" com rigor e por máquinas cuidadosamente controladas por técnicos habilitados.
2.11 O magistrado judicial deve sindicar aferição dos aparelhos que "condenam" os arguidos, mas não consta de qualquer documento de prova com a informação sobre o
rigor e aferição do correcto funcionamento dos analisadores quantitativos de TAS,
2.12 O arguido não pode defender-se de uma humanamente imperceptível margem de erro mecânica quando a máquina tem primazia sobre a própria margem de erro humana.
2.13 Normas violadas:(e também as que deveriam ter sido devidamente aplicadas): Art°s 410°, 2 a) CPP, Art° 413° b) do CPP, Art° 412° n° 3 CPP, 368° CPP, 379°, c), todos do CPP; os princípios constitucionais do in dúbio pró reo, com expressão constitucional no Art° 32°, n° 2; o princípio da legalidade democrática constante dos Art°s 202°, n° 2 e 219°.n° l, todos da CRP, que é expressamente violada.
3. Respondeu a Exma. Procuradora-Adjunta concluindo nos seguintes termos:
3.1 É em sede de comprovação de qualidade, fiabilidade e subsequente aprovação, dos aparelhos de medição que se suscita ou pode suscitar a existência de “erros máximos admissíveis” enquanto balizas quantitativas de adequação e qualidade, no pressuposto de que os aparelhos que os ultrapassem não oferecem as características exigíveis e que acautelem as preocupações de protecção e de criação de um elevado nível de confiança nos instrumentos de medição;
3.2 Se os aparelhos de medição obedecem aos parâmetros técnicos aceites, isto é, se as medições por si efectuadas se contêm nas balizas definidas pelos “erros máximos admissíveis”, essa adequação técnica metrológica apenas pode ser infirmada por inspecção periódica ou extraordinária.
3.3 Não se pode transpor o conceito de “erro máximo admissível”, com campo de aplicação exclusivo na metrologia legal, onde se apura da conformidade de um aparelho de medição para o seu desempenho, para a sede factual em audiência de julgamento, onde se apuram factos concretos em função das regras processuais aplicáveis;
3.4 In casu, não tendo sido questionado que os aparelhos utilizados pelas forças de segurança estivessem aprovados e regularmente verificados, não caberia ao julgador, substituir-se ao legislador, sob pena de colocar em crise todo o sistema e de aumentar a insegurança das regras jurídicas que punem tais
ilícitos, os previnem e fiscalizam.
3.5 O arguido de forma integral, sem reservas, livre e sem coacção, confessou os factos que lhe eram imputados, admitindo assim que havia ingerido bebidas de teor alcoólico, sabendo e querendo conduzir o dito veículo rodoviário na referida via com uma T.A.S.
3.6 O elemento emocional do crime de condução sob o efeito do álcool não exige que...
RELATOR: MELO LIMA
Acordam na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório
1. No 4º Juízo Competência Criminal do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, em julgamento em processo sumário, foi o arguido B………. condenado: como autor imediato e sob a forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, 69.º, n.º 1, al. a) e 292.º, n.º 1, do C.P., na pena de 9 (nove) meses de prisão, cuja execução se suspende, ao abrigo do disposto no art.º 50.º, n.os 1 e 5, do C.P., por um período de 1 (um) ano, ficando a mesma subordinada, ao abrigo do disposto nos arts. 50.º, n.os 2 e 3, 51.º, n.º 1 e 52.º, n.os 1 e 3, do C.P. à frequência por parte do arguido do programa “STOP - Responsabilidade e segurança” com as suas quatro componentes:
a) Participação em entrevistas de continuidade, realizadas pelo técnico de reinserção social que apoia a execução da medida e visam o acompanhamento e supervisão ao longo do programa, de forma a acautelar as condições de execução das várias componentes e reforçar a aquisição de competências preconizadas nos diferentes módulos.
b) Inscrição numa consulta de alcoologia, da responsabilidade do Ministério da Saúde, que mediante o pagamento pelo arguido das taxas moderadoras, em data e hora a definir pelos serviços de reinserção social, para despiste de problemas de alcoolismo e avaliação da necessidade de tratamento médico dessa problemática e consequente tratamento, se necessário;
c) Frequência de um curso de "Condução de Veículo em Estado de Embriaguez – Estratégias de Prevenção da Reincidência” ministrado por técnicos de reinserção social, a funcionar em dinâmica de grupo, por várias sessões, para capacitar o arguido a adoptar comportamentos alternativos à condução de veículos em estado de embriaguez, através de uma reflexão crítica, em local e data a definir pelos serviços de reinserção social e pago pelo arguido;
d) Frequência de um curso de "Prevenção e Segurança Rodoviária", ministrado pela Prevenção Rodoviária Portuguesa, visando a consciencialização da dimensão social da tarefa de condução e a produção de atitudes de segurança, em local e data a definir pelos serviços de reinserção social e pago pelo arguido; de forma a alcançar os seguintes objectivos:
d1) Prevenir o cometimento no futuro de factos de idêntica natureza; d2) Permitir o confronto do arguido com as suas acções e tomada de consciência das suas condicionantes e consequências;
d3) Procurar o confronto do arguido com os problemas de que eventualmente padeça, nomeadamente o alcoolismo, procurando alcançar formas de os eliminar/minorar;
d4) Alcançar o conhecimento de alternativas de comportamento mais integradas e a tomada de consciência das vantagens de adopção de tais comportamentos.
Condeno ainda o arguido na pena acessória de proibição de condução de veículos com motor de qualquer categoria durante 10 (dez) meses.
2. Não se conformando com esta decisão, dela interpôs recurso o B………….., assim concluindo a respectiva motivação:
2.1 O recurso incide também sobre matéria de facto, pelo que nas conclusões seguintes se se resumirá os pontos de facto que cremos incorrectamente julgados, as provas disso, competindo a renovação da prova, a ser possível, ao acusador, e não ao arguido.
2.2 O Arguido é condenado com base numa TAS de 1,21 medida por dois aparelhos analisadores quantitativos (o da prova e o da contra-prova) e um aparelho analisador quantitativo inicial, supostamente de despistagem, em que a TAS medida foi de 1,16, constante - ou devendo constar - dos autos (se não constasse constituiria uma nulidade autónoma). Ou seja, a prova e a contra-prova contribuem para a qualificação da conduta como crime por 0,02 - e não a suposta confissão do arguido, porque o arguido não é uma máquina nem pode medir os seus próprios níveis de álcool no sangue - e um outro que, se prevalecesse, teria ficado aquém 0,03 do valor que qualifica a conduta do arguido como crime (e nós nem seque estaríamos aqui).
2.3 A prova constante do auto de notícia e em que se baseia a sentença tem de ser anulada, pois há um conflito entre os talões de medição da TAS, onde o que é indentificado como contra-prova é identificado no auto como prova (ou primeira medição).
2.4 A medição de inicial de 1,16 não é ponderada pelo tribunal a quo: mesmo que a viesse a desvalorizar, tem de discutir e fundamentar essa decisão, que deve ser equitativa e não discricionária.
2.5 São desrespeitados os princípios in dúbio pró réu e da legalidade democrática, que competem também à função jurisdicional.
2.6 O arguido não tem meios de conformar o seu comportamento à legalidade sem uma margem de erro humana e que lhe dever ser concedida com base no princípio da livre apreciação da prova – até porque a TAS inclui uma margem de erro mecânica.
2.7 O procedimento judicial corrente, nos casos de álcool (simplificando) despreza, claramente, o rigor. Com efeito, a acusação remete para o auto e a sentença para a acusação e para o auto, mas não se debruçam, verdadeiramente, sobre a questão:
2.8 O arguido não pode "saber" se o seu comportamento supera num valor de 0,02 o limite que o qualifica como crime, ou o antecede em 0,03.
2.9 A medição não é controlada com rigor pelo tribunal, nomeadamente quanto à aferição das máquinas utilizadas, e é fundamental que o seja.
2.10 O aparelho é um modelo aprovado pelo IPQ através de um despacho com 14 anos (de 1996) e com uma autorização que tem 12 anos (1998) e o acusador e o julgador devem pelo menos verificar a sua rigorosa aferição por uma questão de segurança dos cidadãos, que gostam de saber que são "medidos" com rigor e por máquinas cuidadosamente controladas por técnicos habilitados.
2.11 O magistrado judicial deve sindicar aferição dos aparelhos que "condenam" os arguidos, mas não consta de qualquer documento de prova com a informação sobre o
rigor e aferição do correcto funcionamento dos analisadores quantitativos de TAS,
2.12 O arguido não pode defender-se de uma humanamente imperceptível margem de erro mecânica quando a máquina tem primazia sobre a própria margem de erro humana.
2.13 Normas violadas:(e também as que deveriam ter sido devidamente aplicadas): Art°s 410°, 2 a) CPP, Art° 413° b) do CPP, Art° 412° n° 3 CPP, 368° CPP, 379°, c), todos do CPP; os princípios constitucionais do in dúbio pró reo, com expressão constitucional no Art° 32°, n° 2; o princípio da legalidade democrática constante dos Art°s 202°, n° 2 e 219°.n° l, todos da CRP, que é expressamente violada.
3. Respondeu a Exma. Procuradora-Adjunta concluindo nos seguintes termos:
3.1 É em sede de comprovação de qualidade, fiabilidade e subsequente aprovação, dos aparelhos de medição que se suscita ou pode suscitar a existência de “erros máximos admissíveis” enquanto balizas quantitativas de adequação e qualidade, no pressuposto de que os aparelhos que os ultrapassem não oferecem as características exigíveis e que acautelem as preocupações de protecção e de criação de um elevado nível de confiança nos instrumentos de medição;
3.2 Se os aparelhos de medição obedecem aos parâmetros técnicos aceites, isto é, se as medições por si efectuadas se contêm nas balizas definidas pelos “erros máximos admissíveis”, essa adequação técnica metrológica apenas pode ser infirmada por inspecção periódica ou extraordinária.
3.3 Não se pode transpor o conceito de “erro máximo admissível”, com campo de aplicação exclusivo na metrologia legal, onde se apura da conformidade de um aparelho de medição para o seu desempenho, para a sede factual em audiência de julgamento, onde se apuram factos concretos em função das regras processuais aplicáveis;
3.4 In casu, não tendo sido questionado que os aparelhos utilizados pelas forças de segurança estivessem aprovados e regularmente verificados, não caberia ao julgador, substituir-se ao legislador, sob pena de colocar em crise todo o sistema e de aumentar a insegurança das regras jurídicas que punem tais
ilícitos, os previnem e fiscalizam.
3.5 O arguido de forma integral, sem reservas, livre e sem coacção, confessou os factos que lhe eram imputados, admitindo assim que havia ingerido bebidas de teor alcoólico, sabendo e querendo conduzir o dito veículo rodoviário na referida via com uma T.A.S.
3.6 O elemento emocional do crime de condução sob o efeito do álcool não exige que...
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