Acórdão n.º 240/2021

Data de publicação21 Maio 2021
SeçãoParte D - Tribunais e Ministério Público
ÓrgãoTribunal Constitucional

Acórdão n.º 240/2021

Sumário: Decide, com respeito às contas relativas à campanha eleitoral para a Eleição de 2015 dos deputados à Assembleia da República, julgar improcedente o recurso interposto pelo Partido Democracia e Cidadania Cristã (PPV/CDC) da decisão proferida pela Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP) em 8 de junho de 2018; julgar procedente o recurso interposto pela mandatária financeira da candidatura da decisão proferida pela ECFP em 7 de julho de 2020 e, em consequência, absolver a arguida e o arguido PPV/CDC da prática da contraordenação prevista e sancionada pelo artigo 31.º, n.os 1 e 2, da Lei do Financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.

Processo n.º 895/20

Aos vinte e um dias do mês de abril de dois mil e vinte e um, achando-se presentes o Conselheiro Presidente João Caupers e os Conselheiros José António Teles Pereira (intervindo por videoconferência), Joana Fernandes Costa, Maria José Rangel de Mesquita, Maria da Assunção Raimundo, Gonçalo de Almeida Ribeiro, Fernando Vaz Ventura, Pedro Machete, Mariana Rodrigues Canotilho, Maria de Fátima Mata-Mouros, José João Abrantes e Lino Rodrigues Ribeiro (intervindo por videoconferência), foram trazidos à conferência os presentes autos.

Após debate e votação, e apurada a decisão do Tribunal, foi pelo Exmo. Conselheiro Presidente ditado o seguinte:

I - Relatório

1 - Por decisão de 8 de junho de 2018, a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (doravante, «ECFP») julgou prestadas, com irregularidades, as contas apresentadas pelo Partido Democracia e Cidadania Cristã (PPV/CDC), do qual Tânia Guerreiro de Avillez Melo e Castro foi mandatária financeira [artigos 27.º, n.º 4, da Lei n.º 19/2003, de 20 de Junho (Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais, doravante, «LFP») e 43.º, n.º 1, da Lei Orgânica n.º 2/2005, de 10 de Janeiro (Lei da Organização e Funcionamento da ECFP, doravante, «LEC»)].

Foram as seguintes as irregularidades discriminadas:

a) Publicação do anúncio de identificação do mandatário financeiro após o prazo legal, em violação do artigo 21.º, n.º 4, da LFP;

b) Incumprimento do dever de pagamento de despesas de campanha através da conta bancária especificamente constituída para o efeito, em violação do artigo 15.º, n.º 3, da LFP.

2 - O PPV/CDC interpôs recurso desta decisão, nos termos dos artigos 23.º da LEC e 9.º, alínea e), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional, doravante, «LTC») - cuja análise preliminar a ECFP relegou para momento posterior invocando a jurisprudência constitucional no sentido de determinar a subida de tais recursos a final, por ocasião da impugnação da decisão sancionatória -, arguindo vícios na notificação da decisão recorrida, questionando a «tempestividade» da decisão e invocando a sanação da irregularidade referida em a) supra, reveladora da falta de intenção da sua prática, a qual não é, assim, censurável, nem pode ser sancionada contraordenacionalmente, bem como a inexistência de dolo quanto à irregularidade mencionada em b) com a consequente falta de preenchimento do tipo subjetivo de ilícito contraordenacional.

3 - Na sequência da decisão relativa à prestação das contas, a ECFP levantou um auto de notícia e instaurou processo contraordenacional contra o PPV/CDC e contra a mandatária financeira do Partido pela prática da irregularidade referida em b) supra.

4 - No âmbito do procedimento contraordenacional instaurado contra o PPV-CDC (Processo n.º 14/2018), por decisão de 7 de julho de 2020, a ECFP aplicou a sanção de admoestação, pela prática da contraordenação prevista e sancionada pelo artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP, por referência à irregularidade referida em b) supra.

5 - No âmbito do procedimento contraordenacional instaurado contra Tânia Guerreiro de Avillez Melo e Castro, enquanto mandatária financeira do Partido (Processo n.º 15/2018), por decisão de 7 de julho de 2020, a ECFP aplicou a sanção de admoestação, pela prática da contraordenação prevista e sancionada pelo artigo 31.º, n.º 1, da LFP, por referência à irregularidade referida em b) supra.

6 - Notificados ambos os arguidos destas decisões sancionatórias, apenas Tânia Guerreiro de Avillez Melo e Castro interpôs recurso, nos termos dos artigos 23.º e 46.º, n.º 2, da LEC, e do artigo 9.º, alínea e), da LTC, alegando, em síntese, que agiu com mera negligência, pelo que, sendo a contraordenação que lhe é imputada apenas sancionada a título de dolo, deve ser absolvida.

7 - Recebido o requerimento deste recurso, a ECFP sustentou as duas decisões recorridas e determinou a remessa dos autos ao Tribunal Constitucional.

8 - O Tribunal Constitucional admitiu os recursos interpostos e ordenou a abertura de vista ao Ministério Público, nos termos do n.º 1 do artigo 103.º-A da LTC.

9 - O Ministério Público emitiu parecer a respeito dos recursos.

10 - Notificados de tal parecer, os arguidos nada disseram.

II - Fundamentação

A. Considerações gerais sobre o novo regime de fiscalização das contas dos partidos e das campanhas eleitorais

11 - A Lei Orgânica n.º 1/2018, de 19 de abril, veio alterar a LFP e a LEC, introduzindo mudanças significativas no regime de apreciação e fiscalização das contas dos partidos políticos e no regime de aplicação das respetivas coimas.

Tendo em conta que, à data de entrada em vigor dessa Lei - 20 de abril de 2018 (cf. o seu artigo 10.º) -, ainda não havia sido apurada a responsabilidade contraordenacional do PPV/CDC e respetiva mandatária financeira, tal regime é-lhes aplicável, nos termos da norma transitória do artigo 7.º da mesma Lei.

A referida Lei Orgânica introduziu profundas alterações no regime de apreciação e fiscalização das contas dos partidos políticos e no regime de aplicação das respetivas contas.

Na síntese do Acórdão n.º 421/2020:

«A alteração mais significativa tem que ver com a competência para apreciar a regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais e aplicar as respetivas coimas, que até essa data pertencia ao Tribunal Constitucional e passou a ser atribuída à ECFP (artigos 9.º, n.º 1, alínea d), da LEC, e 24.º, n.º 1, da LFP).

Nos termos do novo regime legal, caberá ao Tribunal Constitucional apreciar, em sede de recurso de plena jurisdição, em plenário, as decisões daquela Entidade em matéria de regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, incluindo as decisões de aplicação de coimas (artigos 9.º, n.º 1, alínea e), e 103.º-A da LTC, 23.º, n.º 1, da LFP e 23.º, n.º 1, da LEC).

No plano processual, porém, o novo regime manteve a pluralidade de fases e dimensões materiais objeto de pronúncia, todas comportadas no mesmo processo. Excluindo agora o caso particular de incumprimento puro e simples do dever de entrega das contas discriminadas da campanha eleitoral, é a seguinte a dinâmica processual do processo de prestação de contas.

Continua a existir uma fase inicial, que tem por objeto (e escopo) a apreciação das contas dos partidos e das campanhas eleitorais, que os partidos ou as candidaturas devem enviar à ECFP, para esse efeito, no prazo fixado (artigos 27.º, n.os 1 e 4, 35.º, n.º 1, e 43.º, n.os 1 a 3, da LEC), findo a qual a ECFP decide do cumprimento da obrigação de prestação de contas e da existência ou não de irregularidades nas mesmas (artigos 35.º a 45.º da LEC).

De acordo com a modelação resultante dos artigos 35.º a 44.º, a intervenção da ECFP nesta fase inicial esgota-se na identificação («discriminação», na letra da lei) das irregularidades detetadas nas contas (dos partidos ou das campanhas), sem lhes fixar qualquer tipo de efeito ou consequência jurídica. Por isso se referiu, no Acórdão n.º 405/2009, que a mesma «se poderia designar, por oposição àquela que se lhe segue para apuramento da responsabilidade contraordenacional, por fase declarativa ou de simples apreciação» (que melhor se designaria por subfase declarativa).

Verificando-se a existência de irregularidades na prestação de contas, abre-se uma segunda subfase que tem por objeto o apuramento da responsabilidade contraordenacional dos mandatários financeiros e dos partidos e a definição das respetivas consequências jurídicas (subfase condenatória).

Estará então encerrada a fase administrativa do processo de prestação de contas, da competência da ECFP [...].»

Foi o que sucedeu nos presentes autos, tendo sido proferidas pela ECFP, ao longo das fases referidas, duas decisões: (i) decisão que julgou as contas da companha eleitoral em causa prestadas com irregularidades e (ii) decisão sobre as contraordenações em matéria dessas mesmas contas, que condenou o PPV/CDC e a mandatária financeira, aplicando-lhes a sanção de admoestação.

Afigura-se-nos que, nos termos do novo regime, qualquer destas decisões - mesmo a primeira - é autonomamente recorrível para o Tribunal Constitucional.

No que especificamente respeita à decisão proferida na primeira fase do processo, essa recorribilidade parece decorrer, desde logo, do teor do artigo 23.º da LEC, que, sob a epígrafe «Recurso das decisões da Entidade», versa sobre os atos da Entidade suscetíveis de recurso, e, mais diretamente, do artigo 9.º, alínea e), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional, quando estabelece que compete ao Tribunal Constitucional apreciar, em sede de recurso, «as decisões da ECFP em matéria de regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos [...] e das campanhas eleitorais, nos termos da lei, incluindo as decisões de aplicação de coimas.». Da letra deste artigo resulta que as decisões sancionatórias da ECFP não esgotam o leque das decisões proferidas por essa Entidade das quais é possível recorrer. Ainda que essa recorribilidade não decorresse das normas indicadas, aquela primeira decisão sempre configuraria um ato administrativo lesivo de direitos e interesses e, nessa medida, impugnável (neste sentido, vide o Acórdão n.º 421/2020 citado)...

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