Acórdão nº 240/20.6T8VIS.A.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 12-09-2023
Data de Julgamento | 12 Setembro 2023 |
Ano | 2023 |
Número Acordão | 240/20.6T8VIS.A.C1 |
Órgão | Tribunal da Relação de Coimbra |
Proc. Nº 240/20.6T8VIS-A.C1-Apelação
Tribunal Recorrido: Tribunal Judicial da Comarca de Viseu-Juízo de Execução de Viseu-J....
Recorrentes: A... Lda.
Recorrido: B... S.A.
Juiz Desembargador Relator: Cristina Neves
Juízes Desembargadores Adjuntos: Teresa Albuquerque
Pires Robalo
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Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra
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RELATÓRIO
Intentada execução para pagamento de quantia certa por B... S.A. contra A... Lda., AA, BB e CC, vieram estes deduzir oposição à execução, por embargos de executado.
Para o efeito, arguiram a excepção de caso julgado por força da sentença proferida no âmbito da oposição deduzida ao processo de execução n.º 509/10...., que o Banco 1... intentou contra os ora executados, em 06.10.2010, que correu termos no tribunal da Comarca do Porto, Juízo de Execução do Porto – Juiz ..., e que julgou sem efeito o direito de denúncia do contrato de crédito pelo Banco 1... e assim, extinta a execução e, mais arguiram a inexigibilidade do crédito, por aplicação do disposto no artigo 437.º, n.º 1 do Código Civil, e, ainda, por falta de cumprimento do PERSI.
Por último, invocaram a extinção parcial da obrigação exequenda por compensação de créditos e a prescrição dos juros peticionados com mais de cinco anos.
Em sede de impugnação, alegaram que a taxa de juros contratualizada foi a Euribor a 3 meses acrescida de um spread de 2%, e não os 3,5% aplicados pela Embargada aquando da liquidação.
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Em sede de contestação, veio a embargada pugnar pela improcedência das excepções de caso julgado e falta de integração no PERSI, mais invocando a exigibilidade do crédito por interpelação dos Embargantes, conforme resulta do documento 7 junto com o requerimento executivo, impugnando ainda o demais articulado por estes.
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Em sede de despacho saneador julgou-se:
i. os Embargantes BB, AA e CC parte ilegítima na execução, tendo sido absolvidos da instância executiva;
ii. a improcedência da excepção de caso julgado e que a Embargada não estava impedida de propor nova execução;
iii. que, por força da autoridade do caso julgado formado no âmbito da acção ordinária n.º 187/10.... e no âmbito da oposição n.º 509/10...., não seria conhecida a matéria alegada pelos Embargantes relativamente à inexigibilidade do crédito exequendo;
iv. improcedente a excepção dilatória inominada decorrente da falta de integração no PERSI;
v. que, por se encontrar prescrito o crédito dos Embargantes, era improcedente a invocada excepção peremptória de compensação.
Foi, ainda, proferido despacho a fixar o objecto do litígio e os temas da prova.
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Após, realizou-se audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou “a matéria dos embargos parcialmente procedente e, consequentemente, determina-se o prosseguimento da execução para cobrança da quantia de €900.000,00 (novecentos mil euros), acrescida de juros moratórios contabilizados desde 15.01.2015, à taxa de juros que resultará da conjugação do indexante Euribor a 3M + 2%, até integral pagamento da dívida.
Custas pela Embargante e pela Embargada na proporção do decaimento.”
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Não conformada com esta decisão, impetrou a executada/embargante, recurso da mesma, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
“III – CONCLUSÕES
A) Tendo em conta a factualidade revelada documentalmente a cessão operada entre a Embargada e o Banco 1... tem de se qualificar como uma verdadeira cessão de posição contratual e não uma mera cessão de créditos para a qual é exigido o consentimento sob pena de ineficácia, que aqui se deixa invocada;
B)Apenas as instituições de crédito podem exercer, a título profissional, as atividades referidas no RGICSF, nomeadamente, e no que ao presente recurso interessa - Operações de crédito;
C) In casu, tratamos precisamente de um contrato de abertura de crédito, até ao montante de 650.000,00 € (posteriormente aumentado para 900.000,00 €), pelo prazo de 6 meses, prorrogado automaticamente por períodos sucessivos de seis meses, sendo que os valores utilizados venceriam juros à taxa Euribor a três meses, arredondada para 1/8 de ponto percentual superior, acrescida de um spread de 2% (dois pontos percentuais);
D) Que esteve/está em vigor até à data da sua resolução pela Exequente;
E) A qual agiu durante dez anos como mutuária, recebendo a respectiva remuneração pelo negócio e em última instância promovendo a sua resolução por incumprimento;
F) E nessa medida é nula a cessão da posição contratual por invadir a esfera de exclusividade assegurada às instituições de crédito e às sociedades financeiras e nenhum efeito pode produzir.
G) A Exequente não pode operar a denúncia/resolução do contrato por incumprimento da parte faltosa porque apenas a parte mutuante (leia-se o Banco 1...) está legitimada a fazê-lo de acordo com o contrato de abertura de crédito onde Embargante e Banco 1... convencionaram que o Banco poderia denunciar o contrato, declarando vencidas todas as obrigações dele decorrentes e exigir o seu cumprimento imediato, por notificação escrita à Mutuária, ficando a Embargante obrigada a pagar, por efeito dessa resolução, todos os valores que se mostrassem em dívida ao Banco 1....
H) Nada vale e nenhum efeito pode produzir por conseguinte a resolução operada pela Exequente por carta registada com aviso de recepção datada de 13.12.2019, na sequência da decisão que considerou sem efeito o prévio exercício do direito de denúncia do Banco, mantendo-se intacto e em vigor o contrato de abertura de crédito, pelo prazo de 6 meses, prorrogado automaticamente por períodos sucessivos de seis meses, celebrado entre a Embargante e o Banco 1...;
I) O que inexoravelmente deve ditar a extinção da execução por inexigibilidade da obrigação; J) Decidindo de forma diversa na douta sentença verificou-se a violação do disposto nos art.º 4º e 8º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF) – aprovado pelo Dec. Lei n.º 298/92 de 31/12, art.º 424º CC e 704º CPC.
Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. proficientemente suprirão, deverá ser concedido provimento ao recurso e, por via disso, revogada a douta sentença proferida e ordenada a extinção da execução.”
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Foram interpostas contra-alegações pela exequente, das quais constam as seguintes conclusões:
“II – CONCLUSÕES
1. O douto recurso oferecido não pode ser admitido por configurar uma insustentável violação do princípio da concentração da defesa e consubstanciar matéria excluída da disponibilidade de uma segunda instância.
2. Com a presente apelação a recorrente pugna que a quantia exequenda será inexigível, alegando, para tanto, que ao invés de uma cessão de crédito, o que terá acontecido entre cedente e cessionária é, ao invés, uma cessão da posição contratual não autorizada/ineficaz.
3. Compulsados os articulados e a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento em primeira instância, resulta sem margem para dúvidas que NADA foi alegado neste sentido pela recorrente.
4. Esta JAMAIS pôs em cheque a eficácia ou validade da cessão de créditos – titulada por documento autêntico não impugnado – muito menos alvitrando que se trataria, pelo contrário, de uma cessão não autorizada da posição contratual.
5. Muito pelo contrário, na defesa oferecida a ora recorrente curou de expressamente abalar a exigibilidade da quantia exequenda, mas NUNCA com o fundamento de que só agora se socorre em sede recursiva.
6. Trata-se, assim, de uma violação ostensiva do princípio da concentração da defesa, conforme vastamente se tem debruçado as instâncias superiores, tal como resulta, por exemplo, do Ac. da Relação do Porto, de 17/05/2022 (Proc. n.º 2726/18.3T8PRT-A.P1).
7. Com efeito, a dar amparo a tese só agora oferecida pela recorrente, esta teria que ter sido alegada (e provada) no correspondente articulado, de ordem a poder ser sindicada em primeira instância.
8. Desde logo porque dúvidas não há de que se trata de matéria não superveniente, isto é, absolutamente conhecida e inalterada naqueloutro momento em que os embargos foram oferecidos.
9. Conforme se pronunciaram cristalinamente os Acs. da Relação de Coimbra, de 25/05/2021 (Proc. n.º 4886/19.7T8CBR-A.C1) e de 06/11/2012 (Proc. n.º 169487/08.3YIPRT-A.C1), o princípio da concentração da defesa e a regra da proibição de ius novarum determinam a incontornável improcedência do presente recurso.
10. A presente alegação configura uma quaestio irremediavelmente nova, sobre a qual o Tribunal a quo (e a ora recorrida) não se pode pronunciar e que por esse motivo está excluída da apreciação do Tribunal ad quem.
11. É o corolário de um sistema de reponderação que vincula o tribunal do recurso, no sentido em que o que o Tribunal superior pode apreciar e sindicar é a decisão proferida pelo tribunal hierarquicamente inferior, e não assumir vestes de primeira instância e apreciar matérias novas ou a própria questão controvertida, extravasando os elementos de facto e de prova que determinaram a decisão recorrida.
12. Veja-se a este respeito o Ac. da Relação de Guimarães, de 16/05/2019 (Proc. n.º 1829/16.3T8VRL.G1), que nos oferece uma súmula da doutrina mais ajuizada sobre este thema.
13.Assim, sempre salvo devido melhor respeito, em virtude da inelutável violação do princípio da concentração da defesa e por assumir-se como ius novarum, deve o presente recurso ser julgado improcedente, por inadmissível.
14.Sem prescindir, sempre se esclarecerá que, mesmo que se assumisse a tese oferecida (de que estaríamos perante uma cessão da posição contratual), ainda assim a alegação nova com que a recorrida se vê confrontada é irremediavelmente falsa.
15.Nunca a recorrida recebeu qualquer remuneração por via do crédito cedido, tampouco praticou quaisquer actos que lhe estariam vedados por conta do princípio da exclusividade vertido...
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