Acórdão nº 2399/19.6T8STB.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 14-07-2021
Data de Julgamento | 14 Julho 2021 |
Case Outcome | NEGADA |
Classe processual | REVISTA |
Número Acordão | 2399/19.6T8STB.E1.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
I - RELATÓRIO
Em acção declarativa, com processo comum, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca ...... (Juízo Central Cível ...... - Juiz ..) AA, intentou acção com processo comum contra BB, CC, DD, e EE, e FF, peticionando:
A) Seja declarado e reconhecido o direito de preferência da A. na compra e venda celebrada entre as RR., por contrato de 31 de Outubro de 2018, relativamente ao prédio misto denominado "……", sito em ……, na freguesia ......., concelho ....., descrito na Conservatória do Registo Predial ....... sob o n.° …64, da referida freguesia, sendo a parte rústica composta por Montado de Sobro ou Sobreiral, inscrita na matriz predial rústica sob o artigo …, secção .., da referida freguesia, e a parte urbana, composta por edifício de R/C e dependência, inscrita na matriz predial urbana sob o artº ….47;
B) Seja reconhecido o direito da A. de haver para si o referido prédio, substituindo-se aos RR compradores na posição que estes ocupam no referido contrato de compra e venda;
C) Sejam os RR. compradores condenados a entregar o referido Prédio à A., livre e desocupado;
D) Seja ordenado o cancelamento de todos e quaisquer registos que os RR. compradores (Adquirentes) hajam feito a seu favor em consequência da compra do referido Prédio e, bem assim, outros que estes vierem a fazer, sempre com todas as demais consequências que ao caso couberem.
Alegou, em síntese, que estão reunidos todos os pressupostos legais para o exercício do direito de preferência, o qual lhe está a ser negado pelos réus com fundamento na caducidade do direito, por tardia comunicação de intenção de o exercer.
Contestaram os réus, defendendo que a autora não cumpriu o prazo de oito dias que lhe foi concedido para o exercício do direito de preferência, pelo que tal direito caducou, devendo a ação ser julgada improcedente.
Foi proferido saneador-sentença no qual se declarou verificada a caducidade do direito de preferência exercido pela autora e, consequentemente, declarou-se improcedente a acção e se absolveram os réus do pedido.
Não se conformando com a sentença a autora interpôs recurso de apelação e a Relação, por acórdão de 03.12.2020, julgou improcedente a apelação e confirmou a sentença recorrida.
A autora interpôs recurso de revista excepcional ao abrigo do disposto no artigo 672º nº 1 alíneas a), b) e c) do Código de Processo Civil, que foi admitido por acórdão da Formação de 14 de Maio de 2021.
São as seguintes as CONCLUSÕES da autora:
QUANTO AO OBJECTO DO RECURSO
A. Na sua fundamentação, o acórdão recorrido, entendeu que o exercício do direito de preferência pela recorrente foi intempestivo, em virtude de a manifestação de vontade em preferir ter chegado ao conhecimento do destinatário após o oitavo dia do prazo previsto no n.º 2 do art.º 416.º do CC e, nessa conformidade, considerou ter caducado o direito de preferência.
B. Em síntese, o acórdão recorrido entendeu que o momento relevante para aferir da tempestividade do exercício do direito de preferência é o momento em que a declaração do preferente a manifestar a sua vontade de preferir chega ao conhecimento do obrigado à preferência, fazendo, assim prevalecer o regime da eficácia da declaração previsto no n.º 1 do art.º 224.º do CC sobre o regime da caducidade.
C. Com esse entendimento, o tribunal ad quo violou o regime previsto no n.º 1 do art.º 224.º do CC, bem como no n.º 2 do artº 298.º do CC, n.º 1 do art.º 331.º do CC, no n.º 2 do art.º 416.º do CC e n.º 1 in fine do art.º 224.º do CC, uma vez que, estando em causa um prazo de caducidade, o que releva é o momento da prática do acto e não o momento em que o mesmo chega ao conhecimento do destinatário.
QUANTO AOS REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO
D. O acórdão recorrido está em contradição com a jurisprudência mais esclarecida, recente e consolidada dos tribunais superiores, proferida sobre a mesma questão essencial de direito, designadamente com o Acórdão da mesma Relação de Évora, proferido em 30/05/2019 no processo 2888/16.4T8FAR.E1 (Acórdão Fundamento), que, em sentido totalmente oposto ao da decisão recorrida, afirma, logo no seu sumário, o seguinte (cfr. Cit. Doc 1): “I - O momento relevante para aferir da caducidade do direito de preferência é a data da prática do acto, ou seja, a data em que o preferente emite a sua declaração de vontade de preferir no negócio de compra e venda que lhe foi comunicado, e não a data em que o obrigado à preferência recebe tal comunicação.”
E. O acórdão fundamento, transitado em julgado, entendeu que, sendo de caducidade, o prazo para o exercício da preferência, estão em causa razões de protecção jurídica das relações e garantias da confiança, absolutamente essenciais para o desenvolvimento e progresso económico e paz social, e que, nessa conformidade, de acordo com o regime legal em vigor, o momento relevante para aferir da tempestividade do exercício do direito de preferência é o da prática do acto:
“Efectivamente, o momento para aferir da caducidade do direito é a data da prática do acto, ou seja a data da em que o preferente emite a sua declaração de vontade de preferir no negócio de compra e venda que lhe foi comunicado, e não a data em que o obrigado à preferência recebe tal comunicação. (…)
Se assim não fosse, estar-se-ia a diminuir o prazo legal de 8 dias concedido ao preferente para emitir a sua declaração, pois, remetendo o preferente a sua resposta por escrito teria que a expedir com a necessária antecedência para que a mesma chegasse por via postal ao destinatário antes do termo do prazo, ficando ainda sujeito às contingências de eventuais demoras na distribuição e entrega do correio e a ter que provar que o atraso não decorreu de culpa sua.”
F. O Tribunal da Relação de Évora, na sua decisão de 30/05/2019, foi inequívoco quanto ao momento que considera relevante para aferir da caducidade do exercício da preferência no termos do n.º 2 do ar.tº 416.º do CC. E esse momento, é o da prática do acto, rectius: A expedição da carta contendo a declaração a manifestar a vontade de preferir.
G. O acórdão da Relação de Évora, acima citado transitou em julgado (cfr. cit. Doc. 1), e está em oposição com o Acórdão recorrido quanto à mesma questão essencial de direito, no domínio da mesma legislação, designadamente no âmbito do regime previsto nos arts. 416.º n.º 2, 331.º n.º 1, 298.º n.º 2, 224.º e 1410.º n.º 1, todos do CC.
H. Quer no Acórdão Recorrido, quer no Acórdão Fundamento, a questão de facto é nuclearmente idêntica, prendendo-se com a tempestividade do exercício do direito de preferência no âmbito do direito de propriedade sobre bens imóveis, à qual é aplicável a mesma legislação, máxime o regime do n.º 2 do art.º 416.º, n.º 1 do art.º 331.º, n.º 2 do art.º 298.º e art.º 224.º, todos do CC.
I. Analisando o núcleo factual dos dois acórdãos, concluímos que em ambas as situações estavam em causa os seguintes factos:
- Uma das partes na acção, é proprietária e legítima possuidora de um bem imóvel, e, a outra parte, é potencial compradora do mesmo;
- Está em causa do direito de propriedade sobre imóveis;
- O proprietário enviou ao preferente, a missiva para exercício do direito de preferência.
- O preferente enviou ao proprietário, uma carta, expedida por correio registado com aviso de recepção, manifestando a sua intenção de exercer o direito de preferência na compra e venda do prédio;
- A referida missiva foi expedida no oitavo dia do prazo previsto no n.º 2 do art.º 416.º do CC, ou seja, no último dia do prazo.
- O proprietário do imóvel recebeu a comunicação de preferência para além do oitavo dia do prazo.
- Apesar da comunicação do preferente a manifestar a sua intenção de preferir, o proprietário do imóvel, celebrou a escritura pública de compra e venda com um terceiro.
- Em ambas as situações, existia um direito de preferência, sujeito ao prazo do n.º 2 do art.º 416.º do CC;
- Em ambas as situações, os preferentes exerceram o seu direito no último dia do prazo, i.e., no oitavo dia.
- Em ambos os processos, estava em causa a tempestividade do exercício do direito de preferência.
J. A identidade dos factos é, pois, nítida.
K. Perante a mesma questão fundamental de direito [tempestividade do exercício do direito de preferência no âmbito do direito de propriedade sobre bens imóveis] verificou-se, porém, um conflito jurisprudencial, porquanto, os mesmos preceitos legais foram interpretados e aplicados diversamente a factos idênticos.
L. Sobre a mesma questão fundamental de direito, inexiste acórdão de uniformização de jurisprudência.
M. Em face do acima exposto, está verificado o requisito previsto na alínea c) n.º 1 do art.º 672.º do CPC, devendo o recurso ser admitido e tramitado como Revista Excepcional.
N. Além do patente conflito jurisprudencial, nos termos acima expostos, verifica-se outrossim que o quid essencial em análise assume uma enorme relevância, porquanto, a decisão sobre o presente recurso excepcional de revista, interpretando e aplicando corretamente o regime previsto no n.º 2 do art.º 416.º, n.º 1 do art.º 331.º, n.º 2 do art.º 298.º e art.º 224.º, todos do CC, contribuirá seguramente para uma melhor aplicação do direito.
O. O acórdão recorrido afastou-se do entendimento acertado quanto á caducidade, o que, seguramente, contribuirá para gerar dúvida na comunidade jurídica, quanto à boa interpretação do n.º 2 do art.º 416.º do CC, daí decorrendo a incerteza em saber qual, afinal, o prazo de que dispõe o preferente para se decidir: se os oito dias previstos na norma legal, ou se, inevitavelmente, um prazo inferior, conforme assim decorre do entendimento vertido no acórdão recorrido.
P. A clarificação que resultará da presente revista excepcional, contribuirá inequivocamente para a melhor aplicação do direito, pois não deixará aos intérpretes da lei, incluindo magistrados,...
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