Acórdão nº 2394/20.2T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 30-09-2021
Data de Julgamento | 30 Setembro 2021 |
Número Acordão | 2394/20.2T8BRG.G1 |
Ano | 2021 |
Órgão | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
I. RELATÓRIO
M. A. intentou a presente acção especial de acompanhamento de maior, relativamente à sua mãe F. M., alegando, em síntese, que a beneficiária, sua mãe, sofre há cerca de 8/9 anos de doença de Alzheimer; desde o ano de 2009 apresenta sinais de confusão mental, esquecimentos e comportamentos dissipadores de património não compatíveis com a sua maneira anterior de pensar e de agir; a sua saúde tem vindo a agravar-se ao longo do tempo; encontra-se dependente de assistência e ajuda de terceiros nos mais diversos aspectos da vida diária e não se encontra capaz de gerir a sua pessoa e o seu património, pois há uma absoluta ausência de autodeterminação.
Após descrever alguns comportamentos e limitações da mãe compatíveis com um quadro de síndrome demencial, requereu o suprimento de autorização da beneficiária para requerer o presente acompanhamento, que fosse decretado o acompanhamento da beneficiária e constituído conselho de família, que possa representar aquela em todos os actos de disposição de bens entre vivos, procedendo à administração total dos seus bens.
Regularmente citada, a requerida apresentou contestação, defendendo, desde logo, que as patologias de que padece são fruto da sua idade, mas não a impedem de ter uma postura consciente e orientada sobre a sua vida e a demais realidade que a rodeia; o cenário de alienação galopante que o requerente lhe inculca não tem arrimo na verdade e as suas limitações não justificam a aplicação da medida de acompanhamento que vem requerida, sendo que continua a estar em condições para reger a sua vida e os seus interesses, ainda que tenham de existir cuidados adicionais no que concerne ao seu bem estar físico.
Mais alega que tem uma óptima relação com os seus dois outros filhos, a M. R. e o J. A., tendo sido estes que, ao longo da sua vida, sempre mantiveram proximidade e contacto permanente com os seus pais e fizeram sempre questão de estar presentes na sua vida de forma ininterrupta. Foram estes dois filhos que sempre acautelaram tudo o que os seus pais foram precisando ao longo da sua vida, tendo a sua filha M. R. sempre assegurado, mormente nos últimos anos, os cuidados de saúde, além de outros, que a requerida foi precisando, sendo ela que marca as consultas da mãe nos médicos, que a acompanha nas mesmas, que assume a incumbência de fazer respeitar as tomas de medicação que são preconizadas medicamente para a requerida, entre todas as outras coisas que se revelam necessárias para garantir o seu perfeito estado de saúde.
Por seu lado, as visitas do requerente à requerida sempre tiveram um dominante interesse económico, o que gerou mau estar e o corte de relações com os seus dois irmãos dado os efeitos devastadores que isso estava a ter (e teve) na esfera da requerida, o que foi agravado pelo pedido de auxílio económico (como garante) do requerente à requerida, que contribuiu para que esta tivesse sido confrontada com responsabilidades bancárias substanciais, isto porque avalizou responsabilidades dessa natureza do requerente que não foram honradas por este, o qual inclusive já foi declarado insolvente, conforme consta averbado no seu assento de nascimento, processo esse que foi encerrado por insuficiência de bens.
O requerente nunca esteve preocupado com as questões habitacionais da requerida - que foram acauteladas pela filha M. R., que cedeu um apartamento seu para os seus pais poderem ali habitar - nem teve alguma vez preocupação em saber se havia ou não necessidade de contratar alguém para ajudar a requerida nas suas tarefas diárias, o que foi sempre assegurado pelo seu marido e pelos seus dois outros filhos.
Refere, ainda, que o seu cônjuge dispõe de todas as condições para ser constituído o acompanhante da beneficiária, uma vez que não só habita com esta, como dispõe de todas as faculdades físicas e psíquicas para tal fim, continuando a ser uma pessoa activa e perfeitamente lúcida que está em condições para providenciar por tudo o que aquela necessite, contando, de igual modo, com a ajuda dos seus dois filhos M. R. e J. A. para aquilo que se afigure necessário.
Caso assim não se entenda, defende que deve designar-se também como acompanhante, concomitantemente com o cônjuge, a sua filha M. R. para as funções de saúde da requerida, o que seria mais do que suficiente para salvaguardar os imperiosos interesses da beneficiária, desaconselhando-se a constituição do conselho de família com a presença do requerente, uma vez que este não só está totalmente desligado da dinâmica familiar como não partilha das melhores relações com o seu pai, a que acresce o facto de o requerente ser uma pessoa com comportamentos agressivos e que facilmente se descontrola.
Na eventualidade de vir a ser entendido que há uma efectiva necessidade de vir a ser constituído o conselho de família, defende que devem fazer parte do mesmo, para além do Sr. Procurador Adjunto do Ministério Público, o cônjuge e a filha M. R..
Conclui, pugnando pelo reconhecimento de que não se encontram verificados os pressupostos de facto ou de direito para que seja decretado o seu acompanhamento ou, caso assim não se entenda, requer que seja designado como acompanhante o seu cônjuge, com poderes gerais de representação e poderes de administração total dos seus bens, e ainda, se resultar provado que este carece de auxílio no exercício dessas funções, que seja designada também como acompanhante a filha M. A. com a funções de acautelar as questões de saúde da acompanhada; para o caso de vir a entender-se necessária a constituição de conselho de família, requer que se designe para o mesmo o Exmº. Sr. Procurador Adjunto do Ministério Público da Comarca de Braga, o seu cônjuge e a sua filha M. A..
Na sequência da notificação da contestação apresentada pela requerida, o requerente juntou aos autos novo articulado, respondendo a essa matéria, bem como alegando outros factos, diversos e novos relativamente aos que constam do requerimento inicial, articulado esse que veio a ser desentranhado, por espúrio à tramitação legal.
Foi realizada perícia médico-legal psiquiátrica à pessoa da beneficiária pelo Gabinete Médico-Legal e Forense do Cávado, na sequência da qual foram juntos aos autos o respectivo relatório e subsequentes esclarecimentos prestados pelo Sr. Perito a pedido de ambas as partes.
Procedeu-se à audição pessoal e directa da beneficiária, bem como de seu marido M. A., tendo, após, sido proferido despacho a suprir a autorização da beneficiária para o seu filho M. A. instaurar a presente acção especial de acompanhamento de maior.
Por se afigurar pertinente à decisão da causa, procedeu-se ainda à inquirição do requerente e demais filhos da beneficiária.
O processo foi com vista ao Magistrado do Ministério Público, que se pronunciou, mediante promoção de 19/05/2021, no sentido de serem aplicadas as medidas de acompanhamento de representação geral (artº. 145º, nº. 2, al. b) e nº. 4 do Código Civil) e impedimento de testar (artº. 147º, nº. 2 do Código Civil), mais promovendo o seguinte:
“Para o exercício do cargo de acompanhante deve ser nomeado o cônjuge da requerida, M. A., o qual mostrou interesse na sua nomeação como acompanhante, tratando-se da pessoa que reúne as condições necessárias para o exercício das funções de acompanhante nos termos previstos no art. 143º, nº 2, al. a) do C. Civil.
A data a partir da qual a medida se tornou necessária deverá fixar-se a partir de 06-01-2019 (data da informação clínica de neurologia assinada pelo Dr. A. M.).
Em relação à constituição do conselho de família, concorda-se no essencial com o que consta da contestação apresentada pela beneficiária.
Caso de considere que é necessário constituir o conselho de família deverão ser designados como vogais do conselho de família, a filha da requerida, M. R., sendo esta quem tem prestado maior assistência à requerida e o filho J. A..”
Foi exercido o contraditório por ambas as partes, tendo o requerente pugnado pela aplicação da medida de acompanhamento de representação geral nos termos do artº. 145º, nº 2, al. b) e nº. 4 do Código Civil; pela nomeação da filha M. R. para o cargo de acompanhante; pela constituição de conselho de família e designação como vogais do aqui requerente e de sua irmã M. R. e que seja fixado o ano de 2016 aquele a partir do qual passou a ser necessário o acompanhamento da beneficiária.
A requerida, por sua vez, concordou, na sua essência e alcance, com a promoção do Ministério Público, no sentido de serem aplicadas as medidas de acompanhamento promovidas, nomeando o cônjuge para o cargo de acompanhante, dispensando-se a constituição de conselho de família e fixando o dia 6/01/2019 como a data a partir da qual estas medidas se tornaram necessárias.
Em 1/06/2021, foi proferida sentença que decidiu:
I - Decretar o acompanhamento de F. M.;
II - Designar, para o cargo de acompanhante, o seu cônjuge, M. A., ao qual incumbirá exercer as funções de representante geral daquela, com poderes de administração total dos seus bens;
III - Determinar que a acompanhada F. M. não poderá testar;
IV - Para o conselho de família, nomear como vogais os filhos da acompanhada, J. A. e M. R.;
V - Fixar o dia 06.01.2019 como a data a partir da qual as medidas se tornaram convenientes;
VI - Fixar o valor da causa em €30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo);
VII - Não são devidas custas, por isenção da acompanhada.
Notifique e, após, registe.
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Consigna-se que a requerida não consta como autora de directiva antecipada de vontade e/ou de procuração de cuidados de saúde. *
Após trânsito: - Comunique o teor da presente decisão à Conservatória de Registo Civil competente e publicite no portal oficial;
- Decorrido o período de cinco anos, a partir do trânsito em julgado da presente decisão, abra vista ao Ministério Público, seguida...
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