Acórdão nº 238/12.8PBPTG.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 19-05-2015

Data de Julgamento19 Maio 2015
Número Acordão238/12.8PBPTG.E1
Ano2015
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora



Em conferência, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:


Relatório

1. Nos presentes autos de processo comum com intervenção do tribunal singular que corriam termos no 2 Juízo do T. Judicial de Portalegre, foram acusados e sujeitos a julgamento GMCM e MAT, a quem o MP imputara a prática de um crime de falsidade informática, p. e p. pelo artigo 3º, n.ºs 1 e 3, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro.

2. A Assistente CF deduziu acusação particular contra os mesmos arguidos, imputando-lhes a prática de dois crimes de difamação, p. e p. pelo art. 180º e 182º do CP.
O Assistente FS deduziu igualmente acusação particular, imputando aos arguidos a prática de um crime de difamação, p. e p. pelo art. 180º do CP e de um crime de injúria p. e p. pelo art. 181º do CP, ambos agravados pelo art. 183º, n.º 1, als. a) e b) do CP.
Ambos os assistentes deduziram pedidos de indemnização cívil.
A Assistente CF peticionando o pagamento de uma indemnização de € 10.000,00 e o Assistente FS peticionando uma indemnização de € 3.000,00, por danos emergentes dos crimes em que são ofendidos.

3. Realizada Audiência de Julgamento, o tribunal singular decidiu:
a) - Absolver os Arguidos GMCM e MAT, da prática de um dos crime de difamação que lhes era imputado (na acusação deduzida pela assistente CF);
b) Condenar o arguido GMCM, pela prática de um crime de falsidade informática, p. e p. pelo artigo 3º, n.ºs 1 e 3, da Lei nº 109/2009, de 15 de Setembro, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de € 7,50;
c) Condenar o arguido GMCM, pela prática de um crime de difamação, p. e p. pelos arts. 180º e 182º do CP agravado pelo art. 183º, n.º 1, al. a) do CP, praticado contra a Assistente CF, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de € 7,50;
d) Condenar o arguido GMCM, pela prática de um crime de difamação, p. e p. pelos arts. 180º e 182º do CP agravado pelo art. 183º, n.º 1, al. a) do CP (em concurso aparente com um crime de injúria), praticado contra o Assistente FS, a pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 7,50;
e) Em cúmulo jurídico, condenar o arguido GMCM, numa pena única de 200 dias de multa à taxa diária de € 7,50, o que perfaz o montante de € 1.500,00;
f) Condenar o arguido MAT, pela prática de um crime de falsidade informática, p. e p. pelo artigo 3º, n.ºs 1 e 3, da Lei nº 109/2009, de 15 de Setembro, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de € 9,00;
g) Condenar o arguido MAT, pela prática de um crime de difamação, p. e p. pelos arts. 180º e 182º do CP agravado pelo art. 183º, n.º 1, al. a) do CP, praticado contra a Assistente CF, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 9,00;
h) Condenar o arguido MAT, pela prática de um crime de difamação, p. e p. pelos arts. 180º e 182º do CP agravado pelo art. 183º, n.º 1, al. a) do CP (em concurso aparente com um crime de injúria), praticado contra o Assistente FS, a pena de 130 dias de multa, à taxa diária de € 9,00;
i) Em cúmulo jurídico, condenar o arguido MAT, numa pena única de 250 dias de multa à taxa diária de € 9,00, o que perfaz o montante de € 2.250,00;
j) (…)
k) Julgar parcialmente procedentes, por parcialmente provados, os pedidos de indemnização civil deduzidos pelos Demandantes e, consequentemente:
k.1) Condenar os Arguidos/demandados GMCM E MAT, solidariamente, a pagar à Demandante CF, a quantia de € 1.500,00 a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros vincendos, à taxa de 4%, contados desde a data da presente decisão até efectivo e integral pagamento;
k.2) Condenar os Arguidos GMCM e MAT, solidariamente a pagar ao Demandante FS, a quantia de € 1.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros vincendos, à taxa de 4%, contados desde a data da presente decisão até efectivo e integral pagamento.

4. Inconformados, recorreram ambos os arguidos, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões:
4.1. Arguido MAT

“CONCLUSÕES

O dever de fundamentar as decisões judicias decorre diretamente da Constituição: as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prescrita na lei”- artigo 205 nº1 da CRP.

O artigo 374 do CPP, ao estabelecer os requisitos da sentença penal precisa ainda mais o conteúdo do dever de fundamentação. No nº 2 estipula o referido preceito legal que “ ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível concisa, dos motivos de facto e direito. Que fundamentam a decisão, com a indicação e exame crítico das provas que serviram a convicção do Tribunal. Não basta assim, que o Tribunal forme a sua convicção sobre os factos, impondo a lei que essa convicção seja exteriorizada e explicitada através de um exame crítico das provas.
O que no caso em apreço não foi feito.

Verifica-se que a Sentença de que agora se interpõe recurso, padece de nulidade, por violação do disposto no art 374 nº 2 CPP. Em virtude de não proceder ao exame critico das provas, limitando-se o Tribunal a quo a efetuar meros juízos conclusivos, valorando provas que não existem e que apenas foram valoradas na medida e interesse do Tribunal.

O Tribunal não é claro e inequívoco , que o ora recorrente agiu com dolo, tal como a douta sentença veio a fixar.

O Tribunal limitou-se, apesar de não ter prova que o sustente, a simplesmente punir o ora recorrente sem qualquer fundamentação legal.
Senão vejamos, no que concerne ao crime de falsidade informática:

Mesmo que se quisesse tipificar o eventual crime no n.º 3 do Art.º 3.º da Lei 109/2009, de 15 se Setembro, como os Actos referidos no n.º 1 do artº 3º não se encontram preenchidos, nunca poderia ser tipificado como falsidade informática.

No que respeita à apreciação da prova:

Há que atentar ao facto de que um ficheiro de “log” existente num computador contendo o conteúdo de uma dada conversação realizada com recurso ao programa GTalk entre um utilizador desse computador e uma terceira pessoa assemelha-se, em tudo, a uma gravação de uma conversação telefónica feita pelo utilizador no momento dessa conversação,e realizada sem a autorização do terceiro com quem o utilizador entabulou a referida conversação. Além de que, sem qualquer dúvida, foi explicado ao tribunal que o conteúdo dos referidos ficheiros é alterável, por qualquer pessoa, não necessitando de conhecimentos especiais de informática.
Mais ainda, todo o conteúdo é alterável, desde o endereço eletrónico, ao dia, hora e conteúdo da conversação.

Não pode o Tribunal basear a sua convicção numa prova não credível.

Aliás, como podemos aceitar como prova um ficheiro editável?

Não podemos nunca esquecer que não foi encontrada qualquer correspondência desta conversação em nenhum dos computadores a que acede o Arguido MAT, ora Recorrente.

Assim sendo, o conteúdo desse ficheiro deverá ser considerado como prova proibida, e como tal insuscetível de ser utilizado.

Tratando-se de uma gravação não autorizada, e não tendo sido seguidas as regras processuais penais que permitem o recurso aos métodos de obtenção de prova restritivos desses direitos elencados no Art.º 126.º n.º 3 do CPP, estamos pois perante uma nulidade absoluta, que se caracteriza pelo facto de poder ser conhecida oficiosamente em qualquer estado do processo, e que não se sana sequer com o trânsito em julgado de sentença condenatória, como se conclui do Art.º 449.º n.º 1 alínea e) ao considerar que constitui fundamento para a interposição de um recurso extraordinário de revisão quando “Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.º 1 a 3 do artigo 126.º”

O nosso CPP, no capítulo das escutas telefónicas (artºs 187 a 190º) estendem o disposto nesse capítulo às comunicações transmitidas por qualquer meio técnico diferente do telefone, designadamente correio eletrónico ou outras formas de transmissão de dados por via telemática.

Mas então, conforme explanado no nº 1 do artº 187º só podem ser autorizadas durante o inquérito.

A conversação gravada (o Log) é anterior a ato processual, como tal, não foi validada dentro do prazo legal, estamos perante uma prova proibida e como tal insuscetível de ser utilizado.

De acordo com a Jurisprudência e a Doutrina, a verificação ou não, num determinado caso concreto, se quaisquer expressões utilizadas numa dada situação correspondem à conduta típica prevista nos Artigos 180.º e 181.º do CP, deverá atender, em primeiro lugar, ao contexto situacional de vivência humana em que essas expressões foram produzidas.

Como supra ficou demonstrado, somente o arguido GMCM falou no ora recorrente durante toda a discussão e audiência de julgamento , mas mesmo

Por mera cautela de patrocínio, se chama esta questão à colação, na medida em que no presente recurso se pugna pela inocência do ora recorrente, não tendo este praticado os crimes pelos quais vem acusado e condenado, daí a única solução possível no caso dos autos será, a absolvição.

Tecendo ainda algumas considerações. Dir-se-á que se está de acordo com o que escreve o conceituado professor Faria Costa in Comentário Conimbricense do Código Penal.

o significado das palavras, para mais quando nos movemos no mundo da razão prática, tem um valor de uso. Valor que se aprecia, justamente, no contexto situacional e que ao deixar intocado o significante ganha ou adquire intencionalidades bem diversas no momento em que apreciamos o significado”

Por outro lado, considera a Doutrina e a Jurisprudência que o Direito Penal não deve servir para criminalizar condutas comuns, simples desrespeitos, descortesias ou más educações.

Conforme o Acórdão da Relação de Lisboa de 09/02/2011,

“Tem que haver um mínimo de significado da conduta, um mínimo de gravidade, para que se considere ter a mesma alcançado o patamar da tipicidade e para se lhe conferir dignidade penal.
É que
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