Acórdão nº 2374/20.8T8PNF.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 15-09-2022

Data de Julgamento15 Setembro 2022
Case OutcomeCONCEDIDA PARCIALMENTE
Classe processualREVISTA
Número Acordão2374/20.8T8PNF.P1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I. RELATÓRIO

1. AA, viúva, por si e na qualidade de representante legal de seus dois filhos menores, consigo residentes, BB e CC, e DD, solteiro, estudante, residente com a mãe/1ª A. vieram propor contra Lusitânia, Cª de Seguros S.A., acção declarativa, com processo comum, para pagamento de indemnização emergente de acidente de viação, pedindo, a final:

- se declararem os AA. como únicos e universais herdeiros da vítima mortal de acidente de viação e seja a Ré condenada a pagar-lhes quantia global não inferior a €1.108.938,10, valor acrescido de juros, calculados com base no dobro da taxa legal, desde a citação e até efetivo e integral pagamento.


2. Para fundamentar as respectivas pretensões invocaram, em síntese, a ocorrência de um sinistro rodoviário, pela produção do qual foi responsável culposo o condutor do veículo seguro na Ré, do qual veio a resultar o falecimento do sinistrado, marido, pai e padrasto dos AA..

Sustentam, consequentemente, a titularidade do direito à indemnização nos seguintes termos:

- Pelos danos morais próprios da vítima antes de morrer, a 1ª, a 2ª e o 3º AA. Reclamam o pagamento da quantia de €50.000,00, louvando-se em lugares paralelos e sempre menos graves da jurisprudência nacional;

- Pela perda do direito à vida a 1ª, a 2ª e o 3º AA. reclamam o pagamento da quantia de €150.000,00;

- A título de dano moral próprio, a 1ª A./viúva reclama a quantia de €60.000,00, cada um dos AA. filhos do EE reclamam a quantia de €50.000,00; já o 4º A./DD, a quantia de €30.000,00;

- A título de dano futuro emergente da perda da contribuição patrimonial do falecido, todos quantia global nunca inferior a €717.673,10.

A Autora mais reclamou o custo da realização do funeral e preparação da campa, no valor de €1.265,00.

Sempre a liquidação a dobrar dos juros vem fundamentada no disposto no artigo 38º, nº 2, do DL 291/2007, de 21/08.


3. A Ré contestou, aceitando a responsabilidade do seu segurado na produção do sinistro, sustentando, a um tempo, o exagero da liquidação dos danos feita pelos AA, a não titularidade do direito pelo enteado e sempre a insubsistência da pretensão de indemnização pela perda do salário do sinistrado.


4. Dispensada a audiência prévia, elaborou-se despacho saneador, no qual se aferiram positivamente a totalidade dos pressupostos processuais e se seleccionou a matéria assente e controvertida com interesse para a decisão da causa.


5. Realizou-se a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

“...julgo a presente acção parcialmente procedente, por provada e, em consequência, condeno a Ré a satisfazer:

- a título de indemnização pelos danos morais próprios da vítima antes de morrer, aos 1ª, e o AA. a quantiade 25.000 EUR;

- a título de indemnização pela perda do direito à vida aos 1ª, e o AA. a quantia de €130.000,00;

- a título de indemnização pelo dano moral próprio, 40.000 EUR à Autora viúva, 30.000 EUR, a cada um dos e AA., seus filhos e ao Autor, enteado da vítima, a quantia de 18.000 EUR;

- a título de indemnização pelo dano emergente da perda da contribuição patrimonial do falecido, 390.000 EUR à Autora; 4.000 EUR ao A., FF; 57.000 EUR ao Autor, CC e à Autora, BB, o montante de 129.000 EUR, tudo no montante global de 580.000 EUR;

- a título de indemnização com a despesa com o funeral e campa, 1.265 EUR, à Autora.

São devidos juros sobre as quantias fixadas, ao dobro da taxa legal relativa aos juros das obrigações civis, a contar da data da presente decisão e até integral pagamento.

Naturalmente que a reduzir ou descontar às indemnizações arbitradas os valores que vêm sendo satisfeitos no quadro da decisão proferida nos autos de procedimento cautelar apensos.

Custas na proporção do decaimento.”


6. Não se conformando a Ré com tal sentença, dela interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação, tendo ocorrido impugnação da matéria de facto apurada e da solução jurídica encontrada, recurso que foi conhecido e culminou com a seguinte decisão:

Pelo exposto, de facto e de Direito, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, considerando a culpa total da condutora do veículo segurado, altera-se a sentença, condenando-se a R. seguradora nos seguintes termos:

a) - a título de indemnização pela perda do direito à vida do falecido EE: aos 1ª, 2ª e ao 3º autores a quantia de € 85.000,00 (oitenta e cinco mil euros);

b) - a título de indemnização pelos danos não patrimoniais próprios da vítima desde o momento do acidente até à sua morte: aos 1ª, 2ª e o 3º autores a quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros);

c) - a título de indemnização pelo dano moral próprio: € 30.000 (trinta mil euros) à Autora viúva, € 25.000 (vinte e cinco mil euros) a cada um dos 2º e 3º autores, filhos da vítima, revogando a sentença na parte em que, a esse título, condenou a ré a pagar ao 4º autor, enteado da vítima, a quantia de €18.000,00, absolvendo aquela de tal pedido;

d) - a título de indemnização pelo dano emergente da perda da contribuição patrimonial do falecido: €267.000,00 (duzentos e sessenta e sete mil euros) à 1ª Autora, AA; € 78.000,00 (setenta e oito mil euros) à 2.ª autora, BB; € 43.000,00 (quarenta e três mil euros) ao 3.º autor, CC; € 1.000,00 (mil euros) ao 4º autor, FF.

Em tudo o mais, mantém-se a sentença, nomeadamente quanto aos juros, os quais passam a ser devidos a partir da data do presente acórdão.

Custas da apelação: por apelante e apelados, na proporção do respectivo decaimento (art.º 527.º, n.º s 1 e 2, do Código de Processo Civil).”


7. AA e outros, AA./Recorrentes nos autos, não se conformando com o Acórdão de fls … , dele interpuseram recurso de revista, a título principal, com efeito devolutivo, no qual constam as seguintes conclusões (transcrição):

“1ª Os Recorrentes discordam das indemnizações arbitradas a título de dano morte/direito à vida; de danos morais dos próprios AA.; da arbitrada a título de dano moral da própria vítima; a título de dano patrimonial futuro e da condenação no dobro da taxa de juros apenas desde a prolação do Acórdão em crise.

2ª Sabemos que nenhuma indemnização trará o EE de volta, todavia, também sabemos e vamos tentar justificá-lo, que é importante e possível, compensar bem melhor e da forma efetivamente mais equitativa a família dos AA.

3ª Não temos dúvidas de que Vªs Exªs – Senhores Conselheiros – querem o melhor e querem que os cidadãos deste País sejam tratados de forma justa e equitativa. Por assim pensarmos e acreditar-mos apelamos para que tenham em consideração aquela que foi a posição do Estado Português na indemnização atribuída aos familiares do ucraniano Ihor Homeniuk – ressarcimento que se cifrou em 712.950€, de imediato, e no pagamento de pensão até os menores perfazerem os 28 anos, ascendendo, por isso, ao montante de 834.000,00€.

4ª Da mesma forma que a recomendação do Sr. Provedor de Justiça, na dramática situação de Entre-os-Rios passou a fazer “escola” nos nossos Tribunais, pensamos que recentíssimo caso do Ihor Homeniuk deverá ser levado em consideração. Trata-se, sem margem para dúvidas, de uma decisão que visa compensar os danos globais resultantes para a sua mulher e para os seus dos dois filhos.

O EE era mais novo que o Ihor. Deixou a mulher, dois filhos e um enteado – não merece, por isso, tratamento tão diferente.

5ª Os R.tes deduziram pedido de 1.108.938,1€ - em 1ª instância foi fixada a quantia 854.265,00€, mais juros no dobro da taxa legal, contabilizados desde a data da sentença. O TRP reduziu o valor da indemnização para o montante de 575.265,00€.

6ª Foi demais! Por isso, a decisão da 1ª instância, tendo em consideração a tragédia dos autos, deverá, por ser obviamente mais justa e equitativa, ser “repristinada”.

7ª Da indemnização arbitrada a título de dano morte/direito à vida. A este título os R.tes peticionavam a quantia de 150.000€, O Tribunal a quo condenou em 130.000€. O Tribunal da Relação do Porto reduziu para a quantia de 85.000€. Esta redução não é justa nem adequada à tragédia dos autos e à matéria de facto assente.

8ª O Tribunal de primeira instância, na fixação da indemnização levou em consideração a matéria de facto assente e a posição da mais recente jurisprudência. A este propósito vejam-se os acórdãos supra citados, de que se indica parte – o Acórdão do TRL, de 30.06.2020, proc. 65/17.6GTALQ-5, que fixou a quantia de “150.000,00€, a repartir em partes iguais pela companheira e filhos, sendo, portanto, devidos 50.000,00€ a cada um dos demandantes.”; o Acórdão do STJ, de 22.02.2018, proc. 33/12.4GTSTB.E1.S1, que considerou adequado o valor de 120.000,00€ fixado pelo acórdão recorrido da relação.”

9ª Somos da opinião que repristinando a sentença de 1ª instância e condenando em 130.000,00€ pelo direito à vida do EE sentenciar-se-á de forma mais justa e equitativo do que atribuindo os 80.000€ fixados pelo TRP.

10ª Do Dano moral da própria vítima - Os R.tes peticionavam a este título 50.000€. O Tribunal de 1ª instância condenou em 25.000€. O TRP decidiu reduzir para os 20.000€. Também aqui, tendo em consideração as graves lesões sofridas e o tempo que mediou entre a data do evento e a morte do EE, o montante fixado pela 1ª instância nos parece mais justo – veja-se, a este propósito, o Ac. do STJ5, de 22.02.2018, Proc. 33/12.4GTSTB.E1.S11 em que é Relator o Conselheiro Manuel Braz, e em que, numa situação de morte no próprio dia do evento atribuiu 30.000€ de indemnização.

11ª Danos morais dos próprios AA. – A este título os R.tes peticionavam as seguintes quantias: 60.000€ para a viúva, 50.000€ para cada um dos filhos. A 1ª instância condenou em €40.000,00 (para a viúva), €30.000,00 (para cada um dos filhos) e €18.000,00 (para o enteado). O TRP reduziu para 30.000€ e 25.000€ (para cada um dos filhos) e excluiu...

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