Acórdão nº 237/06.9TBMTJ-A.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 25-10-2011

Data de Julgamento25 Outubro 2011
Número Acordão237/06.9TBMTJ-A.L1-7
Ano2011
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Recorrente: B…
Recorridas: C… S.A. e outra

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Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO.
Por apenso aos autos de execução em que é exequente C… SA e executada A .. Ldª, veio B. deduzir embargos de terceiro, pedindo o levantamento da penhora efectuada sobre a fracção “B”, designada garagem nº , sita na Rua, nº , …, e o seu cancelamento registral.
A fundamentar o peticionado, alegou, em síntese, que:
Em 22.11.1997, outorgou com a executada contrato-promessa de compra e venda da referida fracção em construção, tendo ficado estipulado que o preço da prometida venda era de Esc. 2.000.000$00, o qual foi pago na totalidade, no momento da celebração do contrato.
Após a conclusão da obra, em 20.01.1999, foi constituída a propriedade horizontal e a fracção e respectivas chaves foram entregues, a título translativo e definitivo, ao embargante, que a vem usando, ininterruptamente, desde a entrega, no seu exclusivo interesse, como possuidor em nome próprio e proprietário, sendo convocado para a assembleia de condóminos, nelas participando e pagando os inerentes encargos.
Face à recusa da promitente vendedora em celebrar a escritura de compra e venda prometida, o embargante intentou, em Janeiro de 2007, acção cível de execução específica no Tribunal de ….
Na sequência de notificação do referido Tribunal, procedeu ao registo da acção, tendo, então tomado conhecimento da existência de várias penhoras sobre a fracção, nomeadamente a dos autos de execução de que os presentes embargos são apenso.
O embargante tem posse legítima e em nome próprio, pacífica, titulada, de boa fé e à vista de toda a gente, assistindo-lhe o direito de deduzir os presentes embargos.
Concluídos os autos, foi proferido despacho de indeferimento liminar.
O embargante apresentou requerimento, no qual alegou factos supervenientes – sentença, transitada em julgado, proferida na mencionada acção de execução específica do contrato promessa, que a julgou totalmente procedente – e reiterou a admissão dos presentes embargos, pedindo a rectificação do despacho proferido, interpondo, também, à cautela, recurso de agravo, caso assim não se entendesse.
Foi proferido despacho que, mantendo o decidido, admitiu o agravo, vindo a ser proferido acórdão por este Tribunal que determinou o recebimento dos embargos e seu prosseguimento.
Recebidos os embargos e notificadas exequente e executada, não foi apresentada contestação.
Foi, então, proferida sentença que, considerando provados, por admissão, os factos articulados pelo embargante, julgou improcedentes os embargos.

Não se conformando com a decisão, dela apelou o embargante, formulando, no final das suas alegações, as seguintes (demasiado longas) conclusões:
A)O apelante deduziu embargos de terceiro em cinco execuções onde o bem imóvel dos autos havia sido penhorado, atento o facto de estarmos perante a mesma executada em todos os processos judiciais (A.).
B)O embargante ora apelante redigiu os seus embargos de terceiro exactamente da mesma forma e conteúdo nos cinco processos, atento o fundamento e objecto serem os mesmos (doc. nº 2).
C)Nos outros 4 processos executivos, os embargos de terceiro foram admitidos, encontrando-se decididos e transitados em julgado 2.
D)Nos autos com o nº …, não foi deduzida contestação, sendo proferida douta sentença que decidiu, e bem, pela procedência da acção e consequente levantamento da penhora da fracção autónoma em causa (cf. doc. nº 1).
E)Essa sentença considerou que estavam “assentes os factos alegados pelo embargante, por confissão ficta, que conjugados com os fundamentos de direito vertidos na petição inicial merecem a adesão do Tribunal e determinam a procedência da presente acção” (doc. nº 1).
F)Nos autos nº …, foi igualmente proferida sentença, que declarou alcançado o fim que o embargante pretendia, por desistência da instância pelo exequente nos autos de execução, sendo que os outros dois autos junto do Tribunal Administrativo, aguardam decisão.
G)Em conformidade com a douta sentença proferida nesses autos (doc. nº 1), e inexistindo contestação, dispõe o art.º 784º, por força do art.º 357º, nº 1, ambos do C.P.C. que, Quando os factos reconhecidos por falta de contestação determinem a procedência da acção, pode o juiz limitar-se a condenar o réu no pedido, mediante simples adesão aos fundamentos alegados pelo autor na petição inicial (doc. nº 1).
H)A douta sentença ora em crise julgou provados os factos que dela constam, atenta “a admissão dos factos articulados pelo embargante, por força da falta de contestação, bem como o teor dos documentos juntos”, mas decidiu pela improcedência dos embargos.
I)Em qualquer das petições iniciais, o embargante invocou exactamente a mesma fundamentação de direito, aplicável aos mesmos factos igualmente alegados (doc. nº 2), mas determinando decisões judiciais opostas.
J)Ora, estamos perante uma verdadeira situação de posse do ora apelante em relação à fracção autónoma em causa, tal como vem definida no art.º 1251º do Código Civil e, aliás, reconhecido na douta sentença recorrida, ao referir que “apesar de ter essa posse em nome próprio, e de gozar de direito de retenção, não pode proceder a sua pretensão”.
L)Para além do pagamento integral do preço contratado, deu-se a tradição do imóvel para o ora apelante, o qual, desde a celebração do contrato-promessa de compra e venda e a entrega, passou a ocupá-la, usando-a e desfrutando-a ininterruptamente no seu exclusivo interesse e em nome próprio, praticando todos os actos integradores do corpus e animus da posse.
M)E é igualmente em nome próprio que é convocado pela administração de condomínio para as respectivas assembleias e nelas comparece e participa, procede ao pagamento de todas as mensalidades aprovadas e demais encargos inerentes à propriedade da fracção autónoma em questão.
N)O apelante juntou aos autos a decisão proferida nos autos de execução específica do contrato que correram termos no 2º Juízo Cível de …, com o nº …, transitada em julgado em 22/10/2009 (cf. pontos 12, 13 e 14 da sentença ora recorrida) e cf. consta dos autos a fls. …, onde foi reconhecida a posse do aqui embargante, em nome próprio, da fracção autónoma sub judice, bem como o direito de retenção sobre a mesma e ainda foi declarado transmitido a favor do ora recorrente, por compra, o direito de propriedade sobre a mesma.
O)O Apelante tem o direito de propriedade, de facto, desde a celebração do contrato-promessa de compra e venda, por um lado, e a entrega das chaves logo após a conclusão do prédio (20/01/1999), por outro lado. E tem o direito de propriedade titulado no registo predial desde a prolação da douta sentença que lhe reconheceu o direito.
P)A tradição do imóvel sub judice, operada após a celebração do contrato promessa e pagamento integral do preço acordado, visou antecipar o cumprimento do próprio contrato definitivo.
Q)Dispõe o artº 1285º do Código Civil que “O possuidor cuja posse for ofendida por penhora ou diligência ordenada judicialmente pode defender a sua posse mediante embargos de terceiro, nos termos da lei do processo”. E em conformidade com o normativo previsto no art.º 351º, nº 1, do Código de Processo Civil, “Se a penhora ou qualquer acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro”.
R)Os presentes embargos haviam sido liminarmente rejeitados por, no entendimento do Senhor Juiz a quo, serem “manifestamente improcedentes”. Em sede de recurso de agravo, veio o douto acórdão da Relação de Lisboa decidir, e bem, no sentido da admissão dos embargos de terceiros então deduzidos, por não serem “manifestamente improcedentes”, mas vem agora a douta sentença negar provimento, apesar da factualidade dada por provada, havendo manifesta má aplicação do direito aos factos.
S)Atenta a matéria de facto dada como provada e a fundamentação legal invocada pelo embargante, bem como a legislação aplicável ao caso sub judice, deveria ter sido proferida decisão distinta pelo Tribunal a quo, no sentido da procedência dos embargos e consequente levantamento da penhora efectuada sobre o imóvel.
T)Estão reunidos todos os pressupostos da posse, porquanto, a apelante/embargante tem título, pagou a totalidade do preço, a coisa foi-lhe entregue como se sua fosse, pratica desde então sobre ela, nesse espírito, todos os actos materiais correspondentes ao direito de propriedade. E esta factualidade encontra-se provada nos autos e é merecedora da tutela do direito, mas que a douta sentença negou.
U)Sendo a função normal dos embargos de terceiro a tutela da posse (art.º 351º, nº 1, do CPC), não pode, em caso algum, deixar de ser recebido e julgado procedente o embargo, tal como se tem pronunciado a jurisprudência, nomeadamente o Acórdão do STJ de 11/03/1999, BMJ, 485, 404 e Acórdão do TRL de 17/06/2010, processo nº 2211/0.6TBSXL-B.L1-8,www.dgsi.pt, que decidiu sobre questão similar ao dos presentes autos.
V)A jurisprudência elencada entendeu, a nosso ver bem, que o promitente comprador de um bem imóvel pode deduzir embargos de terceiro contra penhora desse bem em execução movida contra o promitente vendedor, quando beneficie da entrega do imóvel e se comporte como verdadeiro possuidor em nome próprio, ou seja, como titular do direito correspondente, como no caso dos autos.
X)Tendo ficado provada (e
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