Acórdão nº 2355/11.2TBPBL.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 15-11-2016

Data de Julgamento15 Novembro 2016
Número Acordão2355/11.2TBPBL.C1
Ano2016
Órgão Tribunal da Relação de Coimbra

Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

C (…)instaurou acção declarativa com processo ordinário contra CC (…), alegando, em síntese, que a C (…), S.A. é uma sociedade comercial por acções que foi constituída por escritura pública celebrada no Cartório Notarial de Soure, em 04/04/1995, com o capital social de cinco milhões de escudos, integralmente realizado.

Tendo participado na sua constituição, para além do autor, ainda mais quatro sócios, (…)e o réu (…) que subscreveram, em partes iguais, a totalidade do capital social.

Estando o capital social representado por acções ao portador.

Mais alegou que, na assembleia geral realizada em 20/12/2001 foi deliberado aumentar o capital social da sociedade de cinco milhões de escudos para dez milhões e vinte e quatro mil e cem escudos, altura em que se procedeu à redenominação do capital social em euros.

Sendo que, por força da alteração do pacto social, o capital social da sociedade C ... passou a ser representado por acções ao portador, com o valor nominal de cinco euros cada uma, num total de dez mil acções, convertíveis em acções nominativas e em títulos de 1 (uma), 10 (dez), 50 (cinquenta), 100 (cem) e 1.000 (mil).

Todavia a sociedade não procedeu à entrega ao autor e nem a qualquer dos accionistas dos títulos correspondentes às mil acções que representavam a sua entrada no capital e também não procedeu à entrega dos títulos das duas mil acções com o valor nominal de 5 euros, correspondentes ao aumento de capital e redenominação em euros.

O autor alegou ainda que nunca cedeu, deu, vendeu, ou de qualquer forma transmitiu a quem quer que fosse, incluindo ao réu, as acções, pelo que é assim accionista da sociedade C (…), SA, continuando a deter um quinto do seu capital social.

Tendo direito à entrega dos títulos correspondentes, por força do disposto no artigo 304º do Código das Sociedades Comerciais, pelo que a sociedade violou esse seu direito, violação da lei pelo qual é responsável também o réu, pois a si, como administrador único da sociedade, incumbia agir em conformidade com a obrigação legal de emitir os títulos e deles fazer entrega ao accionista.

Isto porque desde a sua criação, o órgão de gestão da sociedade C (…), S.A. tem sido sempre o réu.

O autor alegou ainda que o réu tem-se arrogado detentor da totalidade do capital social da C (…), S.A., perante terceiros, alegando que todas as acções da referida sociedade lhe pertencem e não reconhecendo tal qualidade ao autor.

Sendo que o réu, invocando agora, pela primeira vez, ser dono das acções, porquanto deterá fisicamente os títulos, está a utilizar a sua qualidade de administrador para se apoderar de títulos que lhe não pertencem, sem invocar qualquer forma legítima de aquisição.

De harmonia com o alegado, o autor peticionou que seja proferida sentença que declare:

A) Que o R. nunca adquiriu ou tomou as mil acções ao portador, com o valor nominal unitário de mil escudos correspondentes a um quinto do capital social inicial da sociedade da C (…) S.A., e subscritas pelo A. na constituição da sociedade.

B) Que os títulos correspondentes a estas acções nunca foram emitidos.

C) Que o R. nunca adquiriu ou tomou as 2.000 acções ao portador, com o valor nominal de 5 euros, correspondentes, após o aumento de capital e redenominação em euros, à participação inicial do A.

D) Que o R. não é proprietário, ou dono, ou titular das 2.000 acções ao portador, com o valor nominal de 5 euros, correspondentes, após o aumento de capital e redenominação em euros, à participação inicial do autor.

*

O réu contestou alegando, grosso modo, que a sociedade C (…)S.A. foi constituída formalmente com os cinco accionistas identificados pelo autor porque o número mínimo de sócios obrigatórios para a constituição de uma sociedade anónima era de cinco.

Todavia, os accionistas fundadores de facto da empresa C (…), S.A. foram o seu administrador (…).

Sendo que o autor, juntamente com (…), limitaram-se apenas a “emprestar” o seu nome, assinando a escritura de constituição da referida sociedade, não tendo nenhum deles entrado, de facto, com qualquer participação no capital da sociedade.

Mais alegou que os quatro fictícios accionistas apenas assinaram a escritura de constituição da sociedade, para cumprir o número mínimo legal de sócios e igualmente porque ao irmão do réu, (…) , não interessava que o seu nome constasse como accionista.

O réu alegou ainda que, não obstante o aumento de capital aprovado na assembleia geral, apenas para dar cumprimento à obrigatoriedade de redenominação das acções expressas em escudos para euros, não houve, de facto, aumento do capital social.

Tendo existido sim uma mera operação contabilística, sem entrada efectiva de dinheiro.

O réu alegou ainda que, quer o autor, quer os restantes sócios, nunca exerceram qualquer tipo de direito em relação às acções e nem até à data de 14 de Junho de 2011, em qualquer momento reclamaram ou solicitaram a entrega das acções, pois todos sabiam que as mesmas não lhes pertenciam.

O réu afirmou ainda que a entrada correspondente ao aumento de capital de € 25.060,00 (vinte cinco mil e sessenta euros), foi apenas realizada exclusivamente por si e apenas em 2004, quando a empresa começou a ter actividade.

Quando em Novembro de 2004 foi celebrado um contrato-promessa de cessão da posição contratual entre a empresa C (…) S.A. e a sociedade R (…) S.A. respeitante à aquisição de um imóvel objecto de um contrato de locação financeira, no qual o réu, a título de sinal, efectuou o pagamento da quantia de € 55.000,00.

Mais alegou o réu ter feito suprimentos à sociedade C (…), S.A., na quantia de € 35.000,00 a título de pagamento de parte do sinal para aquisição do referido imóvel.

O réu alegou ainda que a sociedade não procedeu à entrega ao autor dos títulos correspondentes às acções (representantes do capital inicial), já que o mesmo não participou com qualquer quantia para a constituição da sociedade.

Sendo que, após a redenominação efectuada em Dezembro de 2001, quem detinha as acções iniciais, recebeu as novas acções com o valor nominal de € 5,00, tendo existido a necessidade de emitir novas acções e inutilizar as acções iniciais, o que foi feito pelo réu, na qualidade de administrador.

Não tendo o autor recebido qualquer acção, uma vez que não participou com qualquer montante para o capital inicial, nem para o aumento de capital, nem em qualquer altura, quer com suprimentos, quer com prestações suplementares.

E tendo sido emitidas novas acções ao portador, em 18/12/2001, as mesmas foram entregues a quem detinha as acções anteriores e a quem de facto subscreveu e se responsabilizou pelo aumento de capital, no caso, o réu.

Pelo que, desde essa data, as acções estão e sempre estiveram na posse do réu, seu proprietário.

O réu alegou ainda que o autor nunca cedeu, deu, vendeu, ou de qualquer forma transmitiu, as acções a quem quer que fosse pois que nunca foi titular de qualquer direito em relação às mesmas, como o mesmo, aliás, bem sabe.

O réu sustentou ainda que, por força do disposto no artigo 101º do C.M.V., os valores mobiliários titulados ao portador transmitem-se por entrega do título ao adquirente ou ao depositário por ele indicado.

Donde não possuindo o autor os títulos em causa, não é o seu proprietário, sendo a posse essencial ao exercício do direito social e constituindo a tradição da acção ao portador pressuposto formal e também material da transmissão da acção.

Além do mais, o réu deduziu ainda reconvenção, peticionando, a final, que seja proferida sentença que declare:

a) Que as mil acções ao portador, com o valor unitário de mil escudos, da sociedade C (…), S.A., que o A. se arroga titular, sempre pertenceram ao R.

b) Que após o aumento de capital e redenominação em euros, as 2.000 acções ao portador, com o valor nominal de 5 euros que o A. se arroga titular, pertencem ao R., sendo este o seu proprietário / titular.

*

O autor replicou, alegando, sem síntese, ter sido convidado por (…), irmão do réu, para participar numa sociedade, que teria por objectivo a aquisição do património imobiliário de uma outra sociedade (L(…)), tendo de igual forma sido também convidados por este, (…), pessoas que há muito colaboravam com o (…) e a quem este e as suas empresas deviam dinheiro.

O autor alegou ainda que, por essa ocasião, o (…) pagou-lhe uma parte da dívida que tinha para com ele (cerca de mil e quinhentos contos) e na ausência de interesse do (…) o (…) pediu ao Pai, (…), para entrar também na constituição da sociedade.

E como tinha inteira confiança no réu pediu então a este para figurar como administrador da sociedade e ainda para em seu nome e por sua conta figurar na constituição da sociedade.

Tendo sido nesse contexto que se constituiu a sociedade C (…).

O autor alegou ainda que entregou o dinheiro correspondente à sua parte no capital social.

E que a parte correspondente à participação do pai do réu e deste último, foi feita com recurso a capitais do (…), sendo o réu apenas um representante do irmão.

Não tendo o réu entrado com qualquer capital.

O autor alegou ainda que, entretanto, o réu desentendeu-se com o irmão (…), por causa de negócios que tinham em comum e resolveu apropriar-se dos créditos sobre a sociedade, criando documentos de contabilidade, em que surge como credor da C (…)SA por suprimentos e prestações suplementares, sem que, efectivamente o seja.

O autor alegou ainda que o réu não invoca qualquer modo legítimo de aquisição das acções, sendo certo que a qualidade de accionista nasce por mero efeito do contrato, não podendo como tal arrogar-se proprietário das acções em causa.

*

Foi proferida decisão admitindo a reconvenção.

E foi ainda proferido despacho saneador, com selecção da matéria de facto.

Posteriormente foi designada uma tentativa de conciliação, entre o mais, visando igualmente a adequação...

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