Acórdão nº 2337/13.0TBVNG.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 29-04-2014

Data de Julgamento29 Abril 2014
Número Acordão2337/13.0TBVNG.P1
Ano2014
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
PROC. N.º 2337/13.0TBVNG.P1
Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia – J. de Família e Menores
REL. N.º 150
Relator: Rui Moreira
Adjuntos: Henrique Araújo
Fernando Samões
*
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
1 - RELATÓRIO

B… intentou acção de divórcio contra C…, pedindo aí simultaneamente que lhe fosse atribuído o direito ao arrendamento da casa de morada de família, além de, durante a própria pendência do processo de divórcio, lhe dever ser atribuído o direito á respectiva utilização.
Veio a verificar-se acordo quanto ao divórcio, que foi decretado por mútuo consentimento, bem como quanto à regulação das responsabilidades parentais relativas ao filho de ambos, este estabelecido em data ulterior à da decisão recorrida, que versou sobre a atribuição da casa de morada da família.
Com efeito, o litígio não foi resolvido por idêntico consenso quanto à atribuição da casa de morada de família, pretendida para si pela autora, por arrendamento, dado dela necessitar para a sua habitação e do filho de ambos, apesar de o correspondente imóvel constituir bem próprio do requerido. Este, por sua vez, assinalou a incapacidade para continuar a pagar o empréstimo contraído para a respectiva aquisição, a par dos custos de habitação noutro local, referindo até a sua intenção de vender essa casa para poder satisfazer a sua responsabilidade de pagamento de alimentos ao filho.
Tramitada como incidente nos próprios autos do processo de divórcio, após discussão e julgamento, a questão foi decidida por sentença de 7/1/2014, tendo sido atribuído ao requerido o direito a utilizar a casa de morada de família, essencialmente em razão de esta constituir um bem próprio seu e dela necessitar para a sua residência e de não se ter provado que essa necessidade fosse inferior à necessidade habitacional da própria autora.
É esta decisão que a autora vem impugnar através do presente recurso, no qual, além de arguir a respectiva nulidade, também impugna a decisão sobre a matéria de facto e sua subsequente qualificação jurídica,
São as seguintes as asserções que formulou extensamente, sem rigor apto a salientar os elementos essenciais da sua argumentação e desaproveitando uma tal oportunidade, designando-as como conclusões:
1. A ora Recorrente intentou acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge contra C…, Réu, aqui Recorrido, pedindo que fosse decretado o divórcio entre ambos, que lhe fosse atribuída a guarda do menor, filho do casal, D…, fixando-se a regulação das responsabilidades parentais, e que lhe fosse atribuído o direito ao arrendamento da casa de morada de família, nos termos dos artigos 1773.º, n.º 3, 1781.º, alínea d), 1793.º, 1905.º e 1906.º, todos do CC.
2. Realizada tentativa de conciliação, o divórcio foi convertido em mútuo consentimento, por ser conforme à vontade de ambos os cônjuges obter a dissolução do vínculo conjugal, ficando, todavia, o seu decretamento na pendência de decisão relativa à regulação das responsabilidades parentais e ao destino da casa de morada de família, questões quanto às quais não foi possível lograr acordo, tendo dado origem a dois incidentes, a correr por apenso aos autos principais.
3. Notificada no presente apenso para se pronunciar relativamente à atribuição da casa de morada de família, a ora Recorrente apresentou as suas alegações, concluindo pelo pedido de que lhe seja atribuído o direito ao arrendamento da casa de morada de família, nos termos do artigo 1793.º do CC.
4. Sucede que, muito embora entenda a Recorrente ter demonstrado a bondade da sua tese, porque a provou, o Douto Tribunal a quo decidiu de forma que lhe é desfavorável, considerando improcedente o pedido da Recorrente e determinando a atribuição ao Recorrido do direito a utilizar a casa de morada de família.
5. Discutida a causa, ficou provada a matéria de facto constante da Douta Sentença recorrida, para cujo conteúdo se remete, dando-se aqui por integralmente transcrito, por economia processual.
6. Considerando a matéria de facto provada, conclui a Douta Sentença recorrida que “em conformidade com o exposto, a decisão só pode ser a de entregar a casa ao dono, ou seja, o Réu” e que “decidindo-se pelo provimento da pretensão do R., atribui-se ao mesmo o direito de utilizar a casa de morada de família”.
7. Ora, em primeiro lugar, entende a Recorrente que uma tal decisão padece de nulidade, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, na medida em que o juiz conhece de questões de que não podia tomar conhecimento, como, aliás, é expressamente afirmado na Douta Sentença de que se recorre.
8. De facto, começa o Douto Tribunal a quo por referir que “no caso não sobrelevam os interesses do filho menor do casal, pois que, em termos definitivos ainda não está definida a situação da sua residência/guarda”, porque “se por um lado, o filho menor do ainda casal se encontra a residir com a mãe, aqui Autora, ao abrigo de uma decisão judicial que provisoriamente assim determinou (em conformidade com o estabelecido no artigo 175.º da OTM), a verdade é que também o Réu pretende ver fixada junto de si a residência do filho, encontrando-se pendente incidente no sentido deste Tribunal dirimir as divergências das partes e proferir sentença de regulação do exercício das responsabilidades parentais”.
9. Ora, o artigo 608.º, n.º 2, do CPC determina que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.
10. Assim, constata-se que o Douto Tribunal a quo incumpriu uma obrigação legal que lhe era imposta: a de não se pronunciar quanto a questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
11. Na verdade, como é expressamente afirmado na Douta Sentença recorrida, encontra-se ainda pendente o incidente referente à regulação das responsabilidades parentais relativas ao filho menor da Recorrente e do Recorrido, pelo que, em abono da justiça e da verdade material não podia o Douto Tribunal a quo concluir, como fez, que “no caso não sobrelevam os interesses do filho menor do casal”, questão que se encontra prejudicada pela solução de tal incidente.
12. Nesta medida, a Douta Sentença recorrida violou o disposto no artigo 608.º, n.º 2, do CPC, incorrendo na nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), também do CPC, e devendo, nessa medida ser revogada, para todos os efeitos e com todas as consequências legalmente previstas.
13. Com efeito, e salvo melhor entendimento, numa situação como esta, em que está em causa um menor, impõe-se, acima de tudo, salvaguardar o seu superior interesse, afigurando-se imprescindível preservar a sua estabilidade habitacional, sem mais mudanças, de modo a que o menor não se veja sujeito a mais traumas, para além daquele decorrente do divórcio dos pais.
14. Assim entendeu o Douto Tribunal da Relação de Lisboa, que se pronunciou no sentido de que “o interesse relevante dos filhos prende-se com a situação de os filhos menores não ficarem sujeitos a outro trauma, para além do que resulta do divórcio dos pais, por forma a poderem continuar a viver com estabilidade na habitação a que estavam habituados, sem mais mudanças” (cfr. acórdão de 25/03/2010, elaborado no processo n.º 2042/03.5TMLSB-D.L1-6).
15. Face ao exposto, deverá a decisão recorrida ser considerada nula e revogada, descendo os autos ao tribunal a quo e aí ficando a aguardar decisão quanto à regulação das responsabilidades parentais, só então podendo o Douto Juiz a quo pronunciar-se legitimamente quanto ao superior interesse do menor in casu, o qual se afigura como um requisito de suma importância, que não se concebe que possa ser ignorado ou menosprezado.
16. A Douta Sentença recorrida padece da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC, na medida em que os seus fundamentos estão em oposição com a decisão, além de conter ambiguidades que tornam a decisão ininteligível.
17. O Douto Tribunal a quo entrou em contradição na apreciação dos factos dados como provados, e na interpretação e aplicação das normas jurídicas que constituem fundamento da decisão, incorrendo nessa medida em error in judicando, de tal forma que seria outra a decisão que se impunha no presente caso.
18. Na verdade, decorre do artigo 1793.º do CC, que “pode o tribunal dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada de família, quer esta seja comum quer própria do outro, considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal”.
19. Quanto a este preceito, refere a Douta Sentença recorrida que está em causa um processo de jurisdição voluntária, concluindo, nessa medida, “que a regulação dos interesses em confronto não tem que ser necessariamente feita com recurso a critérios de legalidade estrita, podendo o tribunal adoptar a solução mais conveniente, em resultado da ponderação de todos os elementos que decorrem da matéria de facto provada”.
20. Acrescenta ainda a Douta Sentença de que se recorre que “a atribuição do referido direito a um ou outro dos ex-cônjuges não constitui um resultado que invariável e necessariamente deva ser declarado”, que “o tribunal deve ponderar todas as circunstâncias envolventes, não tendo que ficar circunscrito à ponderação das necessidades e das correspectivas possibilidades de cada um dos cônjuges”, e que “na atribuição do direito de utilização da casa de morada de família o tribunal goza de uma grande maleabilidade”, devendo “atentar nos interesses dos filhos menores e ponderar a necessidade de cada um dos ex-cônjuges”, mas “podendo ser considerados outros factores”, dado que aqueles “não têm carácter taxativo ou exaustivo” (sublinhado nosso).
21. Sucede que, embora o Douto Tribunal a quo seja peremptório ao afirmar que “a regulação dos interesses em confronto não tem que ser necessariamente feita com
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