Acórdão nº 2332/20.2T8PNF.P1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça, 24-05-2022
Data de Julgamento | 24 Maio 2022 |
Case Outcome | NEGADA |
Classe processual | REVISTA |
Número Acordão | 2332/20.2T8PNF.P1.S2 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
I. — RELATÓRIO
1. AA propôs contra Acolhedor e Prático Unipessoal, Lda., e BB a presente acção declarativa, pedindo que os Réus sejam condenados:
I. — a reconhecer que na data da constituição da dívida de condomínio, a fracção “J” não era sua propriedade, tendo-lhe o imóvel sido transmitido a partir de 6 de Agosto, após o pagamento dos impostos devidos pela sua aquisição;
II. — a reconhecer que o pagamento de tal dívida não é da responsabilidade da A.;
III. — a abster-se de continuar a enviar comunicações ou avisos para pagamento;
IV. — a indemnizar a Autora por danos não patrimoniais, avaliados em 8.000,00 euros, e por danos patrimoniais, a liquidar em execução de sentença.
2. O Tribunal de 1.ª instância proferiu despacho saneador-sentença, absolvendo os Réus do pedido.
3. Inconformada, a Autora interpôs recurso de apelação.
4. A 1.ª Ré Acolhedor e Prático Unipessoal, Lda., e o 2.º Réu BB contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso.
5. O Tribunal da Relação ... julgou improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.
6. Inconformada, a Autora interpôs recurso de revista.
7. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:
I.
1 – O que determinou a interposição desta acção foi a ameaça (através de representante) da FLATCONDOMINIOS, Gestão e Administração de Condomínios, de recorrer a meios coercivos para cobrança de quota-parte de alegadas despesas aprovadas na assembleia de condóminos, de 25/06/2019, do edifício onde se localiza a fracção da autora.
2 – Foi depois apurado que este ente é uma “marca”, por isso, não tem personalidade nem capacidade jurídica e/ou judiciária, conforme resulta das normas dos artigos 67º do C. Civil e 12º do C.P. Civil.
3 – O artigo 1436º do C. Civil dispõe sobre as funções do administrador de condomínio, todavia, não tendo personalidade nem capacidade jurídica e/ou judiciária, perante a lei e mormente as supra citadas normas, a FLATCONDOMINIOS, Gestão e Administração de Condomínios, não pode arrogar-se administradior(a), nem praticar actos próprios de administrador, do condomínio em causa.
4 – A presente acção assenta fundamentalmente nesta questão, impondo-se ao Tribunal conhecê-la porque dela decorre que ainda deveria ser considerada a questão de estar vedado por lei à FLATCONDOMINIOS, Gestão e Administração de Condomínios, cobrar ou exigir da autora a quota-parte das despesas em causa, bem como executar a correspondente deliberação e, (eventualmente, até poderá ter foros de ilegalidade a convocatória da mesma assembleia), por força daqueles artigos 12º do C.P. Civil, 67º e 1436º, alíneas a), c), d) e h) do C. Civil.
5 – Por consequência, o Tribunal deveria ter apreciado estas questões contudo, não o fez, sobre elas não tomou posição e omitiu pronúncia quanto às mesmas, assim, o douto acórdão está ferido de nulidade conforme dispõe a alínea d) – 1ª parte – do nº 1, do artigo 615º, do C.P. Civil.
6 – Há matéria nas conclusões da apelação (em X, XI, e XII, que por brevidade aqui se considera reproduzida), que levanta necessariamente as seguintes questões:
— A transmissão da propriedade da fracção da autora foi feita por sentença que deu força executiva ao contrato-promessa de compra e venda;
— Aquela sentença que vinculou as partes contratantes firmou uma presunção judicial, nos termos do preceituado no artigo 351º do C. Civil;
— Porém, só a partir do momento da realização do registo definitivo daquela mesma aquisição da propriedade da fracção – objecto do contrato-promessa de compra e venda executado por sentença – se estribou a presunção legal de existência do direito absoluto da autora sobre aquela propriedade, bem como de titularidade da autora sobre o direito inscrito no registo,presunção esta que só pode serilidida“mediante prova emcontrário” conforme resulta da conjugação das normas do artigo 7º do C.R. Predial e 350º do C. Civil.
7 – Para a boa decisão da causa estas questões também são fundamentais, pelo que o Tribunal deveria ter tomado posição sobre as mesmas, contudo não as conheceu, omitiu pronúncia sobre as mesmas, assim, também quanto a esta matéria o douto acórdão está ferido de nulidade conforme dispõe a alínea d) – 1ª parte – do nº 1, do artigo 615º, do C.P. Civil.
8 - Quanto à responsabilidade imputada à autora pelo pagamento da mesma quota-parte nas alegadas despesas, o Tribunal não tomou posição sobre a questão vertida logo na primeira cláusula do contrato-promessa de transmissão da propriedade da fracção em causa, especificamente executado por sentença que está certificada nos autos, nos termos da qual a venda “é feita sem ónus nem encargos”.
9 – Deste modo, ainda quanto a esta matéria o acórdão omite pronúncia e por causa disso, também nesta parte, o douto acórdão é nulo, nos termos da primeira parte da já supra citada norma da alínea d), do nº 1, do artigo 615º, do C.P. Civil.
Por outro lado,
10 – O Tribunal pronunciou-se sobre alegadas obras extraordinárias e urgentes que, alegadamente, beneficiam a autora; sem que esteja apurado que obras são essas, se as mesmas são ou não extraordinárias e urgentes, bem como se nas condições ou situação concreta beneficiam a autora.
11 – Pelo que, também nesta parte, mas aqui por excesso de pronúncia, o douto acórdão está ferido de nulidade nos termos da segunda parte da alínea d), do nº 1, do artigo 615º, do C.P. Civil.
Além disto:
II
12 – À luz das normas conjugadas dos artigos 12º do C.P. Civil, 67º e 1436º, alíneas a), c), d) e h), do C. Civil, a FLATCONDOMINIOS, Gestão e Administração de Condomínios, não pode cobrar ou exigir da autora a quota-parte das alegadas despesas aprovadas na assembleia de condóminos, de 25/06/2019, do edifício onde se localiza a fracção da autora, como não pode executar a correspondente deliberação (eventualmente, terá até ocorrido ilegitimidade quanto à convocatória para aquela assembleia), porquanto, sendo este ente somente uma “marca” não tem personalidade nem capacidade jurídicas.
13 - A presunção legal de existência do direito absoluto sobre a propriedade da fracção em questão, bem como da correspondente titularidade da autora quanto a esse direito, só ocorreu a partirda realização do registo de aquisição da propriedade dessa fracção; sendo que esta presunção apenas pode ser ilidida “mediante prova em contrário”, conforme resulta da conjugação das normas dos artigos 7º do C.R. Predial e 350º do C. Civil.
14 – Para atribuir responsabilidade à autora pelo pagamento da quota-parte das alegadas despesas do condomínio em causa, o acórdão recorrido despreza aquelas normas legais, mormente viola o preceituado daqueles artigos 7º do C.R. Predial e 350º do C. Civil.
15 – Aquela sentença executou especificamente o contrato-promessa de compra e venda, no qual foi estabelecido pelas partes que a venda é feita sem ónus nem encargos, porém, está considerado no acórdão que:
—” A isto não se opõe o facto de o imóvel ter sido, eventualmente, vendido sem ónus e encargos. Desde logo porque esse acordo entre anterior e novo proprietário não é oponível ao condomínio. Quando muito, seria fundamento para o novo proprietário solicitar ao anterior o reembolso do que eventualmente viesse a pagar.
16 – Estando certificado e por isso apurado nos autos que, na primeira cláusula daquele contrato-promessa está estabelecido que a venda é feita sem ónus nem encargos, o acórdão em revista vai contra a força vinculativa conferida pelo trânsito daquela sentença e assim, nos termos conjugados, designadamente, dos artigos 619º nº 1 e 621º (1ª parte), do C.P. Civil, ofende o caso julgado.
III
SOBRE A INCONSTITUCIONALIDADE
17 - Permanece certo que sendo a FLATCONDOMINIOS, Gestão e Administração de Condomínios uma “marca” está desprovida de personalidade jurídica e de capacidade jurídica e, por isso, não pode ser sujeito de relações jurídicas, nos termos da disposição daquele artigo 67º do Código Civil;
18 – Por consequência, não pode executar as funções ou os actos próprios do administrador de condomínio, por isso lhe está vedado cobrar ou exigir da autora a quota-parte das alegadas despesas aprovadas na assembleia de condóminos, de 25/06/2019, do edifício onde se localiza a fracção da autora, por força daquele artigo e em conjugação com o artigo 1436º, alíneas a), c), d) e h), também do C. Civil.
19 – O acórdão recorrido manteve a interpretação e aplicação daquelas normas no sentido de que a FLATCONDOMINIOS, Gestão e Administração de Condomínios – que não é pessoa, singular ou colectiva – pode exercer as funções previstas naquelas alíneas da norma do artigo 1436º, do C. Civil.
20 – Assim, o sentido conferido à interpretação e aplicação das mesmas normas, despreza o princípio da legalidade sendo por isso inconstitucional dado violar o artigo 3º, nºs 2 e 3, da Constituição.
Nestes termos,
Devem proceder as invocadas nulidades do acórdão recorrido e, ser o mesmo revogado e substituído por acórdão que julgue a presente revista totalmente procedente, e, conheça da suscitada inconstitucionalidade de interpretação e aplicação normativa.
Como R. a V.ªs EX.ªs por ser de inteira JUSTIÇA.
8. Os Réus não contra-alegaram.
9. O Supremo Tribunal de Justiça determinou a remessa dos autos ao Tribunal da Relação, para que fossem apreciadas as nulidades arguidas pela Recorrente, nos seguintes termos:
“Na revista, a recorrente arguiu nulidades por omissão de pronúncia do acórdão recorrido, invocando o disposto no art.º 615.º, n.º 1. al. d), 1.ª parte, do CPC, por, na sua óptica, não ter conhecido das seguintes questões que diz ter suscitado na apelação:
1.ª – indevido exercício de funções de administrador por parte da “Flatcondomínios”, por não ter personalidade jurídica (conclusões 1.ª a 5.ª);
2.ª – presunção legal de aquisição do direito de propriedade decorrente do registo predial (conclusões...
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