Acórdão nº 23105/19.0T8LSB.L1-2 de Tribunal da Relação de Lisboa, 12-07-2021

Data de Julgamento12 Julho 2021
Número Acordão23105/19.0T8LSB.L1-2
Ano2021
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados

I - RELATÓRIO
Ana … interpôs o presente recurso de apelação da sentença que julgou parcialmente procedente a ação declarativa de condenação que, sob a forma de processo comum, foi por si intentada contra Maria da Graça …
Na Petição Inicial, a Autora pediu a condenação da Ré:
- no pagamento de uma quantia a fixar, nunca inferior a 5.250,00 €, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora;
- e a entregar o cão, de que a Ré é proprietária, de raça pastor-alemão na Casa dos Animais de Lisboa.
Para tanto, a Autora alegou, em síntese, que no dia 23 de junho de 2019, quando o seu cão (caniche) estava a ser passeado na rua, foi mortalmente atacado pelo cão (pastor alemão) da Ré, que se encontrava na rua, sem trela e sem açaime, apesar de lhe serem conhecidos outros episódios violentos; como a Ré não cumpriu os deveres de vigiar e controlar o comportamento do seu animal de estimação, deve responder pelos danos não patrimoniais sofridos pela Autora, mais devendo o cão da Ré ser recolhido e entregue à Casa dos Animais de Lisboa.
A Ré apresentou Contestação, na qual se defendeu por impugnação de facto e de direito, alegando designadamente que o seu cão passeava, preso por trela fixa, tendo sido o cão da Autora que foi ao encontro daquele e o mordeu nas patas dianteiras, pelo que, em resposta, o cão pastor alemão apertou o caniche no pescoço, o que, pelo facto de ser um cão de maior porte, foi determinante para a morte ocorrida; apesar de admitir a angustiante dinâmica dos factos, considera a Ré que os danos que dali derivaram já foram compensados e não se verificar qualquer conduta culposa; o seu cão já foi visto e avaliado por veterinário, tendo cumprido um período de quarentena e todos os restantes procedimentos legalmente previstos.
Foi proferido despacho saneador, tendo o Tribunal, ao abrigo do disposto no art. 597.º do CPC, considerado desnecessário identificar o objeto do litígio e enunciar os temas da prova.
Realizou-se a audiência de julgamento, com produção de prova testemunhal.
Após, em 19-01-2021, foi proferida a sentença recorrida, com o seguinte dispositivo:
“Face ao exposto, e de harmonia como o disposto nos preceitos legais que foram supra citados, julga-se a ação parcialmente procedente e em consequência, decide-se:
- Condenar a Ré, Maria da Graça …, no pagamento à Autora da quantia de € 1.000,00 (mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, quantia à qual acrescentarão juros vincendos, calculados à taxa legal de 4% nos termos da portaria nº 291/2003, de 8 de Abril, contados desde a data da notificação da presente decisão até efetivo e integral pagamento;
- Absolver a Ré, Maria da Graça …, do pedido da Autora a que aquela entregasse o cão de raça pastor-alemão, com o microship nº …100559683, na Casa dos Animais de Lisboa;
- Condenar a Autora, Ana…, e a Ré, Maria da Graça …no pagamento das custas do processo, na proporção do respetivo decaimento, a saber 80/20 respetivamente.
Notifique e registe.”
Ambas as partes ficaram inconformadas com esta decisão, tendo a Ré, em 12-02-2021, interposto recurso de apelação, o qual não veio a ser admitido na 1.ª instância.
O presente recurso de apelação foi interposto pela Autora, em 15-02-2021, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
1. A Autora, ora recorrente, peticionou a condenação da Ré no pagamento de uma quantia nunca inferior a € 5.250,00 (cinco mil, duzentos e cinquenta euros), a título de danos não patrimoniais pela morte do seu animal de estimação, tendo a Ré sido condenada no pagamento de € 1.000,00 (mil euros).
2. Importava apurar se a Ré seria ou não responsável pelo pagamento de uma quantia a título de indemnização por danos não patrimoniais, devido ao facto do seu cão ter atacado e provocado a morte ao cão da Autora.
3. Conforme resulta da Douta Sentença proferida a fls. dos autos, com exceção do facto do cão da Ré (de raça pastor alemão) já antes ter atacado outros cães), todos os factos alegados pela Autora na sua petição foram dados como provados.
4. Com efeito, foi dado como provado que na data em apreço o cão da Ré circulava na via pública sem fazer uso de trela, o que permitiu que o mesmo atacasse o caniche da Autora, mordendo-o na zona do pescoço e provocando-lhe a morte.
5. Foi igualmente dado como provado que após o ataque a Autora viu o seu animal inanimado, coberto de sangue (conforme demonstram as fotografias juntas aos autos pela Autora em requerimento posterior à petição inicial - documentos nº 2,3,4 e 5 de fl. 39 a 42-, fotografias que foram valoradas e também tidas em conta para a fundamentação da Sentença), facto que a deixou extremamente nervosa.
6. Ficou também provado que a morte do animal de estimação causou sofrimento, tristeza e desgosto à Autora.
7. Todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual estão efetivamente preenchidos, pelo que, dúvidas não subsistem que a morte do animal de estimação da Autora foi consequência direta do comportamento culposo da Ré, sendo esta responsável pelo pagamento de uma indemnização a título de danos não patrimoniais, conforme bem entendeu o Tribunal a quo.
17. Foi, no entanto, considerada a favor da Ré a imprevisibilidade da situação, uma vez que o pastor alemão tem um temperamento dócil e não se demonstrou que uma situação de ataque já antes havia ocorrido.
18. Conforme resulta do artigo 14 dos factos provados, “o cão da Ré noutras ocasiões provocou situações de incómodo a outros vizinhos”.
19. Estas situações de incómodo (conforme depoimentos de Joana …; Ana M … e José…) foram todas essencialmente pelo facto de a Ré andar na via pública com o seu pastor alemão sem fazer uso de trela, pelo que era por demais expectável que uma situação de ataque pudesse vir a acontecer.
20. Ainda que assim não se entenda, a verdade é que estarmos perante seres irracionais e imprevisíveis, motivo pelo qual o legislador estabeleceu a obrigatoriedade de todos os cãos (sejam eles perigosos ou dóceis) circularem na via pública com trela (Cfr. artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 314/2003 de 17 de dezembro).
21. Exigia-se, portanto, à Ré que controlasse e vigiasse os movimentos do seu animal de estimação, por forma a não colocar em risco a integridade física de outras pessoas e animais, o que nitidamente não fez.
22. O comportamento da Ré demonstra incumprimento dos cuidados de vigilância a que está obrigada e acima de tudo incúria e total desrespeito pelas pessoas e animais que com ela partilham a via pública, pelo que a alegada imprevisibilidade da situação não pode em caso algum atenuar a sua culpa.
23. Por último, o Tribunal a quo considerou como exagerado o valor peticionado pela Autora e como tal determinou uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de €1.000,00, valor com o qual a Autora não concorda nem se conforma.
24. A Jurisprudência a este respeito diz-nos que a indemnização por danos não patrimoniais não deve ser simbólica nem miserabilista na medida em que deve reparar, mas também deve punir a conduta daquele que provocou o dano (Veja-se a este respeito o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28/06/2007, bem como o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 03/10/2019, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.)
25. Situações como a dos presentes autos acontecem com alguma frequência, tal como se verificam também ataques a crianças, muitas vezes com consequências graves ou até morte.
26. É por isso fundamental que as decisões dos nossos Tribunais tenham em conta não só a reparação do dano, mas também a componente punitiva e acima de tudo dissuasora deste tipo de comportamento.
27. Quanto ao valor da indemnização pela morte de um animal de estimação veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 02/05/2002, processo n.º 0230493 (onde foi fixada uma indemnização no valor de € 1.150,00 pela perda de um cão de companhia); o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18/11/2008, onde foi fixada uma indemnização no valor de €1.500,00 (€750,00 a cada autor); o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14/07/2020, onde se considera como razoável e adequado o montante de € 1.800,00 a título de indemnização pela perda do cão de companhia; e ainda o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19/02/2015 onde foi confirmada uma indemnização no valor de € 7.500,00 pela morte do animal de estimação, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
28. Salienta-se que em dois dos Acórdãos supra referidos estão em causa ataques de cães de raça pastor alemão, pelo que é fácil concluir que estes ataques acontecem com alguma frequência e não são assim tão imprevisíveis, como erradamente entendeu o Tribunal a quo.
29. Em termos comparativos, o valor fixado a título de indemnização nos presentes autos é meramente simbólico, entendendo a Autora que o mesmo não repara condignamente o dano causado nem pune exemplarmente a conduta da Ré como é suposto, pelo que deve o mesmo ser alterado.
30. Em suma, resultou provado que o animal de estimação da Autora faleceu devido à total incúria da Ré, a qual podia ter evitado este desfecho, bastando para isso fazer o uso de trela na via pública, como aliás é legalmente exigido.
31. A Autora viu o seu animal inanimado, coberto de sangue (como ilustram as fotografias juntas aos autos a fls. 39 a 42), tendo-se sentido extremamente nervosa.
32. Resultou igualmente provado
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