Acórdão nº 231/20.7BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 10-09-2020
Judgment Date | 10 September 2020 |
Acordao Number | 231/20.7BELSB |
Year | 2020 |
Court | Tribunal Central Administrativo Sul |
I. Relatório
A....., interpôs recurso da sentença do TAC de Lisboa de 26.04.2020, que julgou a ação administrativa em matéria de asilo por si intentada improcedente, absolvendo o Ministério da Administração Interna do pedido.
As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões:
«(…) 1- O Tribunal a quo julgou erradamente várias questões de facto.
2- Julgou erradamente que o Recorrente não juntou prova de novos factos, pelo que este Douto Tribunal deverá corrigir esse erro e considerar que existe legitimidade para um pedido de asilo subsequente.
3- O Tribunal a quo julgou erradamente que o Recorrente veio para a Europa por motivos pessoais/económicos, não fundamentando devidamente essa conclusão, nem existindo fundamento para tal, pelo que este Douto Tribunal deverá corrigir esse erro e revogar essa conclusão.
4- O Tribunal a quo julgou erradamente que o Recorrente não prova sério risco, pois sendo o Recorrente da etnia Hazara o sério risco é evidente, não carecendo de prova suplementar.
5- O Tribunal a quo errou ao julgar que o Recorrente pede asilo por motivos pessoais/económicos e o tribunal a quo não fundamenta devidamente essa conclusão, nem existindo fundamento para tal, pelo que este Douto Tribunal deverá corrigir esse erro e revogar essa conclusão.
6- Não é verdade que não haja explicação sobre esse hiato de tempo, pois nas suas declarações perante o SEF o ora recorrente referiu que depois do seu pai sr assassinado em 2005 fugiram da cidade Wardak para Kabul e depois de estar um período em Kabul voltaram a fugir para outra cidade, Ghazni, devido ao assassinato do seu irmão.
7- Não existem incoerências ou contradições, mas sim erros de perceção do tribunal de 1a instância, designadamente não existe contradição entre alegar ser Hazara e xiita, pois são realidades sobrepostas, nem existe contradição ou incoerência no facto de em maio de 2019 só ter referido a questão familiar e agora, perante o crescimento exponencial da violência sobre os Hazaras, ter feito um pedido de asilo subsequente com este fundamento.
8- O Tribunal a quo errou ao julgar que o dever de audiência prévia fou cumprido, pois para efeitos da notificação do relatório prevista no artigo 17.°, o relatório não são as declarações (prestadas em 3/1/2020), mas sim a informação elaborada em 24/1/2020, na qual consta a proposta de decisão.
9- O Tribunal a quo errou ao julgar que a decisão impugnada está bem fundamentada, pois apesar do Recorrente a haver contrariado, apenas o pode fazer parcialmente, em relação aos motivos fundamentos.
10- O Tribunal a quo errou ao não permitir a prestação de declarações, pois tendo a decisão da 1a instância se baseado na não credibilidade do Recorrente devido às suas alegadas contradições e incoerências, seria da mais elementar equidade que o tribunal a quo o ouvisse. (…)»
O Recorrido, notificado para o efeito, não contra-alegou.
Neste tribunal, o DMMP apresentou pronúncia no sentido de ser negado provimento ao recurso.
Com dispensa dos vistos legais, atento o seu carácter urgente do processo, mas com disponibilização prévia do texto do acórdão, vem o mesmo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.
I. 1. Questões a apreciar e decidir
A sentença recorrida julgou improcedente a pretensão do Requerente, ora Recorrente, de anulação da decisão da Diretora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, que considerou inadmissível, ao abrigo da alínea e) do art. 19.º-A, da Lei 27/2008, de 30.06. (doravante Lei do Asilo), o pedido de proteção internacional apresentado pelo Requerente, ora Recorrente, determinando a sua transferência para a Suécia, assim como julgou improcedente a sua pretensão de que a decisão do SEF fosse substituída por outra que permitisse a análise do seu pedido de proteção internacional pelo Estado Português.
I.2. O objeto do recurso é delimitado, em princípio, pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso ainda não decididas com trânsito em julgado – cfr. art.s 635.º, 639.º e 608.º, n.º 2, 2ª parte, todos do CPC , ex vi art. 1.º e art. 140.º, n.º 3, ambos do CPTA. E dizemos em princípio, porque o art. 636.º do CPC permite a ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido, situação que não se coloca nos autos.
As questões que cumpre conhecer consubstanciam erros de julgamento imputados à sentença recorrida, ao ter considerado que (cfr. conclusões do recurso):
1. O Recorrente não juntou prova de novos factos para um pedido de asilo subsequente;
2. o Recorrente veio para a Europa por motivos pessoais/económicos;
3. o Recorrente não provou sério risco em regressar ao Afeganistão, não obstante este ter invocado ser da etnia Hazara;
4. existirem incoerências e contradições no discurso do Recorrente, designadamente, (i) a inexistência de explicação sobre determinado hiato de tempo (ii) de contradição entre o Recorrente alegar ser Hazara e xiita (iii) no facto de em maio de 2019 só ter referido a questão familiar e agora, perante o crescimento exponencial da violência sobre os Hazaras, ter feito um pedido de asilo subsequente com este fundamento;
5. o dever de audiência prévia foi cumprido;
6. a decisão impugnada está bem fundamentada;
e, por fim,
7. do erro de julgamento imputado à sentença recorrida em virtude de o tribunal a quo não ter permitido a prestação de declarações.
II. Fundamentação
II.1. De facto
Dá-se aqui por reproduzida toda matéria de facto considerada provada na sentença recorrida, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 663.º, n.º 6, do CPC, ex vi art. 140.º do CPTA, transcrevendo-se apenas, para maior facilidade de exposição atendo ao âmbito do presente recurso, os seguintes factos:
A) [O] Requerente nasceu em 13/10/1999 em Wardak, Afeganistão e é nacional deste país (cfr. processo administrativo apenso, que ora se dá por integralmente reproduzido);
B) Em 17/12/2019 o Requerente efectuou pedido de asilo ao Estado Português (cfr. fls. 13 do processo administrativo apenso, que ora se dá por integralmente reproduzido);
C) Por consulta na base de dados do Eurodac, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras verificou a existência de um pedido de asilo, formulado pelo Requerente em 02/12/2015, em AEMA3, Suécia e em 16/04/2019, em Lisboa, Portugal (cfr. fls. 3 e 4 do processo administrativo apenso, que ora se dá por integralmente reproduzido);
(...)
E) O pedido de protecção internacional apresentado pelo Requerente em 16/04/2019 foi considerado inadmissível, em virtude de se considerar a Suécia o Estado Membro responsável pela análise do seu pedido, nos termos do Regulamento (EU) 604/2013 do PE e do Conselho, de 26 de Junho, determinando-se a sua transferência para o referido país (cfr. SITAF, no âmbito do proc. 979/19.9 BELSB);
F) O Requerente impugnou judicialmente a decisão referida na alínea anterior, junto deste Tribunal, impugnação essa que que correu termos na 3a U.O e foi registada sob o n.° 979/19. 9 BELSB (cfr. idem);
G) Os autos registados sob o 979/19. 9BELSB foram julgados improcedentes (cfr. idem);
H) O Requerente interpôs recurso jurisdicional da decisão proferida por este Tribunal nos autos registados sob o 979/19. 9BELSB, ao qual foi negado provimento por Acórdão do Venerando Tribunal Central Administrativo Sul, em 24/10/2019 (…)
(…)
J) Em 03/01/2020, o Requerente prestou declarações perante o SEF, quanto aos fundamentos do seu pedido de asilo sub judice, com o seguinte teor:
(…)
P. E do pedido de proteção internacional que fez na Suécia, qual fora a resposta?
R. Foi negativo. Depois de um ano e três meses ali, obtive a primeira resposta negativa. Mas recorri da decisão e, voltou a ser negativa a decisão.
P. O que resolveu fazer então?
R. E a terceira vez também foi negativa. Não recordo já quando isso aconteceu.
P. Quando é que viajou para Portugal e, quando é que aqui chegou?
R. Depois da terceira resposta negativa, eu tinha de ir à Policia Sueca (…), três vezes por semana. E ali disseram então que tinha de ir à Embaixada do Afeganistão em Estocolmo para obter aquele documento. A Polícia Sueca disseram mesmo que iria ser deportado para o Afeganistão. E como suspeitei que iria ser em breve deportado, deixei de ali ir à Polícia fazer aquele registo três vezes por semana e, então acerca de oito meses atrás, viajei de comboio desde a Suécia para Portugal e, aqui cheguei em Abril de 2019.
P. Qual foi a data que chegou a Portugal e, o que fez na ocasião?
R. Eu cheguei aqui a Lisboa no dia 12/04/2019 e, vim então aqui solicitar a proteção internacional a Portugal.
P. Mas o seu pedido foi alvo de uma decisão de inadmissibilidade, face ao Regulamento Dublin e, fora à altura solicitado a tomada a cargo da Suécia, que veio a contestar nos tribunais Administrativos de Lisboa e, não fora executada a transferência, apesar de ter sido a Sentença improcedente, ou seja, desfavorável para si. O que tem a dizer?
R. Eu não quero voltar para a Suécia, pois ali vão-me deportar para o Afeganistão. E não quero voltar para o Afeganistão também.
P. É, ou alguma vez foi, membro de alguma organização política, religiosa, militar, étnica ou social, no Afeganistão?
R. Não. Nunca foi.
P. Tem agora a oportunidade de fornecer, sem interrupções, o seu relato pessoal sobre os motivos que o levaram a sair do seu país de origem, o Afeganistão e, está aqui a solicitar a proteção internacional a Portugal. Se possível inclua o máximo de detalhes sobre esses motivos.
R. É por causa de uma perseguição à minha família, que iniciou ainda em Wardak, Afeganistão, quando ainda era muito pequeno, pois saí dali com seis anos de idade. Havia um grupo que perseguia a minha família que é ligado aos Talibã. Havia um indivíduo daqueles, o M…., que queria...
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