Acórdão nº 231/19.0PBLRA.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 13-12-2023

Data de Julgamento13 Dezembro 2023
Ano2023
Número Acordão231/19.0PBLRA.C1
Órgão Tribunal da Relação de Coimbra

Relator: Jorge Jacob
1.ª Adjunta: Alexandra Guiné
2.º Adjunto: José Eduardo Martins

*

…, foi proferida sentença homologatória, consignada em acta, cujo teor é o seguinte:

(…)

Nos presentes autos, deduziu o Ministério Público acusação contra a …, imputando-lhe factos suscetíveis de integrar a prática em autoria material e na forma consumada, em concurso real, de um crime de burla na forma consumada, previsto e punível pelo art.º 217.º, n.º 1 do Código Penal e um crime de burla na forma tentada previsto e punível pelo art.º 217.º, n.º 1 e 2 por referência aos artigos 22.º n.º 1 e 2 al. a) do Código Penal.

Os referidos crimes têm natureza semipública, nos termos dos artigos 217.º, n.º 3 do Código Penal, admitindo a extinção da responsabilidade criminal por desistência de queixa, conforme determina o artigo 116.º, n.º 2 do Código Penal.

O ofendido em sede de audiência de julgamento veio desistir da queixa apresentada contra a arguida, tendo a mesma aceitado aquela desistência (artigo 51.º, n.º 3 do Código de Processo Penal).

Deste modo, atendendo à natureza semipública dos crimes sub judice, a declaração de vontade do ofendido de desistir da queixa apresentada contra a arguida, bem como a não oposição desta a uma tal desistência, e, ainda, a posição assumida pelo Ministério Público, julga-se válida e legal a desistência de queixa apresentada, que se homologa, nos termos do artigo 51.º, n.º 1 e 2 e 49.º do Código de Processo Penal, declarando-se, consequentemente, extinto o procedimento criminal contra a arguida …

Recorre o M.P., formulando as seguintes conclusões:

4 - Com a acusação, o Ministério Público efetuou pedido de declaração de perda de vantagens, resultantes da prática dos factos ilícitos cometidos pela arguida, a favor do Estado Português, no montante de 1.360€, quantia essa de que a arguida se apoderou em detrimento do ofendido AA.

5 - Contudo, “Face à sentença homologatória e à extinção do procedimento criminal, o tribunal julgou extinta a instância relativa ao pedido de declaração de perda de vantagens da prática dos factos ilícitos cometidos pela arguida a favor do Estado Português.”

6 - No caso em apreço, não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil por parte do lesado, há lugar à condenação do autor do crime, neste caso o de burla, a pagar ao Estado do valor correspondente à quantia de que se apropriou ilegitimamente, por ter sido requerido pelo Ministério Público (art.º 110º, nº1, alínea b), do Código Penal).

7 - Nos casos em que a perda de vantagens corresponda à obrigação de indemnização civil decorrente da prática do facto ilícito típico pode e deve ser decretada se o titular dos danos causados por aquele facto se desinteressar pela reparação do seu direito.

8 – Na realidade, o instituto de “perda de vantagens” constitui uma medida sancionatória análoga à medida de segurança com intuitos exclusivamente preventivos, através do qual o Estado exerce o seu ius imperuim por forma a demonstrar que “o crime não compensa”. A “perda de vantagens” tem em vista, primordialmente, uma perigosidade em abstrato, um propósito de prevenção da criminalidade em geral.

9 - Esta perda de vantagens deverá ocorrer mesmo que o pedido de indemnização civil não tenha sido formulado, o que aconteceu no caso vertente.

10 – Com efeito, não havendo pedido cível, tem lugar a aplicação do regime do art.º 110º, nº1, al. b), do Código Penal, uma vez que subsiste uma situação patrimonial antijurídica.

11 - A desistência de queixa (como aconteceu nestes autos) não implica a extinção da responsabilidade civil ou extinção do pedido de perda de vantagens a favor do Estado na medida em que a conduta aqui em causa (burla) continua a ser criminalmente punida e, como tal fundamento para responsabilidade extra- contratual.

14 - Assim sendo, não poderia o tribunal a quo ter julgado extinta a instância relativa ao pedido de declaração de perda de vantagens da prática dos factos ilícitos cometidos pela arguida, a favor do Estado Português.

15 - A sentença recorrida enferma da NULIDADE que vem prevista no art.º 379º, nº1, alínea c), do Código de Processo Penal, em virtude do tribunal não se ter pronunciado sobre promoção do Ministério Público formulada na acusação, no sentido do arguido ser condenado a pagar ao Estado a quantia de 1.360€, nos termos do art.º 110º, nº1, al. b), do C. Penal.

A arguida respondeu, …

Nesta instância o Exmº. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se pela nulidade da sentença na parte sob recurso, por manifesta falta de fundamentação, notando ainda inexistir nos autos manifestação de vontade de desistência da queixa por parte da ofendida …

Foram colhidos os vistos legais.

O âmbito do recurso afere-se e delimita-se pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo do que deva ser oficiosamente conhecido. No caso vertente, as questões a conhecer são apenas duas:

- A primeira, que constitui o cerne do recurso interposto, prende-se com a licitude da declaração de extinção da instância relativamente ao pedido de declaração de perda de vantagens da prática dos factos ilícitos cometidos pela arguida a favor do Estado Português, como consequência da desistência de queixa pelo ofendido …, assacando o recorrente à sentença homologatória o vício de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do art. 379º, nº 1, al c), do CPP, em virtude do tribunal não se ter pronunciado sobre promoção do Ministério Público formulada na...

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