Acórdão nº 2309/16.2T8PTM.E1.S de Supremo Tribunal de Justiça, 27-09-2022

Data de Julgamento27 Setembro 2022
Case OutcomeNEGADA A REVISTA
Classe processualREVISTA
Número Acordão2309/16.2T8PTM.E1.S
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I – RELATÓRIO

1.1. A Autora COLINAS DO ALVOR – INVESTIMENTOS TURÍSTICOS E IMOBILIÁRIOS, S.A., instaurou acção declarativa, com forma de processo comum, contra os Réus

1º- CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL

2º- NOVO BANCO, S.A.

Alegou, em resumo:

A Autora é uma sociedade comercial cujo objeto social consiste na promoção de empreendimentos turísticos e imobiliários, estabelecimentos hoteleiros, residências para férias e outros alojamentos de curta duração, restauração e similares atividades desportivas, de diversão e recreativas, compra, venda e revenda de bens imobiliários, construção de edifícios para venda;

Com a presente ação, pretende que seja declarada a nulidade das hipotecas por si constituídas a favor dos Réus.

Estão em causa negócios jurídicos que consistiram na concessão de empréstimos pelos mutuantes, aqui Réus, à sociedade B..., S.A.., para aquisição de capital social da autora, contra a garantia hipotecária sobre os bens imóveis que integravam (e integram) o património desta.

Estes negócios são proibidos pele lei, que os fere de nulidade por a prestação de garantia hipotecária constituir ofensa à capacidade de gozo da sociedade autora nos termos do artigo 6º, nº 1 e 3 primeira parte do CSC (e não integrar nenhuma das exceções previstas no nº 3) e por se enquadrar na proibição de assistência financeira a que alude o artigo 322º do mesmo Código.

Em resultado da medida de resolução aplicada pelo BdP, os contratos de mútuo celebrados com B..., S.A. e as hipotecas constituídas pela Autora, na parte que diz respeito à posição do BES, transferiram-se para o Novo Banco, por constituírem ativos não excluídos, nos termos do Ponto I, alínea a) do Anexo 2 da deliberação datada de 3.08.2014, na versão consolidada datada de 11.08.2014.

Pediu que sejam declaradas nulas as hipotecas de 1º e 2º grau prestadas pela Autora a favor dos Réus sobre os prédios identificados, em garantia dos mútuos juntos como docs. 1 a 4, e, em consequência, deve ser ordenado o cancelamento das hipotecas junto da Conservatória de Registo Predial ....

1.2.- O Réu Novo Banco, S.A. contestou, no sentido da improcedência da acção, e em reconvenção pediu a condenação da Autora a pagar-lhe a quantia de €28.157.180,56, acrescida de juros de mora vincendos às taxas e sobretaxas referidas; a pagar aos réus a quantia de € 15.536.098,46, acrescida de juros de mora legais desde 20.11.2007 até à data de efetivo e integral pagamento, a título de enriquecimento sem causa e a condenação da Autora como litigante de má-fé, em multa e indemnização.

1.3. O Réu Caixa Económica Montepio Geral contestou, defendendo-se por excepção ( abuso de direito) e impugnação.

E em reconvenção pediu a condenação da Autora no montante de € 35.691.429,39 (trinta e cinco milhões seiscentos e noventa e um mil quatrocentos e vinte e nove euros e trinta e nove cêntimos), a que acrescerão os juros vencidos desde 4 de novembro de 2016, e, bem assim, os que, entretanto, se vencerem, até integral pagamento, à taxa de juros contratualmente fixada. Ainda a condenação por litigância de má-fé, em multa e indemnização.

1.4 Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:

“Pelo exposto, julga-se a presente ação improcedente e absolvem-se os RR. dos pedidos contra os mesmos formulados.

Julga-se, consequentemente, prejudicada a apreciação dos pedidos reconvencionais, formulados a título subsidiário e prejudicado também o conhecimento das exceções de prescrição dos mesmos.

Mais se decide não condenar a A. como litigante de má-fé, não atribuindo efeito tributário a esta decisão.

Custas pela A.”

1.5.- Inconformada a Autora Colinas do Alvor - Investimentos Turísticos e Imobiliários, S.A recorreu de apelação e a Relação de Évora, por acórdão 24/09/2021, julgou improcedente a apelação e confirmou, sem voto de vencido, a sentença.

1.6.- A Autora Colinas do Alvor SA interpôs recurso de revista, a título principal revista excepcional ( art 671 nº1 e 672 CPC) e subsidiariamente revista normal ( art.671 nº1 CPC), formulando as seguintes conclusões:

1. Em primeira e segunda instância os pedidos de nulidade de duas hipotecas de imóveis prestadas pela recorrente COLINAS DE ALVOR (CA) em garantia de dois mútuos de €:40.000.000,00 (40M€) e €:14.000.000,00 (14M€) concedidos pelos bancos recorridos à sociedade B..., S.A. (B...) improcederam.

2. O presente recurso incidirá, a título principal, sobre a violação da proibição de assistência financeira (322º do CSC) e, subsidiariamente, sobre a violação dos artigos 29º e 32º do CSC e do princípio da intangibilidade do capital social.

3. Relativamente à assistência financeira estamos perante uma situação de dupla conforme (art.671º, nº3 do CPC) pelo que o pedido de reapreciação só é admissível como revista excecional.

4. Quanto à violação dos art. 29º e 32º do CSC e do princípio da intangibilidade do capital social, não tendo havido decisão sobre esta questão em 1ª instância - só em 2ª instância - cremos não estar perante uma hipótese de dupla conforme, pelo que o recurso seguirá como revista normal.

5. Está em causa a apreciação do pedido de nulidade de hipotecas por violação da proibição de assistência financeira, a que se refere o art 322º do CSC.

6. Trata-se de uma questão juridicamente complexa, que cabe na alínea a), nº 1, do art 672º do CPC.

7.Invoca-se ainda que a questão envolve um conjunto de factos que a torna ainda mais complexa, o que mais justifica a intervenção do STJ para uma melhor aplicação do Direito, sendo que o que vier a ser decidido servirá de orientação futura para situações similares às que aqui se discutem.

8. Complementarmente a questão tem relevância económico-social porque as aquisições do capital social de sociedades comerciais com recurso a apoio (financeiro ou outro, por exemplo, prestação de garantias) da sociedade adquirida acontecem, sendo que, em determinadas circunstâncias, atento os valores envolvidos na transação (aquisição do capital social), existe apoio financeiro (e assistencial/consultoria) de bancos que financiam a operação.

9. Não está em causa somente um interesse particular das partes, há também um interesse geral de boa aplicação do Direito, para o que a comunidade jurídica necessita de saber qual a orientação que o STJ vai dar ao caso, para ajustar procedimentos negociais e, assim, contribuir para a boa administração da justiça.

10. Também releva apurar se a sociedade que assiste a assistida - facultando meios financeiros ou prestando garantias - pode invocar a seu favor a nulidade do ato sem incorrer em abuso de direito (venire contra factum proprium).

11. Em síntese, a questão que se submete à douta apreciação do STJ encerra as seguintes questões, juridicamente complexas, novas (pouco discutidas) e do interesse geral (não só neste caso): (i) a Lei privilegia, com a norma proibitiva, a salvaguarda da intangibilidade do capital social, a solvência patrimonial da que assiste, evita abusos de administradores e de atos discriminatórios entre acionistas, evita a manipulação do mercado e da cotação das ações e proteger credores; (ii) rejeita liminarmente a prestação de garantias pela sociedade assistente (cujo o capital social é adquirido pelo assistido), independentemente da forma e circunstâncias do negócio; (iii) a sociedade que assiste pode invocar a seu favor a nulidade do ato de assistência, desprotegendo-se o interesse do terceiro de boa fé; (iv) a regra da parte final do art 322º, nº 2 do CSC - “não pode resultar que o ativo líquido da sociedade se torne inferior ao montante do capital subscrito acrescido das reservas que a lei ou o contrato de sociedade não permitam distribuir” – aplica-se a todas e quaisquer situações de assistência financeira, por estar em causa a proteção do capital e do primordial interesse dos credores.

12. Quando uma sociedade anónima assiste financeiramente (mediante disponibilização de fundos ou prestação de garantia) um terceiro para adquirir o seu capital social (o assistido), estamos perante a figura da assistência financeira.

13. Este negócio jurídico é proibido pela Lei - art 322º, nº 1 do CSC- porque põe em causa aspetos essenciais de uma sociedade: a preservação do património societário, a integridade do capital social, permite abusos dos administradores e a discriminação entre acionistas, permite a manipulação de mercado e atenta contra os interesses dos sócios e dos credores sociais.

14. A imperatividade da norma destina-se a impedir que os bens sociais passem a estar ao serviço de um sócio (interesse não societário) em vez de estarem ao serviço da sociedade.

15. Como resulta do douto parecer de ENGRACIA ANTUNES junto aos autos, a assistência financeira é sempre ferida de invalidade, independentemente da garantia prestada ser gratuita ou onerosa, exista ou não “justificado interesse próprio” e exista ou não relação de domínio ou de grupo, gere um proveito ou um dano, ponha em causa ou não a situação líquida da empresa.

16. Este entendimento está em linha com o douto acórdão da Relação de Lisboa de 17.04.2018, relatado pela Mª Juíza Desembargadora Isabel Fonseca, que salienta “a proibição absoluta da assistência financeira da nossa legislação”.

17. No douto parecer de ENGRÁCIA ANTUNES junto aos autos a operação revelada nos autos é denominada de “leveraged buyout” - “aquisição de uma empresa societária que se caracteriza pelo facto de o adquirente, não possuindo o capital ou liquidez necessários à compra (facto assente 18), recorre ao financiamento da aquisição por parte de um terceiro oferecendo em garantia o próprio património da empresa adquirida”, o que significa que a compra e venda das ações de CA foi alavancada no património da própria CA.

18. O mesmo Autor, pronunciando-se sobre se a operação de “leveraged buyout” “a coloca fora da órbita do...

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