Acórdão n.º 230/2016

Data de publicação29 Junho 2016
SectionParte D - Tribunais e Ministério Público
ÓrgãoTribunal Constitucional

Acórdão n.º 230/2016

Processo n.º 393/15

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I - Relatório

1 - António Manuel Ganchas Rodrigues e outros, ora recorrentes, expropriados, interpuseram recurso quanto à quantia arbitrada da indemnização no Tribunal de Família e de Menores e de Comarca de Vila Franca de Xira. O recurso foi julgado parcialmente procedente e fixado o valor da indemnização a atribuir aos expropriados em virtude da expropriação das parcelas em causa.

Inconformados, recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa, que julgou parcialmente procedente a apelação proposta, alterando o valor da indemnização de uma das parcelas e, em tudo o mais, mantendo a sentença recorrida, em acórdão de 18 de setembro de 2012.

Por ainda inconformados, os recorrentes, após pedido de esclarecimentos e reforma do acórdão, indeferido por acórdão de 20 de novembro de 2012, interpuseram recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, com fundamento em ofensa de caso julgado, e requereram supletivamente nova reforma do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18 de setembro de 2012. O Supremo Tribunal de Justiça decidiu negar a revista por decisão singular de 20 de fevereiro de 2014. Os recorrentes reclamaram desta decisão para a conferência, que acordou não conhecer do recurso, por acórdão de 7 de maio de 2014.

2 - De seguida, os recorrentes requereram a baixa dos autos ao Tribunal da Relação de Lisboa, para conhecimento do seu pedido de reforma do acórdão de 18 de setembro de 2012, tendo também requerido a admissão de recurso deste aresto para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro [LTC]), delimitando, no seu requerimento, o objeto respetivo nos seguintes termos (fls 1357-1360):

«a) a do artigo 27.º, n.º 3, do Código das Expropriações, quando interpretada no sentido de as infraestruturas urbanísticas que servem parcelas expropriadas e o prédio em que se integra não constituírem circunstâncias objetivas a atender no cálculo indemnizatório dos solos classificados como aptos para outros fins;

b) a do artigo 27.º, n.º 3, do Código das Expropriações, quando interpretada no sentido de a localização das parcelas expropriadas numa zona infraestruturada e edificada (núcleos urbanos e construção dispersa a 300 m) não constituir uma circunstância objetiva a atender no cálculo indemnizatório dos solos classificados como aptos para outros fins;

c) a do artigo 27.º, n.º 3, do Código das Expropriações, quando interpretada no sentido de a capacidade edificativa das parcelas expropriadas e da sua zona envolvente prevista no PDM não constituir uma circunstância objetiva a atender no cálculo indemnizatório dos solos classificados como aptos para outros fins, mesmo nas situações em que a zona envolvente dessas parcelas é já constituída por diversos espaços urbanos;

d) a do artigo 27.º, n.º 3, do Código das Expropriações, quando interpretada no sentido de a capacidade edificativa das parcelas expropriadas prevista no projeto de revisão do PDM, pendente à data da declaração de utilidade pública (ainda que não em vigor) não constituir uma circunstância objetiva a atender no cálculo indemnizatório dos solos classificados como aptos para outros fins, mesmo nas situações em que a zona envolvente dessas parcelas é já constituída por diversos núcleos urbanos e construção dispersa;

e) a dos arts. 25.º e 27.º do Código das Expropriações, quando interpretados no sentido de que a integração de uma parcela expropriada na Reserva Agrícola Nacional implica, por si só, a sua classificação como solo para outros fins e a sua avaliação de acordo com os seus rendimentos agrícolas, sem se poder atender, naquela classificação ou nesta avaliação, a quaisquer outros fatores, como a localização, envolvente, proximidade a infraestruturas ou núcleos urbanos, etc., mesmo naquelas situações em que os solos expropriados (a) se integram em prédios servidos por todas as infraestruturas urbanísticas e onde se localizam núcleos urbanos infraestruturados, a menos de 300 m. dos mesmos, (b) se localizam numa zona infraestruturada e edificada, a menos de 300 m. de vários núcleos urbanos infraestruturados; (c) para os quais o projeto de revisão do PDM aplicável prevê a alteração da sua classificação urbanística (passando os mesmos a ser classificados como zonas urbanizáveis)», decorrente da interpretação dos artigos 25.º e 27.º do CE;

f) a do artigo 26.º, n.º 2, do Código das Expropriações, quando interpretado no sentido de que os solos integrados na RAN não podem ser indemnizados, diretamente ou por analogia, de acordo com esse regime indemnizatório, mesmo naquelas situações em que os solos expropriados (a) se integram em prédios servidos por todas as infraestruturas urbanísticas e onde se localizam núcleos urbanos infraestruturados, a menos de 300 m. dos mesmos, (b) se localizam numa zona infraestruturada e edificada, a menos de 300 m. de vários núcleos urbanos infraestruturados; (c) para os quais o projeto de revisão do PDM aplicável prevê a alteração da sua classificação urbanística (passando os mesmos a ser classificados como zonas urbanizáveis).

[...] As referidas interpretações sãos inconstitucionais por violação do princípio da igualdade dos cidadãos na repartição dos encargos públicos, do direito de propriedade privada, do direito a uma justa indemnização e do princípio da proporcionalidade (arts. 13.º, 266.º e 62.º da Constituição».

3 - Por despacho de 19 de dezembro de 2014, mandou o Supremo Tribunal de Justiça que os autos fossem remetidos à 2.ª instância. Em 24 de fevereiro de 2015, o Tribunal da Relação de Lisboa proferiu acórdão indeferindo o pedido de reforma e admitindo o recurso interposto para o Tribunal Constitucional.

Prosseguindo o processo para alegações, os recorrentes alegaram (fls. 1398-1405) concluindo do seguinte modo:

«São estas constatações que nos levam a defender que a interpretação do artigo 27.º, n.º 3, do Código das Expropriações no sentido que os fatores referidos no n.º 4 destas Alegações (cada um por si e todos em conjunto) não constituem circunstâncias objetivas a atender no cálculo indemnizatório dos solos classificados como para outros fins (impedindo assim uma justa indemnização correspondente ao valor real e corrente dos bens expropriados numa situação normal de mercado; determinando assim uma situação de desigualdade entre proprietários expropriados, só porque foram expropriados, e proprietários não expropriados, porque não o foram, sem qualquer suporte material; e de onde resulta um valor indemnizatório desproporcionado face às características do bem expropriado), é inconstitucional por violação do princípio da igualdade dos cidadãos na repartição dos encargos públicos, do direito fundamental de propriedade privada, do direito fundamental a uma justa indemnização e do princípio da proporcionalidade (arts. 13.º, 266.º e 62.º da Constituição).»

Por sua vez, a recorrida, Brisa - Auto Estradas de Portugal, S. A., contra-alegou (fls. 1414-1423), concluindo:

«Não é inconstitucional a interpretação do art. 27º, n.º 3 do C.E., por entender que não constituem circunstâncias objetivas a atender no cálculo indemnizatório dos solos classificados para outros fins, os fatores elencados pelos recorrentes no n.º 4 das suas alegações de recurso.

A aplicação, ainda que extensiva ou analógica do n.º 12 do art. 26º do C.E. a terrenos integrados na RAN, só porque se verificam as circunstâncias que, para terrenos situados fora da RAN, o art.º 25º, n.º 2, do C.E. releva como elementos qualificantes de terrenos para construção, redundaria numa clara violação do princípio da igualdade constitucionalmente consagrado.

Os terrenos inseridos em REN ou RAN são avaliados pelo mercado e como terrenos que não são aptos a fins urbanísticos ou de construção mas a outros fins, ainda que disponha de acesso a infraestruturas urbanística e se insira em núcleo urbano, porque o mercado conhece a finalidade a que o mesmo se destina resultante das limitações que a lei impõe sobre os mesmos.

Pelo que, face a tudo quanto se disse, dúvidas não existem de que, não se verificou, na interpretação seguida pelo Acórdão recorrido, violação dos princípios de justa indemnização e de igualdade (art. 62º, n.º 2 e art. 13º da Lei Fundamental), nem de qualquer outro princípio jurídico-constitucional.»

Cumpre apreciar e decidir

II - Fundamentação

a) Admissibilidade do recurso

4 - A decisão recorrida, no presente processo, é o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18 de setembro de 2012, relativamente à qual os recorrentes questionam a constitucionalidade de seis normas (cf. 1358-1360):

a) As «infraestruturas urbanísticas que servem parcelas expropriadas e o prédio em que se integra não constituírem circunstâncias objetivas a atender no cálculo indemnizatório dos solos classificados como aptos para outros fins», decorrente da interpretação do artigo 27.º, n.º 3, do Código das Expropriações (CE);

b) A «localização das parcelas expropriadas numa zona infraestruturada e edificada (núcleos urbanos e construção dispersa a 300m) não constituir uma circunstância objetiva a atender no cálculo indemnizatório dos solos classificados como aptos para outros fins», decorrente da interpretação do artigo 27.º, n.º 3, do CE;

c) A «capacidade edificativa das parcelas expropriadas e da sua zona envolvente prevista no PDM não constituir uma circunstância objetiva a atender no cálculo indemnizatório dos solos classificados como aptos para outros fins, mesmo nas situações em que a zona envolvente dessas parcelas é já constituída por diversos espaços urbanos», decorrente da interpretação do artigo 27.º, n.º 3, do CE;

d) A «capacidade edificativa das parcelas expropriadas prevista no projeto de revisão do PDM, pendente à data da declaração de utilidade pública (ainda que não em vigor) não constituir uma circunstância objetiva a atender no cálculo indemnizatório dos solos...

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