ACÓRDÃO Nº 23/2008
Processo n.º 927/07
3ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A. e recorrido o B., a Relatora proferiu a seguinte decisão sumária:
«I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, em que figura como recorrente A. e como recorrido B., vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, a primeira “não se conformando com o douto Acórdão, proferido no dia 6 de Fevereiro de 2007 (…), vem, nos termos dos arts. 75.º-A, 75.º, nº. 1 e 72º., nº. 1, alínea b) da Lei nº. 28/82 (…), interpor, mediante o presente requerimento, recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artº. 70º., da Lei mencionada” (fls. 153).
2. Perante a ausência de indicação de qual a alínea do artigo 70º da LTC ao abrigo da qual o recurso foi interposto, bem como de quais as normas reputadas de inconstitucionais ou de ilegais, o juiz do tribunal “a quo” proferiu o seguinte despacho (fls. 160), ao abrigo do n.º 5 do artigo 75º-A da LTC:
“Notifique o Requerente para, em dez dias, vir aos autos proceder ao cumprimento do disposto no art. 75º-A, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15/11 (indicação da alínea ao abrigo da qual o recurso é interposto e a norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o Tribunal aprecie”.
Respondendo ao convite formulado, a recorrente veio, simultaneamente, esclarecer que pretendia recorrer ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, mas deixou implícito no seu requerimento de aperfeiçoamento (fls. 163 a 165) que entendia que determinada interpretação normativa – por si não concretamente especificada [“a interpretação das normas (…) acolhida na decisão recorrida” – fls. 163] – teria sido aplicada pelo tribunal “a quo” em sentido contrário a normas e princípios constitucionais. Acresce ainda que, através do referido requerimento de aperfeiçoamento, a recorrente limita-se a referir alguns acórdãos do Tribunal Constitucional, em alegado apoio da sua posição, sem identificar expressamente qual dos Acórdãos teria julgado inconstitucional ou ilegal as normas aplicadas no sentido interpretado pela decisão recorrida.
3. Visto que as dúvidas quanto à modalidade de recurso interposto não foram dissipadas e que, a ter sido interposto ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, o despacho proferido pelo tribunal “a quo” (fls. 160) não havia convidado a recorrente a indicar a decisão do Tribunal Constitucional que, com anterioridade, julgou inconstitucional ou ilegal a norma aplicada pela decisão recorrida, a Relatora junto deste Tribunal dirigiu convite à recorrente para que procedesse a tais esclarecimentos (fls. 174). Ainda que convidada, a recorrente persistiu em afirmar que uma determinada interpretação, “acolhida na decisão recorrida” (fls. 177 e 180) – mas que não especifica –, das normas conjugadas do artigo 492º, n.º 1 do CPC e dos artigos 5º, n.º 1, alínea b), 7º, n.º 4, 8º e 19º do Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13 de Outubro, já teria sido anteriormente julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, mais concretamente, através do Acórdão n.º 122/2002.
Cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
4. Apesar de o n.º 1 do artigo 76º da LTC conferir ao tribunal recorrido – in casu, o Tribunal da Relação de Lisboa – o poder de apreciar a admissão de recurso, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito legal, pelo que, antes de mais, cumpre apreciar se estão preenchidos todos os pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75º-A e 76º, nº 2, da LTC.
5. Em primeiro lugar, esclareça-se que nenhuma das considerações tecidas no requerimento de aperfeiçoamento (fls. 176 a 183) acerca da correcta aplicação (ou incorrecta, na perspectiva da recorrente) do Direito infra-constitucional pela conservadora do Registo Civil ou pelas decisões jurisdicionais que conheceram dos actos e omissões por ela praticados constituem objecto processualmente admissível deste recurso. Assim é porque o Tribunal Constitucional não funciona como instância de recurso ordinário, apenas aferindo da compatibilidade com a Constituição de normas ou interpretações normativas efectivamente aplicadas por decisões jurisdicionais.
6. Em segundo lugar, porque a recorrente optou por apenas recorrer para este Tribunal ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, apenas se impõe verificar se a decisão recorrida aplicou norma (ou interpretação normativa) já julgada inconstitucional.
Apesar de convidada a aperfeiçoar o seu requerimento de recurso, a recorrente persistiu em alegar uma (alegada) contradição entre jurisprudência deste Tribunal e uma dada – mas não especificada – interpretação normativa decorrente da conjugação entre o artigo 492º, n.º 1 do CPC e os artigos 5º, n.º 1, alínea b), 7º, n.º 4, 8º e 19º do Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13 de Outubro. Na medida em que a recorrente persiste em definir tal interpretação normativa por mera remissão para a sentença recorrida (“acolhida na decisão recorrida”), sem que especifique qual a interpretação que reputa inconstitucional, o Tribunal Constitucional não pode conhecer dessa contradição.
7. Acresce ainda que, mesmo que se admitisse estar em causa a contradição entre as normas reputadas de inconstitucionais (e não uma determinada interpretação das mesmas), seria forçoso concluir que a jurisprudência invocada pela recorrente nunca apreciou especificamente aquelas normas.
Começando pelo Acórdão n.º 122/2002, de 14 de Março de 2003, desde logo se constata que o mesmo não julgou inconstitucional qualquer norma, e muito menos a norma resultante da conjugação do artigo 492º, n.º 1 do CPC e dos artigos 5º, n.º 1, alínea b), 7º, n.º 4, 8º e 19º do Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13 de Outubro. Pelo contrário, aquele aresto limitou-se a apreciar a constitucionalidade de determinada interpretação da norma constante do n.º 2 do artigo 690º-A do CPC, tendo concluído pela sua não inconstitucionalidade no caso concreto então em apreço. A inserção, a fls. 182, do trecho “e a tramitação processual na Conservatória, ex vi do artº. 19º., do D.L. nº. 272/2001, de 13 de Outubro, rectificado pela Declaração nº. 20 – AR/2001, de 30 de Novembro, publicada no D.R. nº 278, I Série A, 3º Suplemento, distribuído em 8 de Janeiro de 2002 (…) é da inteira lavra do mandatário da recorrente e, ainda que destrinçável por não se encontrar redigido em itálico, é apto a induzir em erro um leitor menos atento. Com efeito, aquele trecho não consta do texto original do Acórdão n.º 122/2002, que não abordou qualquer questão relativa à inconstitucionalidade das normas ora em apreço.
O mesmo se diga quanto aos Acórdãos n.º 404/87, de 29 de Julho de 1987, n.º 86/88, 13 de Abril de 1988, n.º 222/90, de 20 de Junho de 1990, e n.º 223/95, de 26 de Abril de 1994, que apesar de versarem sobre o princípio da tutela jurisdicional efectiva, não julgaram inconstitucionais as normas colocadas em crise pela recorrente. Aliás, tal impossibilidade prática decorre da própria natureza das coisas, visto não poderem ter julgado inconstitucionais normas que, à data do seu proferimento, ainda nem sequer se encontravam em vigor. Recorde-se, a este propósito, que as normas ora reputadas de inconstitucionais apenas entraram em vigor em 01 de Janeiro de 2002, por força do artigo 22º do Decreto-Lei n.º 272/2001.
Mais se refira que as normas reputadas de inconstitucionais pela recorrente não foram alvo de qualquer juízo de...