Acórdão nº 23/04.0GDSCD-B.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 15-11-2012
Judgment Date | 15 November 2012 |
Case Outcome | AUTORIZADA A REVISÃO |
Procedure Type | RECURSO DE REVISÃO |
Acordao Number | 23/04.0GDSCD-B.S1 |
Court | Supremo Tribunal de Justiça |
Processo n.º 23/04.0GDSCD-B.S1
Recurso de Revisão n.º 52907/12
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AA, com os sinais dos autos, interpôs recurso extraordinário de revisão do acórdão proferido no processo comum com intervenção do tribunal singular n.º 23/04.0GDSCD, do Tribunal Judicial da comarca de Santa Comba Dão, que o condenou como autor material de um crime continuado de difamação agravada na pena de 200 dias de multa à taxa diária de € 7,00 e na indemnização de € 3,000,00[1].
No requerimento apresentado formulou as seguintes conclusões[2]:
«I. O presente recurso visa a revisão, nos termos dos artigos 449° a 466° do C.P.P., do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 21 de Março de 2007, no processo nº 23/04.0GDSCD, que confirmou a condenação do ora recorrente AA pela prática de um crime de difamação agravada na forma continuada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 180.° n.º 1, 184.° e 132.° n.º 2 al. j) do Código Penal.
II. O recurso de revisão inscreve-se nas garantias constitucionais de defesa, no princípio da revisão consagrado no nº 6, do artigo 29°, da Constituição da República Portuguesa: "os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão de sentença e à indemnização pelos danos sofridos ".
III. São fundamento e condição de admissibilidade da revisão, na versão dada pela alteração legislativa contemplada na Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, entre outros, "Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça. " - Artigo 449°, nº 1, al. g) do C.P.P.
IV. No Acórdão de 20 de Outubro de 2009 proferido na Queixa nº 41665/07, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), por unanimidade, concluiu que a condenação do recorrente no processo nº 23/04.OGDSCD, foi desnecessária numa sociedade democrática, pelo que no caso concreto foi violado o artigo 10° da C.E.D.H., assim condenando o Estado Português, na sua qualidade de subscritor da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
V. A decisão do TEDH constitui fundamento legal de revisão da sentença condenatória nos termos do art. 449°, nº 1, al. g) do C.P.P. pelo que deverá, assim, ser revogada a decisão condenatória e substituída por outra que absolva o recorrente.
VI. Nestes termos deverá ser dado provimento ao presente recurso de revisão, revogando-se o acórdão que confirma a sentença condenatória e substituindo o mesmo por outro que absolva o recorrente do crime por que foi condenado, que oficie aos Serviços de Identificação Criminal para que seja cancelada definitivamente a condenação do registo criminal do ora recorrente e, ainda, que ordene a restituição da indemnização de € 3.010,00 (capital mais juros) paga ao assistente, assim se fazendo JUSTIÇA!».
É do seguinte teor a resposta apresentada pelo Ministério Público:
«1. Da decisão do TEDH:
Apreciando o pedido do arguido, que sustentava que a decisão do Estado Português que condenou o arguido, como autor material de um crime de difamação agravada, na forma continuada, atentava contra o seu direito de liberdade de expressão, garantido pelo artigo 10° da Convenção dos Direitos do Homem, o TEDH decidiu, para além do mais:
- declarar o pedido admissível quanto à violação do artigo 10° da Convenção dos Direitos do Homem;
- declarar que ocorreu violação do artigo 10° da Convenção dos Direitos do Homem.
2. Do fundamento do recurso de revisão:
Nos termos do preceituado no artigo 449°, nº 1, al. g) do Código de Processo Penal, "A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando (...) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça".
Não restam dúvidas que existe clara inconcialibilidade de decisões dado que, enquanto os tribunais portugueses consideraram ter sido violado o direito à honra do assistente e condenaram o recorrente com esse fundamento, o TEDH considerou que tal condenação é desproporcional ao objectivo visado, não sendo necessária numa sociedade democrática, tendo havido violação do artigo 10° da Convenção dos Direitos do Homem.
A Convenção dos Direitos do Homem foi acolhida pela Constituição Portuguesa no artigo 16°, nos termos do qual "Os direitos fundamentais consagrados na Constituição não excluem quaisquer outros constantes das leis e das regras aplicáveis de direito internacional.
Sendo discutíveis os termos da recepção do direito internacional pactício, (se automática, se não automática) certo é que, no caso da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, a doutrina propende para o seu carácter supra legal, entre a Constituição e a lei ordinária (ver GOMES CANOTILHO, in Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, 7."edição, p. 820), havendo mesmo quem defenda o seu carácter constitucional (ver JORGE MIRANDA, in Manual de Direito Constitucional, Tomo 2.°, p. 110).
Sendo certo que o Estado português ratificou a referida Convenção pela Lei nº 65/78, de 13 de Outubro e a mesma depositada em 9.11.1978, data em que entrou em vigor (neste sentido, cfr. IRINEU CABRAL BARRETO, in A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Coimbra Editora, 3.a edição - 2005, p. 31), dúvidas não há que ela vincula o Estado português.
Ora, o TEDH foi criado, nos termos do artigo 19° da Convenção, sendo que esta prevê, no seu artigo 46°, nº 1, que «As Altas Partes Contratantes obrigam-se a respeitar as sentenças definitivas do Tribunal nos litígios em que forem partes.».
Assim, dada a referida inconciliabilidade de decisões, uma vez que a decisão do TEDH coloca decisivamente em causa a condenação do recorrente pelos tribunais portugueses, dúvidas não que há fundamento para pretendida revisão de sentença.
Porém, Vossas Excelências melhor apreciarão, fazendo, como sempre».
O Exmo. Juiz prestou a seguinte informação:
«O arguido AA interpôs recurso extraordinário de revisão da sentença condenatória de que foi alvo nos autos a que estes se encontram apensos e por força da qual foi condenado como autor material de um crime de difamação agravada, na forma continuada, p. e p. pelos art. 180°, n.º 1, 184° e 132°, n.º 2, al. j), do CP na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de € 7,00, num total de € 1.400,00.
Mais foi condenado nas custas do processo, com taxa de justiça de 4 UCs e 1/2 de procuradoria.
No pedido de indemnização civil deduzido por BB foi o arguido/demandado condenado a pagar a quantia de € 3.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data do trânsito em julgado até efectivo e integral pagamento.
Na sequência do recurso interposto junto do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem pelo arguido foi decidido: "Declarar o pedido admissível quanto à violação do art. 10° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e declarar que ocorreu violação do art. 10° da Convenção".
O arguido alicerça o presente recurso extraordinário na al. g) do n.º 1 do art. 449° do CPP a qual estatui que a revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:
"Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça".
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O Digno Magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido de existir fundamento para a pretendida revisão de sentença.
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Cumpre, neste momento, informar sobre o mérito do pedido, nos termos do disposto no art. 454°, do CPP:
Ora, considerando que a decisão do TEDH incide sobre a questão de fundo apreciada por este Tribunal - saber se, em concreto, as expressões proferidas e utilizadas pelo arguido ofendiam a honra do assistente ou se, ao invés, se inseriam na sua liberdade de expressão, optando por esta última hipótese, propendemos a considerar que a decisão do TEDH é inconciliável com a decisão proferida por este Tribunal, havendo, assim, razão válida para o mérito do presente recurso».
Igual posição assumiu nesta instância a Exma. Procuradora-Geral Adjunta.
Colhidos os vistos legais, cumpre agora decidir.
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O recorrente AA sustenta o seu pedido de revisão de sentença no fundamento previsto na alínea g) do n.º 1 do artigo 449º do Código de Processo Penal[3], invocando a prolação de sentença pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), instância a que recorreu nos termos do artigo 34º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, sob a alegação de que a sua condenação como autor material de um crime continuado de difamação agravada...
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