Acórdão nº 2288/19.4T9MAI.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 17-04-2024

Data de Julgamento17 Abril 2024
Número Acordão2288/19.4T9MAI.P1
Ano2024
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Rec. Penal n.º 2288/19.4T9MAI. P1
Comarca do Porto
Juízo local criminal da Maia

Acórdão, em Conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

I.- Relatório

No Tribunal Judicial da Comarca do Porto, juízo local criminal da Maia, Juiz 1, no âmbito do Processo nº 2288/19.4T9MAI, foi a arguida AA submetida a julgamento em Processo Comum singular onde após realização da audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

«Pelo exposto, e nos termos dos citados normativos legais, decido:

i). Condenar a arguida AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de emissão de cheque sem provisão, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos arts. 11.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do (Regime Jurídico do Cheque) e art. 202.º, alínea a), do Código Penal, na pena de 320 (trezentos e vinte) dias de multa, à taxa diária de 6,50€ (seis euros e cinquenta cêntimos), perfazendo o total de 2.080,00€ (dois mil e oitenta euros);

ii). Condenar a arguida no pagamento das custas processuais, nos termos dos arts. 513.º e 514.º, ambos do Código de Processo Penal, fixando-se em 3 (três) UC a taxa de justiça devida.
(...)».


*

Inconformada com a decisão, a arguida interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões:

«(...)

3.-Entende a Recorrente, ..., que, face à factualidade dada como provada e não provada em juízo, e ao Direito aplicável, decisão diversa da proferida se impõe, constatando-se um erro notório na apreciação da matéria de fato.

(...)

5.- ... não consegue a Recorrente percecionar como deu o Tribunal a quo por provados os factos descritos supra nos pontos 3.º, 6.º e 7.º, atenta a prova produzida, nomeadamente por declarações da Recorrente e conforme infra se demonstrará, bem como a prova documental junta aos autos.

6. Ademais, tais factos dados como provados, entram em contradição com o a segunda parte do facto n.º 3 dos factos provados do qual consta que: “3) Apresentado a pagamento em 12 de agosto de 2019, foi o mesmo devolvido pelo Banco 1...” com a indicação de “Conta Bloqueada”, em virtude do saldo bancário da conta n.º ...86 se encontrar penhorado até ao montante de 95.608,81€.”

7. O cheque foi emitido e datado com a data de 12-08-2019, mas não foi nessa data apresentado a pagamento, só o tendo sido posteriormente a essa data.

8. O cheque é devolvido na compensação na data de 19-08-2019 e não na data de 12-08-2019, como erroneamente considerou o Tribunal a quo.

9. Impondo-se assim a alteração do ponto 3.º dos factos provados, no seguinte sentido:” 3) Apresentado a pagamento, foi o mesmo devolvido na compensação na data de 19-08-2019, pelo Banco 1...” com a indicação de “Conta Bloqueada”, em virtude do saldo bancário da conta n.º ...86 se encontrar penhorado até ao montante de 95.608,81€.”

10. O cheque não foi devolvido por motivo de falta de provisão, mas sim por motivo de conta bloqueada.

11. A Recorrente também declarou, o que foi ignorado pelo Tribunal à quo que, tinha plena consciência de que nos dias imediatos a entrega do cheque, por via de débitos de clientes da empresa, que se encontravam a liquidar essas dívidas em prestações, que a conta seria provisionada na data de apresentação do cheque a pagamento.

12. Esta não era uma mera expectativa, mas sim a certeza de que tais pagamentos iriam ser realizados, porque devidamente agendados, aguardando apensas que tal saldo passasse a constar disponível na conta bancária.

13. A Recorrente agiu sempre na convicção de que quando o cheque fosse apresentado a pagamento, tal cheque seria, certamente, liquidado na integra.

14. Na data de entrega do cheque a conta não estava provisionada, mas na data de 14-08-2019, tal como a Recorrente afirmou, a conta tinha o saldo total de 41.483,61 € quantia essa suficiente para pagar o referido cheque.

15. O cheque foi apresentado à compensação na data de 19-08-2019, quando a conta bancária tinha depositado à ordem o montante total de 53.236,79 €, mais do que suficiente para o pagamento do cheque.

16. O mesmo acabou devolvido, não por falta de provisão, mas por motivo de “Conta bloqueada ou suspensa”.

17. Em 08-08-2019, antes da emissão e entrega do cheque em causa nos autos a AT, a favor de quem tinha sido emitido o cheque, ordenou uma penhora sobre os saldos de conta bancária, facto que não foi do conhecimento da Recorrente.

18. Ao abrigo do processo executivo n.º ...06 e aps., foi emitida a ordem de penhora n.º ...65 a que o Banco deu de imediato cumprimento, como consta dos autos.

19. A notificação de penhora de saldos bancários apenas foi comunicada por notificação eletrónica expedida à empresa gerida pela Recorrente na data de 17-09-2019, isto é muito depois da emissão do cheque.

20. A Recorrente desconhecia a referida penhora sobre os saldos de conta bancária pois tal penhora antecede a data de emissão e entrega do cheque, sendo esta penhora a derradeira causa da devolução do mesmo.

21. Portanto, os factos dados como provados nos pontos 6.º e 7.º dos factos provados não correspondem integralmente à realidade dos factos carecendo de ser enquadrados com a prova documental e o depoimento da Recorrente.

22. O não pagamento do cheque, não resulta nem da falta de provisão, nem de qualquer ato voluntário da Recorrente que tenham impedido o referido pagamento, mas sim de um ato de terceiro, neste caso a própria AT, que ao ordenar a penhora sobre os saldos impediu o pagamento do tal cheque, determinando a devolução do cheque por motivo de conta bloqueada ou suspensa.

23. Não agiu a Recorrente de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e criminalmente punida por lei e que, assim, lesaria o Estado, pois a mesma atuou na convicção de que tal cheque seria pago, quando apresentado a pagamento.

24. Sendo tal facto do desconhecimento da Recorrente e não lhe sendo imputável, não basta apenas a inexistência do saldo na conta à data da entrega do cheque, para se afirmar que a Recorrente agiu de forma voluntária e consciente, sabendo que o cheque não iria ser pago, e que assim causava prejuízo patrimonial ao Estado.

25. Devendo ainda o tribunal ter considerado como provados face à prova documental junta nos autos que;

- Na data de 14-08-2019, a conta apresentava o saldo em conta à ordem de 41.483,61€ quantia essa suficiente para pagar o referido cheque;

- Quando o cheque foi apresentado à compensação na data de 19-08-2019, quando a conta bancária tinha depositado à ordem o montante total de 53.236,79 €, mais do que suficiente para o pagamento do cheque;

- O cheque foi devolvido, não por falta de provisão, mas por motivo de “Conta bloqueada ou suspensa”.

- Em 08-08-2019, antes da emissão e entrega do cheque em causa nos autos a AT, a favor de quem tinha sido emitido o cheque, ordenou uma penhora sobre os saldos de conta bancária, facto que não foi do conhecimento da Recorrente.

- Ao abrigo do processo executivo n.º ...06 e aps., foi emitida a ordem de penhora n.º …65 a que o Banco deu de imediato cumprimento, como consta dos autos, tendo bloqueado a conta em causa.

- A notificação de penhora de saldos bancários apenas foi comunicada por notificação eletrónica expedida à empresa gerida pela Recorrente na data de 17-09-2019, isto é muito depois da emissão do cheque.

- O bloqueio da conta pela penhora realizada pela AT foi o fator determinante do não pagamento do cheque.

26. Factos estes que se requer sejam aditados à matéria de facto dada como provada pois, a consideração de tais factos como provados, salvo melhor entendimento, impunha decisão de direito diversa da do Tribunal a quo.

27. São elementos do tipo objetivo comuns a todas as modalidades de atuação e presentes nas formas de ação da al.ª a):

(...)

36. Na modalidade prevista na al.ª a) do n.º 1, é autor do crime quem emitir e entregar cheque nas demais condições constantes do tipo.

37. Trata-se de um crime específico, a cometer por quem possa dispor da provisão através do cheque.

38. A conduta da Recorrente, podendo, apenas e tão só, em abstrato, enquadra-se no tipo objetivo da al.ª a) do n.º 1 do art.º 11.º, não acaba por ser o motivo da devolução, faltando assim, no tipo objetivo a verificação da falta de provisão, como motivo do não pagamento.

39. Para além desta conduta objetiva, nenhum outro comportamento impeditivo do pagamento do cheque pode ser imputado à Recorrente. 43. Aliás, porque era do seu conhecimento e nessa convicção agiu, que quando apresentado a pagamento a conta já se encontrava devidamente provisionada e o cheque seria pago.

44. E efetivamente aquando da apresentação a pagamento a conta estava provisionada, pelo que, não foi esse o motivo da devolução do cheque.

45. Desconsidera, em absoluto, o tribunal à quo que o cheque não foi devolvido por falta de provisão, mas sim por um bloqueio que não foi imputável à recorrente e que a não existir, nunca o cheque teria sido devolvido.

46. E se, abstratamente, o tipo objetivo se poderia dar por preenchido, o que não se concebe, o mesmo não acontece quanto ao tipo subjetivo.

47. A atuação com dolo direto ou eventual por parte da Recorrente era necessária para que o Tribunal a condenasse pela prática do crime do qual vinha acusada.

48. Sucede que a prova produzida em audiência de discussão e julgamento sobre a qual já discorremos anteriormente, não permitiu concluir pela verificação do dolo direto ou eventual exigido pelo tipo subjetivo na atuação da Recorrente, que ignorava em absoluto que o cheque quando apresentado a pagamento não seria pago, por a conta se encontrar bloqueada.

49. Foca-se assim o Tribunal à quo, numa hipotética não provisão de fundos, para aferir do dolo da actuação da recorrente, ao invés de atender à factualidade verdadeiramente ocorrida, e que teve por base quer a atuação da recorrente, que agiu na convicção de que o cheque seria pago, não...

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