Acórdão nº 2277/03.0TTPRT.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 13-01-2010

Data de Julgamento13 Janeiro 2010
Case OutcomeNEGADA A REVISTA
Classe processualREVISTA
Número Acordão2277/03.0TTPRT.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. No Tribunal do Trabalho do Porto, em acção com processo comum, intentada em 23 de Outubro de 2003, AA demandou BB - Sociedade Correctora, S.A, pedindo que se:

a) Declare a ilicitude do despedimento operado pela Ré na sequência de processo disciplinar de que foi alvo;

b) Condene a Ré a:

1) Pagar-lhe todas as retribuições desde 30 dias antes da propositura da presente acção, até ser proferida a sentença, incluindo férias, subsídios de férias e de Natal;

2) Readmiti-lo no seu posto de trabalho, para exercício de funções idênticas às que desempenhava anteriormente ao despedimento, com as mesmas condições de trabalho, a não ser no caso de optar pela indemnização;

3) Pagar-lhe a retribuição das férias vencidas e ainda não gozadas ao tempo do despedimento, no montante de € 6.075,53;

4) Pagar-lhe as férias, subsídios de férias e de Natal, proporcionais ao tempo de trabalho prestado no ano de 2003, no montante de € 12.151,05;

5) Pagar-lhe os prémios de desempenho vencidos respectivamente em 1 de Janeiro de 2003 e 1 de Julho de 2003, no total de € 27.755,85;

6) Pagar-lhe o trabalho suplementar prestado, no montante de € 41.022,00, e a

7) Pagar-lhe os juros moratórios legais até integral pagamento.

Alegou, para tanto e em síntese, que:

— Foi admitido ao serviço da Ré em 1 de Junho de 2000 para exercer as funções inerentes à categoria de Corretor de Bolsa, mediante retribuição, que em Agosto de 2003 se fixou em € 2.583,77, acrescido de subsídio de refeição diário de € 5,09, bem como do valor médio mensal de € 680,00, pago 12 vezes por ano, contra a entrega de facturas ou recibos de combustível e refeições, constituindo os denominados reembolsos de combustível e refeições, componente fixa da retribuição;

— Tendo, outrossim, sido atribuído ao Autor, seu cônjuge e descendentes, um seguro de saúde, concedida a utilização em exclusivo de uma viatura, no valor de € 33.000,00, escolhida pelo próprio, sem quaisquer restrições à sua utilização, e um “prémio de desempenho” correspondente a 7% do montante mensal das receitas auferidas pela Ré a título de taxa de corretagem, pelos seus serviços de intermediação em transacção de valores mobiliários, relativamente aos clientes que tivessem sido angariados pelo Autor, desde que os mesmos constassem da lista anexa ao contrato e, bem assim, 2,5% do montante mensal das receitas auferidas pela Ré, a título de taxa de corretagem, pelos seus serviços de intermediação em transacção de valores mobiliários, “prémio de desempenho” que foi revisto em 4 de Fevereiro de 2003, passando a cláusula sexta a ter a seguinte redacção: - “... a entidade patronal pagará ao trabalhador um prémio de desempenho correspondente a 5,5% do montante mensal das receitas auferidas pela entidade empregadora, a título de taxa de corretagem, pelos serviços de intermediação em transacções e valores mobiliários, relativamente aos clientes angariados pelo trabalhador, e desde que constem da lista anexa ao contrato, a qual será conjunta com a do Snr. CC, sendo o prémio de desempenho pago no início do semestre seguinte”;

— Além das funções inerentes à categoria profissional de Corretor de Bolsa, o Autor era procurador da Ré, assinando os cheques que previamente eram preenchidos e assim lhe eram apresentados;

— Em 25 de Agosto de 2003, foi ilicitamente despedido, atenta a inexistência de justa causa, apesar da elaboração de processo disciplinar;

— Não gozou as férias vencidas em 1 de Janeiro de 2003; e

— Em 19 de Outubro de 2003, a Ré remeteu-lhe o cheque n.º 000000000, sacado sobre o Banco Santander, no montante de € 18.824,04, importância que recebeu.

Contestou a Ré, dizendo, em resumo, que:

— O Autor rescindiu o contrato de trabalho por carta que lhe foi remetida em 4 de Agosto de 2003, por ela recebida no dia seguinte, embora com efeitos reportados a 7 de Outubro de 2003, pelo que nada lhe pode ser exigido depois desta data, uma vez que o contrato sempre aí terminaria, mesmo que o despedimento não ocorresse;

— Os factos provados no processo disciplinar integram justa causa, pelo que considera lícito o despedimento;

— O Autor praticou um horário flexível, em equipa e por si fixado, sem ultrapassar as oito horas diárias, sendo que a Ré jamais lhe fixou qualquer horário de trabalho ou lhe ordenou que praticasse um horário superior, pelo que inexiste a prestação de qualquer trabalho suplementar por parte do Autor;

— A remuneração acordada foi aquela que consta dos recibos de vencimento, remuneração ilíquida, pagando a Ré ao Autor ajudas de custo, sempre contra recibo, quando e na medida em que este fez despesas em serviço por motivo do exercício das suas funções profissionais; e

— A utilização da viatura automóvel fora do tempo de trabalho é mera liberalidade da Ré, pelo que o reembolso de despesas e a utilização da viatura automóvel não podem ser considerados retribuição.

O Autor respondeu à matéria de excepção deduzida na contestação.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, que o Autor impugnou, recorrendo para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 21 de Novembro de 2005, decidiu anular a sentença. Regressados os autos ao tribunal de 1.ª instância, foi lavrada nova sentença com o sentido decisório da primeira, também objecto de recurso interposto pelo Autor, vindo aquele tribunal superior, por acórdão de 11 de Dezembro de 2006, a decretar a anulação do julgamento. Repetido o julgamento, com gravação das provas oralmente produzidas em audiência, foi, em 7 de Julho de 2008, proferida terceira sentença de conteúdo decisório igual à das anteriores, julgando a acção:

— «improcedente quanto à declaração de ilicitude do despedimento do autor e consequências legais daí decorrentes, bem como quanto ao pagamento de qualquer quantia a título de trabalho suplementar»;

— «procedente quanto aos pedidos de pagamento de férias e subsídio de férias vencidos em 01.01.2003 e proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal pelo tempo de trabalho prestado no ano de 2003, bem como dos prémios de desempenho vencidos e não pagos, tudo conforme acima referido e a apurar em execução de sentença, sendo o valor da retribuição para o efeito também a apurar nos termos referidos, compensando esse valor com o valor de 18.824,04 euros já recebidos pelo autor a esse título

2. Apelou, novamente, o Autor, arguindo a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, impetrando a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto e pugnando pela procedência dos pedidos de: i) declaração de ilicitude do despedimento por manifesta falta de justa causa; ii) reconhecimento do carácter de retribuição ao prémio de desempenho e a sua incidência nas retribuições devidas desde o despedimento até ao trânsito da sentença, nas férias vencidas e proporcionais de férias, subsidio de férias e de Natal; iii) reconhecimento do carácter de retribuição à utilização da viatura atribuída pela Ré ao Autor, amortizável em 48 meses perfazendo um total mensal de € 687,00 e a sua incidência nas retribuições devidas desde o despedimento até ao trânsito da sentença, nas férias vencidas, e proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal; iv) condenação da Ré no pagamento ao Autor de todas as retribuições desde 30 dias antes da propositura da acção, até à sentença; v) condenação da Ré no pagamento de indemnização correspondente a um mês de remuneração de base por cada ano de antiguidade ou fracção, contando-se todo o tempo decorrido até à data da sentença; vi) condenação da Ré no pagamento do montante monetário correspondente ao trabalho suplementar prestado pelo Autor no montante de € 41.022,00.

O Tribunal da Relação do Porto decidiu:

«a) Indeferir a invocada nulidade da sentença e

b) Conceder parcial provimento à apelação, assim revogando a sentença no que respeita ao despedimento, sendo substituída pelo presente acórdão, em que se declara ilícito o mesmo despedimento e se condena a R. a pagar ao A. as retribuições vencidas e vincendas desde o trigésimo dia anterior à data da propositura da acção – 2003-09-23 – até à data da prolação do acórdão que decida definitivamente a acção, nela se incluindo a retribuição base [€ 2.583,77], o subsídio de alimentação [€ 5,09] e o designado prémio de desempenho, a liquidar oportunamente [tanto o prémio de desempenho, como a totalidade das retribuições vencidas e vincendas], bem como uma indemnização de antiguidade correspondente a um mês de retribuição de base [€ 2.583,77] multiplicado pelo número de anos de antiguidade ou fracção, contabilizando todo o tempo decorrido até à data da prolação do acórdão anteriormente referido, também a liquidar oportunamente, sendo de confirmar a sentença quanto ao mais.»

3. Do acórdão que assim decidiu veio a Ré pedir revista, tendo, oportunamente, apresentado a respectiva alegação, com as conclusões que, a seguir, se reproduzem:

«A - Fixada a matéria de facto, resta pois apreciar a existência de justa causa no despedimento do Autor, com as inerentes consequências, sendo que, atenta a data dos factos imputados ao Autor, como fundamento dessa justa causa (todos anteriores a 1 de Dezembro de 2003), é aplicável ao caso o regime da denominada LCCT, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro.
B - De acordo com o disposto no art.º 9.º, n.º 1 da referida LCCT, “o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho constitui justa causa de despedimento.”
C - A justa causa (subjectiva) pressupõe uma conduta por parte do trabalhador que se traduza na violação culposa dos seus deveres contratuais, não bastando, porém, um qualquer comportamento e uma qualquer culpa. O comportamento tem de ser objectivamente tão grave, em si mesmo e nas suas...

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