Acórdão nº 2265/18.2BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 30-04-2020
Data de Julgamento | 30 Abril 2020 |
Número Acordão | 2265/18.2BELSB |
Ano | 2020 |
Órgão | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:
I. RELATÓRIO
O Ministério da Administração Interna- Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (Recorrente), vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa em 04/02/2019, que julgou procedente a ação administrativa especial urgente proposta por D…… (Recorrida), com a consequente anulação do despacho emitido em 06/11/2018 pelo Diretor Nacional Adjunto daquele Serviço, que considerou inadmissível o pedido de proteção internacional formulado pela Recorrida, bem como determinou a transferência da mesma e dos seus três filhos menores para a Alemanha.
As alegações de recurso oferecidas pelo Recorrente culminam com as seguintes conclusões:
«II- DAS CONCLUSÕES
1ª - A autoridade recorrente não concorda com os termos da sentença ora recorrida;
2ª- O Regulamento Dublin estabelece os critérios e os mecanismos de determinação do Estado responsável pela análise de um pedido de protecção internacional apresentado num dos Estados-Membros, visando garantir o acesso efectivo aos procedimentos de concessão de protecção internacional, tendo presente o seu art.º 3.º n.º 1 que estabelece que "(...) Os pedidos de asilo são analisados por um único Estado-Membro, que será aquele que os critérios enunciados no Capítulo III designarem como responsável."
3ª- O Capítulo III do Regulamento Dublin estabelece hierarquicamente, do art.º 7.º ao art.º 15.º, os critérios vinculativos de determinação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido e as regras de aplicação desses mesmos critérios, sendo que, da pesquisa do Eurodac resultou que a cidadã da Ucrânia tinha dois Hits inseridos pela Alemanha.
4ª- Nesta conformidade, o Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF solicitou às autoridades Alemãs a tomada a cargo da cidadã da Ucrânia, conforme o disposto no art. 37.º, n.º 1 da Lei de Asilo, o qual prevê que "Quando se considere que a responsabilidade pela análise do pedido de protecção internacional pertence a outro Estado membro, de acordo com o previsto no Regulamento (UE) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho, o SEF solicita às respectivas autoridades a sua tomada ou retoma a cargo” de harmonia com o previsto no art.º 3.º, n.º 1 do Regulamento.
5ª- É consabido que, uma vez aceite o pedido de tomada a cargo pelo Estado requerido, in casu a Alemanha, a responsabilidade pela análise do pedido se transfere, a partir dessa data, para as respectivas autoridades, motivo pelo qual o Estado Português se toma apenas responsável pela execução da transferência nos termos dos artigos 29.º e 30.º do Regulamento de Dublin.
6ª- As eventuais alegações apresentadas pela cidadã da Ucrânia no pedido de protecção internacional, não são analisadas pelo Estado Português, não havendo por isso lugar, em sede contenciosa, à discussão do mérito do pedido de asilo, cuja análise compete em absoluto às autoridades italianas, por força do pedido de tomada a cargo e da respectiva aceitação da sua parte.
7ª- O Regulamento Dublin, no art.3.º, n..º 2, prevê, efectivamente, que é impossível transferir a requerente para o Estado-Membro responsável quando existam, nesse Estado-Membro, falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na acepção do artigo 4.º da Carta.
8ª- Quer no tocante ao sistema de análise dos pedidos de asilo da Alemanha, quer nos elementos constantes nos autos, inexistem quaisquer indícios que permitam concluir pela existência de falhas sistémicas no procedimento de Asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes, que impliquem um risco de tratamento desumano ou degradante, no que respeita em especial ao acesso aos cuidados de saúde, para que Portugal não proferisse a decisão de transferência ora impugnada.
9ª- "Estamos, portanto, perante um acto estritamente vinculado, sendo que a validade dos actos praticados no exercício de poderes vinculados tem de ser feita em função dos pressupostos de facto e de direito fixados por lei, ou seja, pela confrontação da factualidade dada como provada com a consequência jurídica imediatamente derivada da lei "(cf. Acórdão do TCA SUL de 19/01/2012, proc. nº 08319/11)".
10ª- Porque se procedeu à determinação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido de asilo, aplica-se-lhe o disposto no art.º 36.º e seguintes, ou seja, as disposições do Capítulo IV da citada lei, que regem sobre o procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de protecção internacional.
11ª- Cabe aqui apenas reiterar que foi aceite a retoma a cargo por parte das autoridades alemãs, inexistindo qualquer situação de crise nas condições de acolhimento pela Alemanha que possa suscitar tratamento desumano ou degradante.
12ª- O procedimento de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de protecção internacional (que culmina a aceitação da retoma a cargo por parte do estado requerido - Alemanha) que antecede e fundamenta que o pedido apresentado seja considerado inadmissível e seja determinada a transferência da análise do pedido.
13ª- Cumpriu-se o disposto do art.º 5.º do Regulamento (UE) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de protecção internacional apresentado num dos Estados-Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida (cf. nota de rodapé a fls. 38 - cf. fls. 32 a 40 do processo), a respectiva emissão do Relatório.
14ª- Deste Relatório, foi assinado e notificado à Autora a 23/10/2018, onde se comunica que apresentou pedido de protecção noutro país da União Europeia Alemanha, Regulamento (UE) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de protecção internacional apresentado num dos Estados-Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida, art.º 18.º, n.º 1 da Lei nº 27/2008, na redação dada pela Lei n.º 26/2014, de 5 de maio (Lei de Asilo).
15ª- Foi devidamente cumprida a audiência de interessados em conformidade com o disposto no art.º 5.º do Regulamento (EU) n.º 604/2013, de 26 de junho, conjugado com os art.ºs 121.º e 122.º do CPA.
16ª- O acto administrativo impugnado encontra-se legalmente enquadrado face ao disposto nos comandos imperativos ínsitos na legislação supra invocada, assumindo-se como válido.
Nestes termos e nos demais de direito, deve o presente recurso e o pedido formulado serem julgados procedentes por provados, e revogar-se a douta sentença recorrida com todas as legais consequências.»
A Recorrida apresentou contra-alegações, contrariando, em suma, a impetração levada a cabo pelo Recorrente e formulando as seguintes conclusões:
«CONCLUSÕES
1.ª O facto de o acto ser prolatado no âmbito de poderes vinculados não obsta a que seja cumprida a formalidade consubstanciada na audiência do interessado como determinam as disposições conjugadas dos artigos 5.º e 6.º do Regulamento (UE) 604/2013, do Parlamento Europeu e Conselho, de 26 de Junho, artigo 267.º, n.ºs 1 e 5 da CRP, artigos 2.º, n.º 3, 12.º, 121.º e 122.º, n.ºs 1 e 2 do CPA
2.ª De facto, seguindo o raciocínio e a interpretação do Recorrente, em casos como o dos autos, ao arrepio da lei, nunca haveria a possibilidade de audiência de interessados por parte do requerente de protecção internacional, quando este pedido junto do Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF tem um procedimento único.
3.ª Como muito bem refere a douta sentença recorrida, não resulta minimamente dos autos que à Autora tenha sido facultado o acesso à informação ….., de 05/11/2018, que, assim, não teve oportunidade de se pronunciar sobre o projecto de decisão e seus fundamentos.
4.ª Ora, tais alegações assumem toda a relevância face à ponderação a efectuar nos termos dos artigos 3.º, n.º 2 e 17.º do Regulamento (UE) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e Conselho, de 26 de Junho.
5ª. A informação facultada à A. na entrevista não cumpre as exigências decorrentes do princípio da participação dos interessados.
6.ª A decisão não fez qualquer referência às alegações da Autora relativamente ao tratamento que lhe foi dispensado na Alemanha.
7.ª A recorrida tinha o direito, como muito bem decidiu a douta sentença recorrida, a ser ouvida em sede de audiência prévia, cuja formalidade essencial foi postergada, tendo sido violado o direito de participação dos interessados, imposto pelos artigos 5.º e 6.º do Regulamento (UE) 604/2013, do Parlamento Europeu e Conselho, de 26 de Junho, artigo 267.º, n.ºs 1 e 5 da CRP, artigos 2.º, n.º 3, 12.º, 121.º e 122.º, n.ºs 1 e 2 do CPA.
Nestes termos e nos mais de direito, com o mui douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser considerado totalmente improcedente, mantendo-se a douta decisão do Tribunal “a quo” na ordem Jurídica, com o que se fará a costumada e inteira JUSTIÇA!»
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O Digníssimo Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu pronúncia sobre o mérito do recurso, pugnando pelo seu provimento, uma vez que, no seu entendimento, ocorre erro de julgamento.
Com efeito, sufraga o Digníssimo o entendimento- apoiado em citação de Jurisprudência deste Venerando Tribunal- de que o art.º 5.º do Regulamento da (EU) n.º 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, não prever a informação e audição do requerente de asilo antes da prolação das decisões de inadmissibilidade do pedido de proteção internacional e de transferência do mesmo em virtude de retoma a cargo de outro Estado-membro.
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Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza...
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