Acórdão nº 225/14.1T8BRG.G1 de Supremo Tribunal de Justiça, 30-03-2017

Data de Julgamento30 Março 2017
Case OutcomeNEGADA A REVISTA
Classe processualREVISTA
Número Acordão225/14.1T8BRG.G1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



1. Inconformado com a sentença que desatendeu a pretensão formulada em acção emergente de acidente de viação que, juntamente com o seu pai, AA, intentou contra "BB Seguros, S.A.", pretendendo que lhe fossem atribuídas as quantias fixadas a título de indemnização pelos danos morais sofridos pela vítima, seu tio e de quem era herdeiro testamentário, entre o momento do sinistro e o falecimento e pelo dano da perda da vida, CC apelou, suscitando como única questão a que consiste em saber se a indemnização pelos danos morais sofridos antes da morte, bem como pelo dano da perda da vida, integra a herança da vítima, transmitindo-se, por via sucessória, aos seus herdeiros - ou se, pelo contrário, cabe, por direito próprio, às pessoas identificadas nos números 2 e 3 do artigo 496° do Código Civil.

A Relação, no acórdão recorrido, começou por enunciar a matéria de facto apurada, nos seguintes termos:

- DD nasceu no dia 21 de Fevereiro de 1936 e faleceu no dia 18 de Dezembro de 2012, no estado de solteiro, sem ascendentes nem descendentes;

- Por testamento de 8/5/2003, outorgado no 2° Cartório Notarial de …, DD instituiu o Autor CC, seu sobrinho, como seu único e universal herdeiro;

- O Autor CC é filho de AA, Autor na presente acção;

- O Autor AA e os Intervenientes EE, FF e GG são filhos de HH e II;

- O falecido DD era filho de HH e II;

- Em consequência do atropelamento DD sofreu traumatismo craneoencefálico com HSA traumática, contusão fronto parietal direita e temporo-basal esquerda, inundação ventricular e HSD frontotemporal esquerdo, fractura do terço externo da clavícula direita, luxação do ombro direito, trauma torácico com contusão pulmonar bilateral e rabdomiólise;

- Foi transportado para o Hospital de … onde esteve internado de 20/10/2012 a 10/11/2012, tendo estado posteriormente internado no Hospital de B… de 10/1172012 até 27/11/2012, data em que lhe foi dada alta do hospital com orientação para unidade de cuidados continuados tendo sido orientado para a Unidade de Cuidados Continuados de Longa Duração e Manutenção Dr. JJ, na Fundação Lar S… A…, em …, Esposende;

- Tinha antecedentes de doença bipolar/síndrome depressivo;

- Durante o período de internamento sofreu dores, incómodos, transtornos, desespero, angústia e frustração;

- Teve noção de que corria risco de vida em consequência da gravidade das lesões, o que lhe provocou e causou pânico, desespero, angústia, nervosismo, ansiedade e frustração.

- No Hospital de … foi submetido a várias intervenções e tratamentos, ficando sempre sob vigilância constante e acamado;

- Durante o internamento no Hospital de B… manteve algum período de confusão mental e estado sub-febril, e foram detectados níveis de hipocoagulação infraterapeuticos, tendo feito hipocoagulação combinada com varfine e HBPM em doses terapêuticas;

- Aí sofreu também dores, incómodos, angústia, desespero e desgosto;

- Fez tratamentos às feridas das suturas ortopédicas e foi solicitada colaboração da Ortopedia com reavaliação em consulta externa;

- Esteve internado na Unidade de Cuidados Continuados Integrados na Fundação Lar S… A… até 18112/2012, continuando sob observação e vigilância médica do Hospital de B… e de …;

- Aí sofreu dores, bem como incómodos, aborrecimentos, nervosismo, stress, desespero e angústia pelas lesões sofridas e pelos seus tratamentos;

- Em consequência das lesões e seus tratamentos, DD sofreu tromboembolismo pulmonar maciço num contexto de internamento de longa duração numa unidade de cuidados continuados que lhe determinou a morte no dia 18/12/2012;

- Faleceu na sequência de complicação de tratamento e convalescença de grave traumatismo craneoencefálico e pulmonar sofrido no atropelamento ocorrido em 18110/2012; - Era uma pessoa saudável, bem-disposta, com vontade e alegria de viver, tinha energia física, andava a pé, fazia caminhadas e passeios e executava serviços e trabalhos, quer em casa, quer no campo;

- Era pessoa bem conceituada e estimada por todos;

- Com a morte do DD o Autor CC teve grande sofrimento e desgosto;

- O falecido DD viveu com o Autor CC durante muitos anos e ultimamente passavam fins-de-semana juntos e em casa deste;

- O Autor CC dava-lhe todo o apoio e carinho, no que era retribuído pelo falecido DD, por quem nutria grande afecto, carinho e afeição e que lhe retribuía a atenção, carinho e dedicação quer ao Autor, quer aos demais elementos do seu agregado;

- O falecido DD era como um pai para o Autor CC e este como um filho para aquele;

- Nos internamentos sofridos após o atropelamento o Autor CC visitou o falecido DD quase diariamente, quer no Hospital, quer na Clínica de Cuidados Continuados;

- Com a morte do irmão DD a Interveniente GG teve sofrimento e desgosto, pois os mesmos sempre tiveram uma relação muito próxima, davam-se bem, nutriam afecto e ternura um pelo outro, conversavam, confidenciavam e partilhavam momentos, desde há mais de 70 anos;

- Nos últimos meses antes do atropelamento o falecido convivia diariamente com a Interveniente e sua filha na residência daquela, e ajudava-a devido à sua idade designadamente a fazer a lide da casa desta, e a cultivar o campo, pernoitando por vezes na sua casa;

- A Interveniente GG e sua filha FF usufruíam do convívio e apoio do falecido e davam-lhe todo o apoio e carinho, no que eram retribuído pela vítima;

- O falecido DD era um irmão muito presente desde sempre, sendo a dedicação retribuída pela Interveniente e pela filha desta FF, que o levava onde aquele lhe pedisse, designadamente a casa da Interveniente FF;

- Nos internamentos sofridos após o atropelamento a Interveniente, e sobretudo a filha desta FF, visitaram o falecido DD, procurando dar-lhe carinho, conforto e tudo o que fosse necessário ao seu bem-estar;

- Com a morte do irmão DD a Interveniente FF teve sofrimento e desgosto, pois os mesmos sempre tiveram uma relação muito próxima, davam¬se bem, nutriam afecto e ternura um pelo outro, conversavam, confidenciavam e partilhavam momentos, desde há mais de 70 anos;

- O falecido DD frequentava a casa da Interveniente FF praticamente todos os dias, preocupava-se com o seu estado de saúde e auxiliava-a sempre que esta necessitava, existindo entre ambos uma relação de grande cumplicidade;

- A Interveniente FF gostava muito do irmão e na sua companhia passou bons momentos sentindo a falta daquele;

- O Autor AA e seu falecido irmão DD davam-se bem, nutriam afecto e ternura um pelo outro, conversavam, confidenciavam e partilhavam todos os momentos, desde há mais de 70 anos, tendo o Autor sofrido desgosto, desânimo e desespero com a morte do seu falecido irmão, de quem ainda hoje sente muitas saudades.


2. Passando a apreciar a questão jurídica suscitada, A Relação negou provimento ao recurso, com base na seguinte linha argumentativa:

A discordância do recorrente cinge-se, corno já se adiantou, à titularidade do direito à indemnização pelos danos morais sofridos pela vítima entre o momento do sinistro e até sucumbir e pelo dano morte.

Na primeira instância considerou-se que essa indemnização cabe, por direito próprio, aos familiares da vítima indicados no n.º 2 do artigo 4960 do Código Civil e, corno tal, foi atribuída aos irmãos sobrevivos do malogrado DD, já que este faleceu no estado de solteiro, sem descendentes, nem ascendentes.

Sustenta o recorrente que a mesma integra o património do defunto e transmite-se, por via sucessória, aos seus herdeiros, pelo que, na qualidade de herdeiro universal do DD, instituído por via testamentária, lhe devia ter sido atribuída.

Vejamos.

O problema da titularidade do direito à indemnização pelos danos morais sofridos pela vítima antes da morte e pelo dano morte suscitou acesa controvérsia doutrinária e jurisprudencial em tomo de duas teses diametralmente opostas: a defendida pelo recorrente e a acolhida na sentença recorrida.

Todavia, pensamos que essa controvérsia foi resolvida pelo legislador em termos que não deixam margem para quaisquer dúvidas.

Com efeito, resulta dos números 2 e 3, segunda parte, do artigo 4960 do Código Civil, na sua versão original (actualmente dos números 2, 3 e 4, segunda parte, do mesmo preceito, na redacção que lhe foi dada pela Lei 23/2010, de 30 de Agosto), que, no caso de morte, o direito a indemnização por danos não patrimoniais, quer os sofridos pela vítima entre o momento do sinistro e a morte e o próprio dano da perda da vida, quer os sofridos pelos seus parentes e cônjuge (actualmente, também pelo membro sobrevivo da eventual união de facto), cabe, indistintamente, a estes, nos termos e segundo a ordem estabelecida no n.? 2 (agora nos números 2 e 3).

Acresce que, para além do argumento literal extraído da exegese da lei, é possível reconstituir o pensamento do legislador a partir da análise dos trabalhos preparatórios do Código Civil, nomeadamente dos vários textos que precederam a redacção definitiva daquele normativo.

Como refere Antunes Varela, em Das Obrigações em Geral, VaI. I, n.º 159, pág," 572, após enquadrar historicamente a génese do preceito, ressaltam da leitura deste, "quer isoladamente considerada, quer analisada à luz dos respectivos trabalhos preparatórios ( ... ) duas conclusões importantíssimas", a primeira das quais é a de que "nenhum direito de indemnização se atribui, por via sucessória, aos herdeiros da vítima como sucessores mortis causa, pelos danos morais correspondentes à perda da vida, quando a morte da pessoa atingida tenha sido consequência imediata da lesão" e a segunda é a de que "no caso de a agressão ou lesão ser mortal, toda a indemnização correspondente aos danos morais (quer sofridos pela vítima, quer pelos familiares mais próximos) cabe, não aos herdeiros por via sucessória, mas aos familiares por direito próprio, nos termos e segundo a ordem do disposto no n.º 2 do art." 496°". ...

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