Acórdão nº 224/14.3TBPTG-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 04-06-2020
Data de Julgamento | 04 Junho 2020 |
Número Acordão | 224/14.3TBPTG-A.E1 |
Ano | 2020 |
Órgão | Tribunal da Relação de Évora |
ACORDAM NA 1.ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
I. Relatório
M… deduziu os presentes embargos de executado, por apenso à acção executiva contra si movida por J… e E…, requerendo a extinção da execução.
Para tanto, alegou, em síntese, que os cheques dados à execução não constituem títulos executivos, porquanto estando prescritos titulam um negócio formal, tal como o manuscrito junto com o requerimento executivo não constitui qualquer confissão de dívida.
Mais alegou que prescritos esses cheques, os exequentes enquadraram-nos juridicamente na alínea c) do n.º 1 do art.703.º do CPC, trazendo aos autos, que a relação subjacente é um mútuo nulo por falta de forma, não podendo os cheques dados à execução valer como títulos executivos.
Impugnou a letra e assinatura do documento n.º 4 junto com o requerimento executivo, por desconhecer se a letra ou eventual assinatura era ou não de Francisco Relvas, tanto mais que se trata de um mero escrito isolado, de difícil leitura, sem data, local ou identificação dos seus intervenientes, mais alegando que a execução deu entrada em juízo em 2014, o qual afastou do elenco dos títulos executivos os documentos particulares, não valendo assim o referido apontamento manuscrito para tais fins e com tal natureza.
Invocou, ainda, o oponente que F… era uma pessoa conhecida em Portalegre, como uma pessoa que emprestava dinheiro a juros, e que fazia desses empréstimos a sua única atividade conhecida, só que, para emprestar dinheiro a juros, tinha ele próprio de recorrer aos bancos, uma vez que não se lhe conhecia outra fonte de rendimento. Para isso, solicitava a comerciantes e empresários cheques, que apresentava, segundo dizia, aos bancos, que lhe adiantavam valores a taxas baixas de cerca de 5 ou 6%. Depois, com esse dinheiro, que obtinha a 5 ou 6%, emprestava a terceiros, a quem cobrava, com usura, uma taxa de juros de 12%. E era esse o lucro que obtinha, livre de quaisquer impostos ou encargos, uma vez que nada era documentado, nem declarado às finanças e demais entidades.
No caso dos autos, o executado entregou ao falecido, em data que não sabe precisar, os 3 cheques, para que o falecido os pudesse apresentar no banco e se financiasse.
Certo é que o Sr. F… não lhe emprestou os 46.000,00€, que os exequentes alegam. Tão pouco, 38.000,00€, em 25.01.2008, e 8.000,00€, em 19.03.2009, como indicado pelos exequentes.
Recebidos liminarmente os embargos, os exequentes contestaram, invocando que o facto de o mútuo ser nulo não impede que os cheques valham como expressão da obrigação de restituir, sendo a restituição a legal consequência da invalidade.
Concluíram, pugnando pela improcedência dos embargos.
Em audiência prévia foi fixado o valor da causa, determinaram-se o objecto de litígio e elencaram-se os temas da prova, que mereceram reclamação por parte dos exequentes, a qual foi indeferida.
Realizada a audiência final, foi proferida sentença que julgou procedente por provada a oposição à execução, absolvendo o executado de tudo o quanto foi peticionado no requerimento executivo.
Interposto recurso do indeferimento da reclamação dos temas de prova e da sentença prolatada, por acórdão proferido por esta Relação em 09.03.2017, foi concedido provimento à apelação, revogando-se o despacho proferido em audiência prévia, que indeferiu a reclamação dos Temas de Prova, apresentada pelos exequentes e anulou-se o despacho que enunciou os temas da prova, devendo ser reformulado, nos termos expostos naquele acórdão, e consequentemente, foi anulada a sentença recorrida.
O executado interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, que não foi admitido
Os autos baixaram à 1.ª instância e realizada audiência prévia foi fixado o valor da causa, fixou-se o objecto do litígio, elencaram-se os temas da prova e foram admitidos os requerimentos probatórios.
Realizada audiência final, foi proferida sentença que, julgando parcialmente procedentes os embargos deduzidos, declarou nulo, por inobservância da forma legal, o contrato de mútuo celebrado entre F… e o executado/embargante, M…, no valor de € 46.000,00 e determinou o prosseguimento da execução, reduzindo-se a quantia exequenda para o montante de € 46.000,00, acrescido de juros de mora civis, à taxa legal, desde a citação do executado para a acção executiva até efectivo e integral pagamento.
Inconformado com a decisão proferida, o embargante dela interpôs recurso, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:
“1.ª Por Acordão de 09.03.2017, do Tribunal da Relação de Évora, proferido nos presentes autos, deu-se por verificada nos termos do art.458º do CC, a presunção de que a relação subjacente aos cheques alegada pelos exequentes é verdadeira até prova em contrário, ou seja, que F… emprestou €46.000,00 ao executado,
2.ª Definindo também o tribunal a quo, que o ónus da prova cabia ao executado e que a essa prova se limitava a ilidir essa presunção, demonstrando que a celebração do contrato de mútuo não existiu, que já se encontra cumprido ou demostrar qualquer outra causa extintiva da obrigação,
3.ª O apelante discorda do tribunal a quo, de que a presunção não foi ilidida, e entende que alegou e demonstrou que não existiu o mútuo de €46.000,00 do senhor F… ao executado, e que a vontade do executado/declarante constante das promessas referidas nos 3 cheques, não tem como causa esse mútuo.
4.ª Pretende por isso o recorrente a alteração da decisão sobre a matéria de facto, com base na reapreciação dos depoimentos testemunhais gravados, em conjugação com a reapreciação de documentos juntos aos autos e com a valoração do comportamento processual das partes e ainda com base nas regras de experiência comum.
5.ª Considera incorretamente julgados os pontos 1 e 2 dos Factos considerados provados, e os factos indicados nas alíneas D), E), e G) dos factos dados por não provados,
6.ª Desde logo, porque o tribunal não atendeu ao comportamento processual dos embargados, que não podiam ter ficado completamente alheios ao processo, não trazendo qualquer elemento probatório que contribuísse para a sustentação do que alegaram, nomeadamente extratos bancários onde se refletisse o mútuo de €46.000,00, ou apresentassem justificação dessa impossibilidade, atuação processual que deverá ser valorada de acordo com as regras de experiencia comum.
7.ª E resulta desde logo que o mutuo de €46.000,00, nos termos do art.1143º do Código Civil, tinha que ter sido celebrado por escritura publica ou documento particular autenticado, (v. art. 1143.º do CC).
8.ª Tendo o tribunal a quo, decidido pela nulidade do mútuo, sendo certo que esta nulidade pressuponha que esse mutuo tivesse existido o que nem sequer se verificou.
9.ª Daí que inexistindo nos autos o formalismo legal exigido, a prova do facto 1., ou seja, do mutuo de 46.000€, não podia resultar de outro meio de prova, a não ser eu lhe fosse superior, ( v. art.364º CC).
10.ª Desta feita, a nulidade do negocio causal por si só, prova a inexistência da relação subjacente alegada pelos exequentes, ilidindo a presunção da sua existência, e impede que os cheques como relação fundamental possam servir de suporte a essa relação causal.
11.ª Por conseguinte a livre apreciação do tribunal não abrange os factos relativos à prova do mútuo de €46.000, ou seja aos factos dados por provados no ponto 1, da decisão de facto.
12.ª Dessa nulidade da relação causal, decorre ainda uma outra limitação legal, isto é, exigida pelo art.1143º do CC escritura pública ou documento particular autenticado, obsta por força do nº1 do art. 363º do CC, à prova testemunhal, ficando por essa razão o tribunal a quo, impedido de recorrer a presunções judicias, sob pena de violação do art. 351º do CC, o que de facto ocorreu , (v. art. 1142º, 1143º, 363º e 351º CC).
13.ª O tribunal a quo considerou erradamente que o executado confessou ter pedido emprestado a F… quantias inferiores a €46.000.
14.ª E erradamente porque o executado não alegou ou referiu por algum modo, ter pedido emprestado dinheiro ao Sr. F…, tal não consta dos articulados, ou de qualquer peça processual, constituindo por isso uma decisão surpresa.
15.ª Além do mais, apesar do movimento bancário do cheque de €2.500, apresentado pelo executado em 13.02.2019, constar dos extratos juntos pelos embargados, nem sequer foi mencionado por estes que, esse valor fora entregue ao executado, tão pouco a titulo de empréstimo, (v. ref. Citius 1327252 de 4.2.2019).
16.ª Sendo que esses cheques foram trazidos aos autos pelo executado para prova dos factos 6 e 7 dos temas da prova, e a meritíssima juiz a quo, admitiu a sua junção fora dos articulados, com a motivação indicada e para os fins concretos, mas nem sequer os apreciou para essa finalidade, (v.ref. citius 1335783 de 13.02.2019)
17.ª Ora esse facto essencial, dado indevidamente por conhecido pelo tribunal a quo, foi determinante para dar por provado o facto desconhecido mas presumido de que o Sr. F… emprestou ao executado €46.000,
18.ª Dessa feita, o tribunal a quo, não só fez uso indevido da presunção judicial, como fez errada interpretação das provas, uma vez que esses cheques juntos em 13.02.2019 e 23.09.2019, deveriam ter contribuído para a convicção do julgador em dar por provados ou não os factos essências constantes do ponto 6 e 7 dos temas da prova, e não foram sequer apreciados nessa perspetiva, (v. sentença).
19.ª Ademais o raciocínio utilizado pela meritíssima juiz a quo, de que os dois cheques passados pelo Sr. F… ao executado, de €2.500 e de €1.000, dos quais existe registo bancário, constituíam empréstimos deveriam ter levado ao raciocínio logico, em resultado da simiótica probática, e em particular ao indício do movimento bancário, no que ao mútuo de €46.000 respeita.
20.ª Dito de outra maneira, se para o tribunal a quo, considerou existir dois empréstimos de valores...
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